CRÓNICAS PLURICULTURAIS
19. O QUE É LEGAL NÃO É NECESSARIAMENTE ÉTICO
Há quem defenda que a Ética precede e antecede o Direito, porque antes das leis positivas, feitas pelo ser humano, há as leis naturais, leis comandos, inerentes e consubstanciais à essência da razão humana.
Por exemplo, as Tábuas de Moisés, consubstanciando os Dez Mandamentos, ao consagrarem o não matarás e o não roubarás, representam valores éticos eternos, universais e intemporais, fonte legal de inspiração de todas as leis positivas, que ainda hoje são válidos.
Também os direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, integridade física, saúde, entre outros, são tidos como inspirados em pretéritos valores éticos que se antepõem e antecedem o Direito.
Nesta perspetiva, sendo a ética um estado de consciência que nos permite distinguir o bem do mal, a submissão da lei a tais valores permite uma vida melhor.
Porém, nem sempre o que é legal é necessariamente ético.
A legalidade tem a ver com a conformidade com a lei.
A lei é uma regra categórica que emana da autoridade soberana de uma certa sociedade, impondo a todos os indivíduos, seus destinatários, a obrigação (coativa) de se submeterem a ela, sob pena de sanções.
O que pode não coincidir com uma avaliação ética.
É legal não pagar uma dívida prescrita (extinta juridicamente), dada a ausência de um dever ou obrigação jurídica de o fazer, mas é eticamente condenável não a liquidar, dado haver uma obrigação natural (e moral) de a pagar.
É legal vender uma casa em mau estado pelo preço que ela vale, mas não é ético o vendedor esconder do comprador o estado do imóvel. Mesmo acima do seu valor é legal, mas é eticamente censurável deixar o comprador convicto que está a adquirir uma coisa por um preço muito baixo, quando não está.
A ética é mais restritiva que a lei.
A ética não é contornável, por definição, enquanto a lei não pode prever todas as possibilidades de ser contornada.
A ética não aceita que os meios justifiquem os fins, porque a natureza ética de um ato não decorre de este produzir ou não resultados positivos.
À pergunta se é aceitável matar ou torturar uma só pessoa para salvar muitas mais, responde-se que se medirmos a ética pela utilidade máxima para a sociedade, pouco contam os direitos das pessoas ou das minorias, desde que o conjunto, no seu todo, beneficie com o sacrifício delas.
Esta máxima utilidade tem servido de argumento aos norte-americanos apologistas da tortura ou da morte na guerra contra o terrorismo, colocando-os no mesmo nível ético dos terroristas.
Mesmo se legal, o recurso à tortura, por exemplo, quando eficaz, é antiético. Concluindo, a natureza ética de um ato não decorre de este produzir ou não resultados positivos, usando o benefício da utilidade máxima para a sociedade, uma vez que o teste decisivo acontece quando ao observá-la, cumprindo-a, não traz vantagens.
20.11.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício