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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

A Matemática porque é também preciso resistir às simplificações grosseiras

 

O desinteresse pelo ajuste das impurezas do pensar quando lidamos com assuntos muitíssimo complexos, sobretudo quando, até mesmo as bolas da sorte, aparentemente escapam às leis da natureza e apenas contribuem para erros de raciocínio, o que daqui emerge não é particularmente abonatório para o retrato da humanidade.

 

Quem pensa que basta admitir que alguém possua a verdade e que, por esse facto, a possa impor aos outros, desconhecendo que nenhum de nós sabe isoladamente, e que vivemos numa rede de interdependências cognitivas, então desconhece que uma das características da Matemática é justamente a sua integração vertical no nosso raciocínio de modo a que ele não suba para o andar de cima sem ter entendido o andar inferior.

 

Recordo que me ensinaram que o algoritmo de Euclides fora um método eficiente para se calcular o máximo divisor comum, esse mesmo que hoje com pequenas pertinências é utilizado nos computadores.

 

Que mais não seja, há também que pensar que a Matemática é necessariamente uma questão de educação, e é sobretudo um processo, um processo para além da aldeia de pensamento que nos querem fazer crer que nos basta, que nos basta a ela aceder, e pronto! eis que já percebemos que um resultado matemático, tal como uma lei da Física, é verdadeiro ou falso independentemente das referencias culturais onde assim o constatemos.

 

E nada mais falso afinal do que se julgar que foi na aldeia murada que aprendemos esta realidade.

 

Em rigor o processo a que acima nos referimos referente à Matemática é um processo internacional, independentemente de existirem escolas de Matemática. Lamenta-se, de quando em vez, que, em Portugal, o lugar da Matemática seja um lugar onde se arrumam de vez os obstáculos e que as ambições de a conhecerem sejam meras tendências, na sua maioria.

 

Do pouco a que acedi no seu estudo e do tempo que ainda hoje me ocupa a sua Casa para que me sinta numa razão que muito assista à minha escrita, sinto cada vez mais que a Matemática é necessariamente uma liberdade para a qualidade de vida do pensar e para a higiene das ideias, e, é lugar por excelência onde se joga o jogo decisivo.

 

Confesso que sempre senti a Matemática como uma postura revolucionária indispensável no processo do pensar, e, confesso que sempre a vi – excecionando um caso – a ser transmitida, ensinada, exemplificada, não como quem conta uma história de amplo nexo, mas como quem conta que um país é pobre porque padece dos males x e y, sem alternativa de que, a soma destes dois, possa ser diferente de quatro, no sentido de dois x mais dois y.

 

Talvez o exemplo dos países que têm um ensino não superior exigente para todos, de mãos dadas com a seleção atenta, possa provar que o talento da perceção da Matemática reside na excelência de um sistema de ensino.

 

É com felicidade que hoje já vejo, até em programas dos meios de comunicação, a Matemática e as Artes, legitimarem casamentos, nos quais a Música, a Poesia, a Dança, a Arquitectura, a Pintura, o Diálogo, enfim tudo o que é essência, conferir e receber poder de entendimento ao papel-chave de um número, ou de uma letra de um ângulo de geometria espacial, ou de um simples sinal, função insubstituível para nos entendermos fora das simplificações grosseiras do pensar e do dizer, enfim, próximos da lógica do cerne.

 

Sei que não é possível melhorar qualquer área do saber individualmente sem melhorar a qualidade global do sistema escolar. Não douremos as pílulas. Se Pedro Nunes (1502-1578) foi um grande matemático, dos poucos portugueses que citamos nesta área, foi porque subiu acima da mediania e deu profundo contributo ao desenvolver a Matemática do seu tempo. Contudo, afirma-se que Portugal nunca produziu um génio matemático. Enfim, em Portugal, registe-se, que o ensino das ciências sempre foi deficiente. Ora, atualmente, publica-se a ritmo crescente, artigos científicos em revistas internacionais de referência. Assim sendo, estamos a tentar recuperar de um desenvolvimento da ciência que em Portugal terá tido mais de anos de decadência do que de anos de ouro, mesmo considerando a época extraordinária dos Descobrimentos.

 

Na verdade até na escrita, a investigação tem chegado bem pouco à grande passada de Pedro Nunes no seu contributo para a ciência náutica. Pretendo com isto dizer que o domínio da palavra tem de assentar na fantástica utopia do seu perfeito manejo e na correspondência com as infinitas realidades a que se pretende referir, sobretudo se na ascensão dessa escrita estiver a bússola que possa não ensinar a resolver a equação de segundo grau, mas a pressentir a vida dessa equação, o seu poder de agir sobre o Universo.

 

Talvez assim, possamos afirmar que daí, à dependência da curiosidade nossa face ao Saber, eis a Matemática, generosa, afinal prenha de ideias subtis que nos oferece a grande chave para a desencriptação do mundo que nos rodeia, e a mão da Filosofia vívida a expor o propósito e o sentido.

 

A linguagem e o pensamento têm uma capacidade fabulosa para representar a realidade. Todavia, somos irremediavelmente falíveis, mas podemos diminuir os riscos se nos confrontarmos em cadeia, e só desse modo, entenderemos que nem todas as realidades se submetem às nossas representações, carece que a sensatez judiciosa dos nossos raciocínios e dos nossos envolvimentos estejam à altura da tarefa que nos cabe.

 

Eis o repto de Gowers e Michael Nielsen

 

«quem poderia imaginar que o registo de trabalho de um projeto matemático fosse tão interessante de ler como um thriller

 

A Matemática e o Português, a História e a Filosofia, a Física e a Etologia, a título de exemplo, envolvem radiações de origem solar que só se esgotarão se se esgotar a nossa criatividade: que esta se não cristalize, é da nossa exclusiva responsabilidade.

 

Teresa Bracinha Vieira