Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
«Portugal, a Europa e a Globalização» do Padre Manuel Antunes, com organização e introdução de José Eduardo Franco (Bertrand, 2018) constitui uma reunião de textos fundamentais que assinaram o centenário do autor.
EM NOME DA LIBERDADE DA CULTURA João Bénard da Costa lembrava como o Padre Manuel Antunes acompanhou o grupo de católicos inconformistas da geração de “O Tempo e o Modo”, tendo visto na sua atitude “um sinal de Deus e de caminhos futuros ou de caminhos do futuro”. O jesuíta foi ainda um dos membros da comissão portuguesa do Congresso para a Liberdade da Cultura, que tanta importância teve na preparação da democracia portuguesa, estando “em combates muito difíceis nos anos 60 e 70, antes dessa Revolução que ele analisou, como mais ninguém, nesse livrinho sublime a que chamou Repensar Portugal””… Também Luís Lindley Cintra disse, de modo muito claro: “Leiam Repensar Portugal… é um livro importantíssimo, quase diria é único pela reflexão e pelo espírito que o anima”. O texto «Que Projeto-Esperança para Portugal?» integrou essa luminosa obra, que lida à distância, ganha uma renovada atualidade e pertinência. E, segundo o autor, era a democracia que estava em causa, era a sua concretização que deveria ser objeto de reflexão e ação: “a democracia é preciso merecê-la. Não pode constituir dádiva generosa de um dia trazida nas espingardas não disparadas e nos cravos não manchados de sangue do Movimento das Forças Armadas. A democracia é necessário traduzi-la, pelo esforço de todos – mas sobretudo daqueles a quem assiste maior responsabilidade política, social, económica e cultural – a democracia é necessário traduzi-la nos factos e nas instituições que objetivem e encarnem a verdade, a justiça, a fraternidade e a liberdade de uma comunidade verdadeiramente humana”. A atualidade desta reflexão do Padre Manuel Antunes põe-nos perante o tema atualíssimo da democracia – quando espreitam, um pouco por toda a parte, as tentações imediatistas e populistas, sob a falsa invocação do mero formalismo do voto. A legitimidade do voto é fundamental, mas tem de ser completada pela mediação permanente nas instituições democráticas. Os cidadãos tem ser representados e de participar, tem de se sentir legitimados. Não podia o nosso autor antecipar o mundo das redes sociais, ou das notícias falsas – mas conhecia muito bem os instrumentos subtilmente perigosos dos “reflexos condicionados” ou das “lavagens ao cérebro”. O “Grande Irmão” de George Orwell aparece onde menos se espera, “O Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley esconde as maiores perversidades anti-humanas. «Que Projeto-Esperança para Portugal?» constitui um conjunto de alertas que se projetam no nosso tempo – e que permitem encontrar respostas atuais, sem diabolizar os meios novos de que dispomos. O que importa é não confundir meios e fins – de modo a colocar a dignidade humana no centro da vida democrática.
JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE E LIBERDADE Uma “revolução moral” preocupava o pedagogo da democracia. A justiça, a solidariedade, a liberdade, a honestidade devem orientar a vida das instituições: de modo realista, “renovando as instituições existentes – e não apenas mudando-lhes os nomes – e criando outras que se imponham”. Partindo do país real e dos seus dualismos e limitações, há sempre que encontrar alternativas – compreendendo a democracia como “um conceito axiológico e dinâmico, isto é, de ordem moral mas sujeito às vicissitudes das situações concretas em que é preciso venha a encarnar e a objetivar-se em leis, regulamentos e costumes em determinado espaço-tempo; que é um conceito de gradual ascensão histórica, sujeito, por conseguinte, ao acontecedoiro dos «dois passos para diante e um para trás»; que é um conceito que se define, na prática soberana, pela participação, cada vez mais larga e profunda, cada vez mais extensa e intensa, cada vez mais consciente e estruturada, nos bens e nos serviços, nos direitos e nos deveres, nas prestações e nas obrigações de todos para com a comunidade e da comunidade para com todos; que é um conceito operativo de um sistema que vive em função do meio em que historicamente se implanta…”. A liberdade política, a justiça social e a gestão da prosperidade geral têm de se ligar, numa lógica humanizadora. Nesse sentido, o Padre M. Antunes definia uma agenda, que pressupunha não encarar o Estado como novo Leviatã, produtor, planificador, omnipresente e invasor da esfera privada, pelo que se tornaria imperativo: desburocratizar, desideologizar, desclentelizar e descentralizar. Interiorizar a democracia obrigaria, assim, a assegurar a democracia do Estado e a democracia da sociedade civil. E ao Estado competiria revelar-se como consciência crítica da Nação, “na sua realidade de ser coletivo e histórico”. Não pode haver democracia sem haver consciência cívica, sem haver instituições representativas e mediadoras – só desse modo poderemos precaver-nos perante os perigos de manipulações e de condicionamentos ilegítimos. Num tempo em que a complexidade é a marca indelével do progresso humano, não podemos cair na tentação de resumir tudo a opções simplificadoras ou a caricaturas da realidade. Veja-se o que acontece quando a via referendária se sobrepõe à ponderação rigorosa das consequências de decisões difíceis – que não podem ficar prisioneiras da tirania do número, da indiferença ou da demagogia… É preciso tempo e reflexão. Numa palavra, a instituição a fortalecer neste projeto-esperança é a própria democracia – “condição necessária, embora não suficiente. De facto não é qualquer carta constitucional ‘outorgada’ e muito menos ainda ditatorial ou violentamente imposta que nos fará ‘escolher’ o caminho realmente nosso”. Não pode haver expressão mais atual. Daí a demarcação em relação a uma qualquer tutela. As Forças Armadas, por exemplo, deveriam ter o papel o mais discreto possível e o mais técnico possível. E a democracia política deveria ser completada pela democracia social – devendo unir-se liberdade e justiça, ou pelo menos uma maior liberdade e uma maior justiça.
A DIMENSÃO CULTURAL E a dimensão cultural? “Sem crítica, a cultura instala-se no uniforme sem inspiração, no escolasticismo sem vontade de essencial, no dogmatismo sem nervo de verdade, e, por isso mesmo, em constante apelo à força do ‘braço secular’. Sem crítica, a querela instala-se por toda a parte: na rua e no palácio, na academia e na caserna, na cidade e no campo, durante a vida e post mortem”. E se a instituição a fortalecer é a democracia, o ideal a realizar é o bem comum. E lendo este texto, e alargando-o a uma dimensão mais vasta do que o âmbito nacional, estamos perante um documento crucial para os dias que correm. O Padre Manuel Antunes compreendia muito bem o género humano e a vida das sociedades – e daí a pertinência e intemporalidade deste texto. E em que consiste o bem comum? “Na existência de estruturas e instituições que em determinada fase histórica sirvam ao uso, à dignidade e à dignificação da comunidade; na vontade de solidariedade que une todos os membros dessa comunidade, de forma a que todos participem, na devida proporção, desse objetivo fundamental”. A encíclica “Pacem in Terris” de João XXIII e a constituição “Gaudium et Spes” do Concílio Vaticano II são claras nesse sentido. Importará cortar o passo à alternância entre anarquia e tirania – “uma comunidade pode ser feliz sem viver propriamente numa abundância material de lés-a-lés”. Em suma, num tempo em que tanto se fala de austeridade, importa insistir na noção de sobriedade, que previne o desperdício e a corrupção, a injustiça e a exclusão, a desigualdade e a fragmentação social – com ensinava o Padre Lebret, cuja obra o Padre M. Antunes bem conhecia e que tanto influenciou a encíclica “Populorum Progressio” do Papa Paulo VI. À democracia e ao bem comum, haverá ainda de juntar um destino a cumprir – a universalidade. Que sentido teria a eminente dignidade humana se não fosse um valor universal? E lembramos o nosso humanismo universalista que nos leva a Santo António de Lisboa ou a Pedro Julião, o Papa João XXI – e lembra a relação incindível entre diversidade e unidade, entre diferença e identidade. “Cada homem é uma exceção” – dizia Kierkegaard – também cada povo! E não fugimos à regra. A maior necessidade sentida neste “repensar de Portugal”, neste “projeto-esperança” é assim uma renascença – ou seja, “vontade de retomar um certo fio de outros dados e dados que outros quebraram”. E é de cultura que devemos falar, de abertura de horizontes, de Europa e de mundo da língua portuguesa. “Um país na verdade culto e com cerca de um milénio de história vivida atrás de si – e que história -, só demitindo-se por completo e por completo desistindo de existir como um animal esgotado que se deita para morrer é que deixará de contar no concerto dos povos. Antes não».
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença
A atual Comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Verstager, filiada no partido social democrata, dinamarquês e europeu, tem sido visivelmente ativa no controlo, em defesa da livre concorrência, dos comportamentos, no mercado, de empresas ou grupos mais suscetíveis de a violarem. Receia que, sendo o presente governo do seu país de confissão conservadora, não venha a ser proposta para repetir o mesmo mandato na comissão a ser designada em 2019. Um velho amigo meu, muito rodado em andanças eurocráticas, diverte-se a cognominar a Comissária Verstager de "Margarida das Multas", em memória daquelas coimas bem pesadas que, por iniciativa dela, a Comissão Europeia aplicou aos gigantes Apple e Google (esta, aliás, tendo-as sofrido já por duas vezes, por abuso de posição dominante do seu comparador de preços e do sistema de exploração móvel Android).
Outra grandeza do mercado, Amazon, está hoje sob investigação por nova suspeita de abuso de posição dominante. Diz a senhora comissária que se pretende assim facilitar a outras empresas a entrada em competição no mercado europeu, muito embora, cito, as quotas de mercado se mantenham sensivelmente inalteradas. Mas penso que o consumidor tem mais escolha e que o eco sistema empresarial europeu está mais dinâmico do que há uma década.
... Não queremos interferir nos negócios das empresas. Mas se suspeitarmos de que não fazem jogo limpo no mercado europeu, agiremos. Essas plataformas têm a especial responsabilidade de não utilizarem o seu tamanho para tornar as coisas mais difíceis para os actores mais pequenos. [Fim de citação].
Destas notícias e declarações retirarei, Princesa de mim, uns tópicos para nossa reflexão conjunta:
1. A excessiva partidarização de qualquer show off político, em jeito de marketing, em prejuízo da propriamente dita ação política, cuja motivação e cuja crítica ou, até, maior ou menor oposição, deveriam ser orientadas exclusivamente pelo discernimento do bem comum e sua prossecução, independentemente da cor partidária dos seus protagonistas e respetivas ambições estelares.
2. A verificação da possibilidade de se garantir qualquer liberdade de concorrência nos mercados, a partir do momento em que se assegura, e até se fomenta, o aparecimento de gigantes empresariais com a capacidade financeira requerida para uma posição dominante no desenvolvimento e controlo (com vocação monopolista) de tecnologias de vanguarda.
3. A interrogação das possíveis contradições dos sistemas e regimes políticos e económicos em vigor. Designadamente, da fé na "liberalização" dos mercados como fator sine qua non da otimização da eficiência económica e da justiça social. Exemplo bem conhecido de muitas regiões e cidades europeias, e não só, tem vindo a ser o que, em recente editorial, Le Monde intitulou Le Tourisme au Bord de l´Overdose: Um pouco por todo o lado, os autóctones exprimem a sua saturação dessa invasão incontrolada, até porque o maná financeiro trazido pelos turistas dificilmente compensa os desgastes colaterais. Os preços do imobiliário disparam, o emprego concentra-se em ofícios sazonais e mal pagos, o meio ambiente degrada-se, as cidades transformam-se em museus, em parques de atração ou em centros de permanentes libações...
4. A interpelação ética da "filosofia" ou "sabedoria" consumista que motiva e orienta o nosso funcionamento socioeconómico. Tal será, mais ou menos, repetir a pergunta que serve de título a uma obra de Zygmunt Bauman, recentemente falecido e de quem tanto te tenho falado: Does ethics have a chance in a world of consumers? (Harvard University Press, 2008). Isto é: só se ainda acreditarmos que a ética deve ter um desempenho importante na nossa vida pessoal e coletiva, só assim será possível fazermos essa pergunta. Cuja resposta quiçá nos levará a perceber o sem sentido ou absurdo das ilusões materialistas correntes. Para refletires, traduzo-te palavras luminosas de Bauman: A vida de consumo não consiste em adquirir e possuir. Nem tampouco em nos desembaraçarmos do que adquirimos antes de ontem e de que nos gabávamos ontem ainda. Não, ela consiste, antes de tudo, a estar em movimento. A maior ameaça que pesa sobre uma sociedade que faz da "satisfação do consumidor" a sua motivação e finalidade, é precisamente a do consumidor satisfeito. Não tenhamos dúvidas de que o "consumidor satisfeito" seria uma catástrofe tão grave para ele próprio como para a economia consumista. Nada mais a desejar? Nada mais a procurar? Limitados ao que possuímos (logo ao que somos)? Tal situação - breve, se tudo correr bem - só poderia receber um nome de batismo: aborrecimento.
A redução do ser humano a homo consumens, ou seja, a uma função inadvertida num processo económico de sentido totalitário, não só é limitativa da liberdade, como também da própria consciência de si e dos outros. A figura marxista da alienação denunciava, numa sociedade industrializada, o furto ou transferência objetiva do valor do trabalho. A figura do consumista, na nossa sociedade pós-industrial, representa uma forma nova de alienação da pessoa humana num processo económico em que ela serve a troco de objetivos materialistas a cuja busca ela é sistematicamente induzida. E esse passo dado, de ser para ter, a vai paulatinamente encerrando num egoísmo cego, que lhe tolhe o coração aos outros e lhe reduz o respeito por si mesma à capacidade do seu poder de compra. Ou ao "glamour" de qualquer possível exibicionismo.
Entretanto, talvez por efeito do Prémio Nobel de Economia que lhe foi atribuído em 2017, o economista norte-americano Richard Thaler - tem ganho uma audiência internacional que os seus colegas em ciências sociais tardavam em dar-lhe. Sendo um dos pais (com Daniel Kahnerman, Amos Tversky, George Akerlof e outros) da dita economia comportamental, que se foi afirmando nos anos 80 do século passado, Thaler publicou, em 2015, com o título de Misbehaving - The Making of Behavorial Economics, um livro que resume as experiências que foram marcando o caminho da formação da economia comportamental como ramo da ciência económica que, contrariamente ao que afirma a teoria clássica, pretende que os seres humanos não agem racionalmente em função dos seus interesses individuais, mas, sim, da conjugação de fatores psicológicos, institucionais, culturais, históricos, biológicos... Ou seja: esta escola retorna a visão económica à sua circunstância social e cultural, não se fiando apenas nos modelos matemáticos construídos. Mas não será, então, básico reconhecer aí o ser humano, com suas frustrações e aspirações e, sobretudo, com essa parte de si que é insaciável e livre, de modo a que as propostas da ciência e da política económicas sejam mais libertadoras das pessoas e dos seus caminhos espirituais - e não mais, teimosamente, ir utilizando a perceção de comportamentos, suas motivações e condicionantes, para ir "aperfeiçoando" propostas de mais refinado "marketing" escravizante?
Afinal, impõe-se reconhecer o valor, ou a necessidade, da ciência económica se ir debruçando sobre outras áreas circunstantes do próprio funcionamento ou intervenção do homo economicus, entidade abstrata, de que Richard Thaler já falava assim: O problema decorre do modelo utilizado pelos economistas, modelo esse que substitui o homo sapiens por uma criatura fictícia chamada homo economicus, e que, cá por mim, prefiro chamar econo. Mas fundamentalmente necessário, mesmo indispensável, será a conversão da ciência económica em ciência humanista, de modo a que, também na política, o ser humano seja o centro - e o bem comum a finalidade - do exercício e da regulamentação económica. Já em carta anterior, Princesa de mim, eu te perguntava por quem se lembre ainda do padre Lebret, dominicano francês, e do seu movimento, e escola, o tal chamado Économie et Humanisme...
Todos nós diariamente ouvimos ou lemos acerca de orçamentos, défices, impostos, competitividade das empresas, produto nacional... mas quantos se lembrarão de que o número dos nossos irmãos portugueses que se encontram em situação de pobreza efetiva representa quase um quarto de todos nós? Para que serve tanta economia científica, diplomada e politizada? Podem apontar-me a dedo como idiota ou pateta - que talvez seja - mas tenham a caridade de responder à pergunta de Deus a Caim: Que fizeste de teu irmão?
Em artigo anterior, evocamos a Ópera do Tejo, teatro régio de Lisboa, inaugurado em 31 de março de 1755 e destruído pelo terramoto de 1 de novembro do mesmo ano.
Referimos então dois livros que dele se ocupam com destaque e qualidade: “Os Nove Magníficos” (ed. Clube do Autor -2017) de Helena Sacadura Cabral, analisado no artigo anterior, e “Ressuscitar a Ópera do Tejo - O Desvendar do Mito” (ed. Caleidoscópio – 2016) de Aline Gallasch-Hall de Beuvink, que hoje evocamos.
Este livro trata exclusivamente do Ópera do Tejo. E o grande mérito decorre da qualidade e extensão da pesquisa, tendo em vista sobretudo o carácter efémero do edifício em si e a pouca ou quase nenhuma atividade pública e artística respetiva: escassos 7 meses, em que terão sido levadas à cena apenas duas óperas, “Alexandre na India”, música de David Perez e libreto de Pietro Metastasio, espetáculo de inauguração do teatro, e “A Clemência de Tito” música de Mazzoni, também sobre libreto de Matastasio.
E diz-nos a autora do livro que estaria em ensaios outra ópera de Mazzoni, “Antígona”, também com libreto de Metastasio. Mas essa já não subiu à cena.
O projeto arquitetónico da Ópera do Tejo era da autoria do arquiteto Bibiena, que permaneceu em Portugal, ao serviço do Rei e da corte, de 1752 até à sua morte em 1770. Deve ter-se arrependido em 1 de novembro de 1755, mas, passado o susto de terramoto, manteve-se em Lisboa!
Porém o Teatro, esse, desapareceu, e dele restaram as ruínas que aqui se reproduzem. E que são suficientes para podermos imaginar, a partir de descrições da época, a sumptuosidade desta malograda Ópera do Tejo.
Diz-nos Aline, pouco restou da efémera memória deste edifício: mais concretamente, restou o que é ilustrado pela gravura que aqui se reproduz e que é capa do livro citado. Mas as ruínas da Casa da Ópera servem para imaginarmos a sumptuosidade do Teatro em si.
O livro de Aline contem o levantamento da documentação e dos sucessivos testemunhos diretos do edifício e da sua atividade. O que até nós chegou é a descrição de um teatro seiscentista típico, com algo como 600 lugares em plateia e camarotes, devidamente documentados na imagem das ruínas.
Aline transcreve um Aviso Régio assinado pelo Mordomo-Mor do Rei D. José, Diogo de Mendonça Corte-Real, onde se detalha a distribuição de lugares, na plateia e camarotes, rigorosamente feita de acordo com a hierarquia social e funcional da Corte.
O livro é pois extremamente bem documentado. Contem numerosas gravuras da época e fotografias de espaços onde o teatro se implantava, junto do que é hoje a Praça do Município.
E ainda reproduz a fotografia de uma coluna, hoje integrada num edifício posterior, coluna essa que será o que resta da malograda Ópera do Tejo, arrasada no histórico Terramoto de 1 de novembro de 1755!...
Há necessidade de olhar para o mar através do encontro de culturas que é visível na arte, monumentos, religião, costumes e tradições deixados pelo interagir recíproco a partir das primeiras viagens, e em que ressalta, nos nossos dias, a disseminação da língua portuguesa pelos descobrimentos, pela diáspora lusíada, lusófona e contemporânea, pelo seu potencial geoestratégico, o que decorre, em primeiro lugar, de ter sido capaz de atravessar vários espaços geográficos deslocalizados territorialmente e alcançados pelo mar, numa descontinuidade linguística.
Se foi o mar, e não a UE nem a continentalidade europeia, que foi essencial para a internacionalização e vanguardismo de uma língua que não é apenas nossa, se é verdade que Portugal só é um país pequeno se lhe retirarmos o mar, tudo aconselha a uma mudança de atitude assente no facto de ser para nós um recurso estratégico, mas também, desde logo, para a Europa e o mundo lusófono, de que somos parte, por direito próprio.
Há um mar de oportunidades perdidas, há potencial que tem de se concretizar, há que recolher amostras no âmbito do projeto de extensão da plataforma continental que vai permitir ampliar a área de soberania autorizada pela convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar, há que catalogar, compreender, estudar e valorizar os seus recursos naturais, há que navegá-lo e explorá-lo em vez de apenas contemplá-lo. Desde os usos tradicionais como as pescas, construção naval, transportes e turismo, às energias renováveis, indústria eólica, criação de algas para produção de biocombustíveis e biomassa, expansão da aquacultura, exploração offshore de gás e petróleo, fixação de reservas marinhas para preservação da biodiversidade, desenvolvimento da biotecnologia marinha para a indústria farmacêutica, de cosmética e alimentar, extração de novos metais e minerais. Sem esquecer uma governação integrada do mar, onde também estão presentes o ambiente, a ciência, a defesa, a diplomacia, a cultura, incluindo a língua, a literatura e as artes em geral.
Paradoxal e significativo que a cerimónia de assinatura de adesão à CEE tenha ocorrido nos claustros do Mosteiro dos Jerónimos, celebrizando a importância do mar para Portugal, para a Europa e para o mundo e a que demos, via oceano, uma contribuição específica para a globalização planetária.
Sem excluir as coexistências, urge que o mar volte a ter um significado e um valor especial para Portugal.
De fato a felicidade não é uma ideia nova, o que é novo é associar-se a conquista da felicidade às facilidades da vida, diz-me o Rui Vassalo ao entrarmos para o Jardim da Estrela, local de boas conversas do nosso grupo de então.
E sim, digo-lhe, concordo contigo, mas tudo me parecem caminhos indefinidos para um paraíso ali mesmo ao lado de cada um, e como já ninguém aceita o seu destino, há que aligeirar o que no mundo pode ser transformado, sem que qualquer preocupação de aperfeiçoamento pessoal colha hipóteses de embelezar o viver do eu na terra de todos. As metamorfoses das quais me dou conta são puramente do foro material. Julgo que se pensa dever existir um mínimo confortável a que todos tenham acesso, independentemente da insalubridade em que cada qual venha a viver esse mínimo: interessa sim, que dê pelo nome de mínimo confortável. Não sentes assim?
Pois. Entendo-te. O conforto são os muitos eletrodomésticos, as roupas de marca, a renovação periódica da imagem, a simplificação da vida e do descanso passivo, afinal o encontro de braços abertos com a felicidade individualista de massa. A ausência de conhecimento por parte do utilizador disto tudo, é óbvio, já que a evasão confortável é a que se instala nos prazeres e juízos fáceis. Nem imaginas Rui, o quanto sinto a violência disto tudo, vomitada em palavras mesquinhas e pensares rotos de telenovelas, equipamento-base para se avaliar comportamentos e mundo. Eu até acho que o formato dos prédios dos dias de hoje são bem o espelho de quem neles habita. A orientação dita estética conforma-se com a não proteção da paisagem interior e exterior de cada qual. Tudo, tudo está ligado. Não existirem hábitos de leitura, mas sim o carregar de tecla para que os motores de busca respondam de imediato onde se localiza hoje o novo território da felicidade.
Olha Rui, o teu irmão disse-me com um sorriso esclarecedor que a qualidade de vida dos utentes dos casamentos de hoje, assentam naquilo a que as mulheres querem chamar de amizade, e que permite que o casamento resulte porque são amigos e os divórcios são para o desamor, e, assim, safam-se estas mulheres pois sendo as maiores amigas dos seus maridos, mesmo que haja alguma separação elas mandam dentro da futura relação deles, e, se existir uma traição, não faz mal pois são apenas amigos e tudo se recompõe no somos muito felizes mesmo não sendo. E isto é felicidade.
Mas qual a razão de serem as mulheres a apregoar essa amizade?
Ora porque querem permanecer no mando do individuo pelo seu espaço e pelo seu sentir. Não sabias?
Bom! sei que não estou a pensar casar contigo e és a minha melhor amiga. Sei que no amor também há amizade, mas não quero ouvir falar dela nos votos nupciais, entendes?
Sim entendo. Tudo isto que está a acontecer não é novidade; são meros trabalhos de reabilitação do habitat afetivo. Repete-se o que não tem alicerce; receia-se que o amor seja pouco, seja escasso, termine mesmo, e, depois não sabem o que fazer, enquanto, a amizade é outra “tranquilidade”, mesmo que nos estejamos a referir à amizade nos votos matrimoniais. Assim não se arrisca o amor. Arrisca-se a cosmética… e não se entende depois o recurso aos médicos e a intolerância da doença…ainda que a maior parte das patologias são do foro dos piercings intelectuais. Enfim, envelhecer em bom estado faz parte da felicidade adquirida pelas facilidades da vida que se desejam viver. A própria inflação orgíaca do sexo agressivo e banalizado, consumível a toda a hora, o culto do obsceno e a justificação de que todos podem fazer o que querem, dependendo do seu registo, não os questiona. Ora, assim sendo, o aceder aos sites da pedofilia faz parte do mundo que se planteia com maior publicidade mesmo que saibam que a pornografia já em 1983 excedia as receitas geradas pelo cinema ou que agora a cannabis é tendência.
Vivemos afinal o tempo da festa dita decente?
Sim Rui vivemos o tempo da festa pálida do Homo festivus, tão pálida, tão light que os seus espectadores não resistem à sua própria hegemonia, à sua ambiência fun: só os decibéis da maré humana contam. Regressamos ao culto do instante exibindo-se a felicidade hedonista e narcísica numa estranha obsessão pela performance.
Será tudo isto apenas uma parte da ilusão da sabedoria? Digo-te Rui, às vezes penso que já cá não existimos.