Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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John Ruskin - Arte, Trabalho e Sociedade. (Parte 2)
'...go forth again to gaze upon the old cathedral front, where you have smiled so often at the fantastic ignorance of the old sculptors: examine once more those ugly goblins and formless monsters and stern statues, anatomiless and rigid; but do not mock at them, for they are signs of the life and liberty of every workman who struck the stone; a freedom of thought, and rank in scale of being, such as no laws, no charters, no charities can secure; but which it must be the first aim of all Europe at this day to regain for her children.', John Ruskin In 'The Nature of Gothic'
John Ruskin acreditava que a catedral gótica era a representação mais completa da sociedade medieval.
Para Ruskin, a arte deveria ser uma apreensão visual do universo criador. O artista era por isso, uma revelação, uma demonstração da infinita criação divina. A arquitetura tem a capacidade de revelar o espírito, a moral e tudo o que precisamos de saber sobre uma determinada sociedade.
A sociedade da idade média é uma sociedade cristã e o gótico é uma forma impregnadamente cristã.
'It is not enough that it has the Form, if it have not also the power and life. It is not enough that it has the Power, if it have not the form.', John Ruskin In 'The Nature of Gothic'
A arquitetura gótica era muito admirada, por Ruskin, pela sua imperfeição, mistura e impureza expressiva. Aí, o trabalho manual do indivíduo estava completamente comprometido e envolvido somente com o material.
Para Ruskin, os elementos característicos que mais admirava no gótico eram: a rudeza e a incorrecção; o amor pela alteração; o amor pela natureza; a imaginação confusa; a severidade e a obstinação; o excesso e a redudância; a mistura das partes e a união do todo.
Ora, Ruskin acreditava que o gótico era um indício da autonomia da expressão individual - mas lembrava sempre que nada era feito para satisfazer um prazer puramente pessoal, porque todos os indivíduos contríbuiam à sua maneira para uma expressividade e uma intenção muito maior, despoletado pelo amor a Deus.
Na arquitetura gótica não existia um desejo de controlo, não existia a imposição de uma ordem. O gótico era uma tentativa de trabalhar com a irregularidade e a com as capacidades especifícas de cada indivíduo e por isso com as formas mais naturais. E para Ruskin, toda a sociedade que substitui as formas naturais pelas formas áridas e excessivamente regulares é uma sociedade que precisa de reforma. Na opinião de Ruskin, a sociedade do gótico, ao ter sérios propósitos espirituais, ansiava ser verdadeiramente ligada à natureza.
A superioridade de uma civilização não pode estar relacionada com um ideal de beleza mas sim deve sobretudo transparecer o profundo espírito individual e livre que está por detrás de cada criação, por mais insignificante que seja. O artista/artesão mais verdadeiro não é uma máquina que repete com precisão os seus gestos. A sociedade mais próspera é aquela que aceita as imperfeições e as irregularidades de todos os indivíduos, sem excepção. E por isso Ruskin, pensava que a arquitetura gótica transparecia sempre o prazer de fazer, de executar e de projetar - reflectia constantemente o valor especifíco de cada espírito.
'You must either make a tool of the creature, or a man of him. You cannot make both. Men were not intended to work with the accuracy of tools, to be precise and perfect in all their actions. (...) If you will make a man of the working creature, you cannot make a tool. Let him but begin to imagine, to think, to try to do anything worth doing; and the engine-turned precision is lost at once.', John Ruskin In 'The Nature of Gothic'
1. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948, em Paris: “A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objectivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito por esses direitos e liberdades, e, pela adopção de medidas progressivas de carácter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efectiva.” Nos artigos 1 e 2, lê-se: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e podem invocar os direitos e liberdades desta Declaração, “sem distinção alguma de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião politica ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra situação.” Numa vinheta de 1998, no jornal EL PAÍS, referindo-se ao preâmbulo, aparece o próprio Deus a exclamar: “Que preâmbulo! Não tinha lido nada de tão bom desde o Sermão da Montanha”.
2. Lembrando os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos, retomo uma síntese de outra Declaração, infelizmente menos conhecida e invocada: a célebre Declaração Universal dos Deveres Humanos, de que há tradução em português. Para superar a crise e para que a esperança não seja mera ilusão, wishfull thinking, precisamos todos de ser fiéis às nossas responsabilidades e cumprir os nossos deveres.
Já na discussão do Parlamento revolucionário de Paris sobre os direitos humanos, em 1789, se tinha visto que "direitos e deveres têm de estar vinculados", pois "a tendência para fixar-se nos direitos e esquecer os deveres" tem "consequências devastadoras".
Foi assim que, em 1997 e após debates durante dez anos, o Interaction Council (Conselho Interacção) de antigos chefes de Estado e de Governo, como Maria de Lourdes Pintasilgo, V. Giscard d'Estaing, Kenneth Kaunda, Felipe González, Mikhail Gorbachev, Shimon Peres, fundado em 1983 pelo primeiro-ministro japonês Takeo Fukuda, sob a presidência do antigo chanceler alemão Helmut Schmidt, propôs a Declaração Universal dos Deveres Humanos. Na sua redacção, teve lugar destacado o famoso teólogo Hans Küng.
O Preâmbulo sublinha que: o reconhecimento da dignidade e dos direitos iguais e inalienáveis de todos implica obrigações e deveres; a insistência exclusiva nos direitos pode acarretar conflitos, divisões e litígios intermináveis, e o desrespeito pelos deveres humanos pode levar à ilegalidade e ao caos; os problemas globais exigem soluções globais, que só podem ser alcançadas mediante ideias, valores e normas respeitados por todas as culturas e sociedades; todos têm o dever de promover uma ordem social melhor, tanto no seu país como globalmente, mas este objectivo não pode ser alcançado apenas com leis, prescrições e convenções. Nestes termos, a Assembleia Geral proclama esta Declaração, a que está subjacente "a plena aceitação da dignidade de todas as pessoas, a sua liberdade e igualdade inalienáveis, e a solidariedade de todos", seguindo-se os seus 19 artigos, de que se apresenta uma síntese.
2.1. Princípios fundamentais para a humanidade. Cada um, cada uma e todos têm o dever de tratar todas as pessoas de modo humano, lutar pela dignidade e auto-estima de todos os outros, promover o bem e evitar o mal em todas as ocasiões, assumir os deveres para com cada um, cada uma e todos, para com as famílias e comunidades, raças, nações e religiões, num espírito de solidariedade: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.
2.2. Não violência e respeito pela vida. Todos têm o dever de respeitar a vida. Todo o cidadão e toda a autoridade pública têm o dever de agir de forma pacífica e não violenta. Todas as pessoas têm o dever de proteger o ar, a água e o solo da terra para bem dos habitantes actuais e das gerações futuras.
2.3. Justiça e solidariedade. Todos têm o dever de comportar-se com integridade, honestidade e equidade. Dispondo dos meios necessários, todos têm o dever de fazer esforços sérios para vencer a pobreza, a subnutrição, a ignorância e a desigualdade, e prestar apoio aos necessitados, aos desfavorecidos, aos deficientes e às vítimas de discriminação. Todos os bens e riquezas devem ser usados de modo responsável, de acordo com a justiça e para o progresso da raça humana.
2.4. Verdade e tolerância. Todos têm o dever de falar e agir com verdade. Os códigos profissionais e outros códigos de ética devem reflectir a prioridade de padrões gerais como a verdade e a justiça. A liberdade dos media acarreta o dever especial de uma informação precisa e verdadeira. Os representantes das religiões têm o dever especial de evitar manifestações de preconceito e actos de discriminação contra as pessoas de outras crenças.
2.5. Respeito mútuo e companheirismo. Todos os homens e todas mulheres têm o dever de demonstrar respeito uns para com os outros e compreensão no seu relacionamento. Em todas as suas variedades culturais e religiosas, o casamento requer amor, lealdade e perdão e deve procurar garantir segurança e apoio mútuo. O planeamento familiar é um dever de todos os casais. O relacionamento entre os pais e os filhos deve reflectir o amor mútuo, o respeito, a consideração e o cuidado.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo públicado no DN | 8 DEZ 2018