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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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TINTIN

 

Camilo,

 

Sempre acontece querer dizer mais de uns textos seus do que de outros, não por faltar qualidade a algum deles, mas, porque saltam palavras mais diretas aos olhos de cada um que as lê e todos somos diferentes no que o olhar, nos olhos, segura.

 

Quando vendi o submarino e o foguetão de Tintin, ambos adquiridos em Paris num antiquário, senti que podia ir neles escondida para poder chorar e rezar quando quisessem fazer mal ao Tintin, ou, se ele se visse aflito na decisão dos seus percursos, pudesse estar eu sempre próxima e atenta e sofresse com ele as loucuras, e mais, pudessem as minhas lágrimas salvá-lo e por elas rezando ao mistério, rezando às perplexidades que buscava nos cantinhos dos quadrados da banda desenhada. O meu pai atualizava a minha coleção de banda desenhada, constantemente, e, recordando-lhe eu sempre essa necessidade sem cerimónia. Colocava ele quase em segredo em cima da cómoda do meu quarto os novos cadernos de Tintin, a fim de me espantar de encantamento quando eu desse conta de que as histórias afinal eram libertação.

 

Quando vendi - promessa cumprida a quem vendi - os objetos que faziam capa das revistas de Tintin, logo pensei que nesse dia tinha crescido muito ainda que não entendesse para que lado.

 

Hoje ao ler o que o Camilo citou

 

Porque pensar é não compreender... / O mundo não se fez para pensarmos nele / (Pensar é estar doente dos olhos) / Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo (confissão de Alberto Caeiro)  

 

julgo ter entendido o silêncio que muito me fez crescer, mas agora de um outro jeito. Julgo tê-lo entendido como uma possibilidade rara de ser fundamento da própria transgressão: uma seiva. Sim, uma seiva que nos é divulgada existir, mas muito por dentro, muito por comunhão.

 

O António Alçada não era tão tranquilo quanto parecia – assim o compreendi também, e o seu filho Luís, confidenciou-me um dia, ser igualmente essa a sua opinião - e por isso no seu livro de homenagem, e ao contrário de todos os que nele participaram, depois de umas palavras minhas, citei um poema de revolta do seu poeta O’Neill ou não tivesse sido esse poema o que ele escolhera depois de, alternadamente, lermos um ao outro uma das aventuras de Tintin, enquanto a minha mãe nos olhava através de seus contagiantes olhos verdes, e, nos referia, de outro modo, a nossa, a de todos, coisa mais tremenda que há em nós: a incapacidade de total consciência lúcida.

 

E enfim, o despojamento de que me falava o Alçada, sobretudo nos largos meses antes de partir, tinha muito de religioso, muito de clarividência, muito do conteúdo do destino que, em paz, cada um devia tentar aceder sobretudo pelo silêncio.

 

Deste modo Camilo lhe agradeço o texto que enviou, círculo de luz, aparência e essência, e que todos os dias e noites de claro, saibamos olhar o mundo também pela memória.

 

Sua Amiga Teresa

 

Teresa Bracinha Vieira