SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
«A poesia (…) pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar.»
Arte Poética – II
Pois te digo Sophia
Que sinto uma neve a embranquecer mais
Esclarecendo a vida mergulhada na vulnerabilidade
Onde e aonde expõe por fim toda a paisagem
Sempre que as exímias tuas palavras
Me levam pelos bosques para deles
Outra bainha outro sentir
E diria
Eis uma memória encontrada e coligada
A focos de luz boreais
De volta à nossa casa tão espessa quanto o coração
Tão revivida quanto o sinal mais inquietante com o qual dormi
Numa inesperada cadência que acreditei ir aclarando o coração dos homens
E tu sabes e eu
Recordo-te
Sophia
Que nos olhamos por entre cortinas sobrepostas
Quanto te leio
E nos faço olhar as duas ao espelho
Àquele que é criatura de liberdade
Onde semeias/semeio
Os beijos
Cheios daquela vontade antiga e de agora
Tu
Ramificada pelo mundo
Nele a insinuares-te com contorno próprio
Entre a não liberdade da origem
E a vital presença
E sei que suscitas e suscitaste a surpresa
E sei que o lago me espera
Sophia
Tenho os teus poemas nas mãos
Vou com eles nadar de leve
A vida volta
Participámos já na grande festa da eclosão
Dos seres?
Ou a tarefa de sobreviver já nos iniciou na pequeníssima parte de um poema?
Ninguém pode compreender o que cada um é
Ninguém explica o não recordar-se
A chave é minúscula
Só quero saber evadir-me de um mundo a outro
E encontrar-te tão feliz
Como afirmaste sentir-te quando te sabias de partida
Sophia!
Talvez se possa partilhar um ir
Mas nada o explica
Cada um pode não ser mais do que aprendizagem
À procura de um ponto de encontro
Daquele mesmo
De onde voavas com o pássaro
Com aquele que se unia a si mesmo
E te fitava no voo e tu eras ele
Mais do que um cristal
Absolutamente límpido
Absolutamente lúdico
E tu, Sophia
Reconquistada
Teresa Bracinha Vieira
Janeiro 2019