MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL
11. O CULTO DE DIZER MAL DE NÓS
Há que expurgar determinada fatalidade, crítica ou indiferença resignada a que tantos portugueses se agarram, a que não é alheia uma auto-flagelação, miserabilismo e pessimismo de que se faz eco, entre nós, uma certa elite pensante detentora de domínio e prestígio sobre o grupo social, uma certa filosofia e imprensa portuguesa onde se faz o culto de tudo o que nos inferioriza, com um especial gosto tendencioso, tido como real (mesmo quando falso), de nos fazer sobressair com o que existe de pior na Europa omitindo, tantas vezes, o que temos de bom ou de melhor.
Com o recurso tão frequente, entre nós, ao país mais atrasado da Europa em tudo ou quase tudo, em último lugar em tudo o que é bom e em primeiro no que é mau, falseando intencionalmente ou por ignorância a verdade, quando a Europa é constituída por mais de quarenta países, generalizando-se (muitas vezes) a todo o continente europeu ou a toda a União Europeia o que se deveria generalizar, comparativamente e por confronto, e tão só, a todos ou alguns países da UE ou da Europa Ocidental.
Isto prova, quanto a nós, portugueses, que não é só o “ferrete” dos antigos emigrantes analfabetos, incultos e pobres que deu causa à aludida inferiorização.
Por exemplo, em termos europeus, e agarrando mais de perto o continente de que fazemos parte, integram a Europa os seguintes países: Islândia, Irlanda, Reino Unido, Portugal, Espanha, França, Luxemburgo, Bélgica, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estónia, Letónia, Lituânia, Bielorrússia, Ucrânia, Polónia, República Checa, Eslováquia, Hungria, Áustria, Suíça, Itália, Eslovénia, Croácia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Sérvia, Kosovo, Albânia, Grécia, República da Macedónia, Bulgária, Roménia, República Moldova, Chipre, Malta, bem como a Turquia, Azerbaijão e Cazaquistão (transcontinentais, com parte europeia e asiática, em paralelo com a Rússia), sem esquecer a Geórgia, Arménia (tido como um país político, social e culturalmente europeu), Andorra, Mónaco, Listenstaine, São Marinho e o Estado do Vaticano. Não será faltar impudentemente à verdade dizer-se (com assiduidade) que Portugal é o último, segundo, terceiro ou quarto país mais atrasado a nível europeu, quando os elementos conhecidos, em termos estatísticos, de estudo ou investigação, na maioria das áreas, contemplam apenas, e tantas vezes, oito, dez, quinze, vinte países (por vezes menos) num universo de mais de quatro dezenas de países? O mesmo relevando, com inerentes adaptações, em escala menor, a nível do total de membros da UE e do ocidente europeu.
Por maioria de razão se tivermos presente existirem duzentos países (por arredondamento) a nível global.
Permanece uma conceção eurocêntrica e imperial, em que o centro nuclear planetário, por excelência, continua a ser a Europa, em detrimento dos demais continentes, em maioria.
Há que excluir este culto doentio de um discurso catastrofista, interessado em só nos diminuir, apetecendo concluir que, a termos tanto queixume, por maioria de razão têm legitimidade para o ter a quase totalidade dos Outros, porque excluídos das sociedades 15% a 20% mais ricas e desenvolvidas do mundo onde, mesmo assim, nos incluímos.
Há que combater uma visão “egocêntrica negativa” de quem se acha pobre por se comparar apenas com os mais ricos, de um povo que regressou ao ponto de partida após longas viagens, findo o Império e superada (ou não) a depressão, à semelhança do que sucede, em maior ou menor grau, em antigas potências coloniais como a Inglaterra, França, Países Baixos e Espanha.
Trata-se de um estranho culto de dizer mal de nós próprios, essencialmente no nosso país, menorizando-o e menosprezando-o com qualificativos que vêm de longe, como a piolheira, a parvónia, a parvalheira, a espelunca e a choldra, sem qualquer fundamento sólido, como o provam a nossa história e marcas deixadas pelo mundo, e em contraste com a natureza privilegiada que os nossos emigrantes e o português em geral usufruem no estrangeiro.
O que não exclui uma crítica pedagógica e construtiva pela positiva, sempre e quando necessário, mesmo que em si não favorável, tomando como referência, por exemplo, países mais evoluídos e adequadamente proporcionais em dimensão, população e inovação, tendo-se como melhor pedagogia a análise que potencia o que há de melhor e não a que só sabe realçar o que está mal.
O que não nos impede de sonhar com outro país, sempre para melhor, sem azedumes, desancar por desancar e sem sermos facciosos.
Joaquim Miguel de Morgado Patrício
29.01.2019