CADA ROCA COM SEU FUSO…
DE REGRESSO DE LONDRES…
19 de fevereiro de 2019.
Venho de Londres, com os ouvidos cheios de argumentos racionais e irracionais, sobre o futuro que o Brexit reserva aos nossos amigos da Velha Albion.
Para já, percebi, entre tudo o que ouvi, que são mais as dúvidas do que quaisquer certezas. Mas em nome da coerência e da aprendizagem, posso, em traços muito gerais, expor-vos uma discussão que considerei algo absurda, em que o tema se tornou subitamente tão duvidoso sobre o que dizer ou fazer. E isto é tanto mais complexo e quase absurdo, que podemos estar um dia inteiro à procura de onde podem estar os interlocutores que procuram racionalizar o que pensam sobre tão inusitado tema. Comecemos pelo princípio. Entre os meus amigos, há representantes de todas as posições e atitudes. Mas posso dizer-vos que neste momento a atitude típica dos ilustres membros da Albion é não dizerem o que pensam, e pensar o que não dizem… Mas há mais, muitos dizem o que não pensam e pensam o que não dizem… Raros pensam o que dizem, e dizem o que pensam… Como costumava afirmar o meu velho Coronel Clifton, vive-se uma verdadeira trapalhada, plena de simulações e dissimulações. O mal foi o Senhor Cameron ter-se lançado de um avião em andamento sem paraquedas. O resultado foi aquele que a racionalidade impõe. O desastre aconteceu mesmo. Mesmo que ele, Cameron, a meio caminho, antes de se despenhar tenha dito “so far so good”. De nada lhe valeu esse derradeiro ato de fé. Descansa em Paz. Não houve retórica que salvasse a pura lógica a que Chesterton chamaria um figo. Mas vamos por partes. O não dizerem o que pensam, como John Bull, é natural. O pensar o que não dizem é uma consequência desse absurdo. Já o dizerem o que não pensam é uma atitude contra natura. Mas que dizer quando vivemos invadidos de fake news, como aliás já aconteceu com o famigerado referendo? E o pensar o que não dizem é algo que tem a ver com aquilo que um companheiro que se assemelhava a Mickey Rooney costumava dizer – “quando falta vontade e a indiferença prevalece, passa a valer tudo”. Uma notícia falsa mais não é do que fingir que é verdadeira, mesmo não o sendo. E esse companheiro antigo resumia tudo à filosofia do tanto se me dá. Acontece, porém, que essa indiferença não passa da seguinte consideração, só possível numa sociedade profundamente dividida – como ouvi num dos jardins de Oxford há poucos dias: se foram os velhos a votarem a saída, o que vai acontecer é que eles, por ordem natural das coisas, vão mais depressa para os cemitérios, e como aí deixam de votar, um tempo surgirá em que serão os jovens, que durarão mais tempo e que, portanto, terão de encontrar a solução prática para dar o dito por não dito. Eu sei que eles são muito pragmáticos em mudar acontecimentos. Resta, assim, esperar… O cinismo desta atitude não me convence, porém. Em bom rigor há quem não tenha tempo para essa espera. E isso obriga a apressar as coisas… Eis a encruzilhada do momento! Ninguém se entende. E a Albion vai-se tornando cada vez mais irrelevante. Eis onde isto parece ir parar. Por mim e agora, vou para o jardim, que é tempo de experiências florais – e aproveito para citar um poema de Fernando Echevarría, o inolvidável…
Vinham rosas na bruma florescidas
rodear no teu nome a sua ausência.
E a si se coroavam, e tingiam
a apenas sombra de sua transparência.
Coroavam-se a si. Ou no teu nome
a mágoa que vestiam madrugava
até que a bruma dissipasse o bosque
e ambos surgissem só lugar de mágoa.
Mágoa não de antes ou de depois. Presente
sempre atual de cada bruma ou rosa,
relativos ou não no espelho ausente.
E ausente só porque, se não repousa,
é nome rodopio que, na mente,
em bruma a brisa em que se aviva a rosa.
Fernando Echevarría, in “Poesia 1956-1979”
Agostinho de Morais