A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XLIV - Do Neocolonialismo e Imperialismo Linguístico
Alfredo Margarido, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses
Apreciação e Crítica (I)
Para Alfredo Margarido, no opúsculo “A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses”[1], o discurso lusófono procura recuperar uma parte da antiga hegemonia imperial portuguesa, pretendendo manter o colonialismo, atento o modo como o colonizado é incitado a alienar a sua autonomia para servir os interesses portugueses.
Após afirmar que parte significativa dos teóricos da portugalidade têm o idioma como o agente mais eficaz da unidade entre as pessoas e os territórios que ficaram marcados pela presença portuguesa, escreve:
“(…) os portugueses foram obrigados a renunciar à dominação política e económica, mas procuraram assegurar o controle da língua. O drama herói cómico provocado pelo acordo ortográfico luso-afro-brasileiro, deriva dessa inquietação: se a língua não for capaz de assegurar a perenidade da dominação colonial, os portugueses ficarão mais pequenos. A exacerbação da “lusofonia” assenta nesse estrume teórico, que, espera-se, virá a ser revisto, para considerar a importância da vontade do Outro” (ibidem, p. 57).
É a reedição de um comportamento colonial, a redescoberta da língua portuguesa como uma “força imperial”, que se impõe como língua homo-hegemónica, em que a lusofonia atua em nome da uniformidade, fixando a norma e anulando os dialetos, preparando o neocolonialismo, neste caso o português, dado que “A língua nasceu em Portugal e pertence aos portugueses. Não se consegue aceitar o princípio simples de que a língua pertence àqueles que a falam!” (ib., pp. 6, 7).
Rejeitando a auto-complacência ou os paternalismos, formas de colonialismos, apela a uma leitura crítica do passado, desde logo no que toca ao delírio das “descobertas”, como se o Outro só existisse por obra nossa, com a agravante de que ninguém pediu perdão aos africanos pela nossa participação no tráfico negreiro.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) é tida como uma comunidade utópica, “(…) como se bastasse a magia do enunciado para fazer dos colonialistas de ontem os arautos da igualdade racial de hoje” (ib., p. 25), tanto mais que a comunidade portuguesa aceita mal o modo como os antigos dominados, os “Outros”, rejeitam a violência da dominação.
Eis a razão desta obra: proceder ao inventário das feridas e das cicatrizes, sem “(…) ignorar que este inventário de torpezas nacionais me preocupa há já vários anos, e mais particularmente a partir do momento em que, nas antigas colónias, pude ver em ação a nossa especial maneira de “civilizar” (ib., p. 8).
Não se trata de um discurso lusófono eufórico, efusivo, nem de uma comovente e emocionante retórica, nem tinha que o ser.
Sem ser entusiasta, nem moderado, opta por um discurso cético e descrente.
Porque os portugueses não podem já ter devaneios ou quimeras imperiais, transferem para a língua essas veleidades e sentimentos.
Tido como um dos estudos críticos mais contundentes e emblemáticos sobre a lusofonia, não nos parece suficientemente convincente, como tentaremos fazê-lo sobressair em próximo texto.
26.02.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício
[1] Alfredo Margarido, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses, Edições Universitárias Lusófonas, Lisboa, 1.ª edição, Maio 2000.