Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
‘I have, or I think I have, my perfect work in my mind’s eye. To bring that work into reality or existence is another matter - there is always some small flaw. Some improvement to be made. And it is this seeking after quality that most interests me.’, Bob Law, 1977
Nos anos sessenta, Bob Law trabalhava entre vários pólos paradoxais - o cheio e o vazio; a imagem e o objeto; a plenitude e a incompletude.
As pinturas pretas, de Bob Law, desejam encontrar uma nova forma de perfeição na intenção e na execução da tela mas também tornar inteligível uma perfeição naquilo que o fruidor observa. São soma e subtração - várias camadas de cores (por exemplo vermelho, azul, roxo) são sobrepostas cuidadosamente e pacientemente debaixo do preto. São a marca, a existência e a sombra do ser humano no mundo. São unidades completas porque em simultâneo conseguem ser presença e negação, ausência e reflexão, expansão e contração. São irreproduzíveis e insubstituíveis, só existem como objeto físico que tem de ser visto como uma coisa real e palpável. Law acredita que uma pintura é capaz de mudar aquele que a vê, mas as pessoas não mudam as pinturas. Uma pintura é um objeto permanente. Segundo Law as pessoas que olham as pinturas são subjetivas e influenciáveis e as pinturas são elementos físicos permanentes e objetivos.
Em simultâneo, às pinturas pretas, Law fazia desenhos de margem preenchidos ou esvaziados. Os desenhos de campo metafísicos, feitos no final dos anos cinquenta, que gravavam a experiência de um corpo num lugar concreto (privilegiando a relação física com o mundo), constituem a origem das pinturas pretas.
Todas as pinturas têm o mesmo tamanho (168 x 176 cm), que corresponde ao tamanho de um corpo de braços esticados e abertos - e pretendem ser grandes o suficiente para serem periféricas quando vistas.
‘I remember Le Corbusier’s teachings really impressed me. When he designed his architecture, he said a room should be the height of a man with his arm raised above his head; and then he worked out a blue and red scale into the human form, a modular system dividing up proportions. I also came across it in Leonardo, and in Islamic art, where they work out the configuration of mandalas and domes on the human scale, beautifully.’, Bob Law, 1974
Cada pintura é feita com o objetivo de criar uma imagem única. Não há uma pintura igual à outra - as diferenças acontecem por causa da quantidade de cores sucessivamente aplicadas em camadas. A tinta pode ser colocada na totalidade da superfície, só numa área central ou só nas margens da tela. Cada pintura é irrepetível e é feita, no mínimo de nove ou dez camadas de tinta (o título de cada uma revela as cores usadas).
‘They’re black or blackish, because that’s the pigment which works. It makes a big pool, it sucks the light in rather than out, and you can’t quite focus on the pigmentation because the eye is trying to find the right wavelength, the pupil oscillates in its attempt to get the right colour vibration. It can’t quite make it, and so you get this hovering hole. I have done pink paintings, green paintings, almost every colour; but I found the most successful to be in the longer wavelengths - blues and violets.’, Bob Law, 1974
A tinta deve ser distribuída uniformemente e secar sem falhas num longo processo de espera - apenas uma pintura em oito tem sucesso. Cada camada, assim que colocada, leva dois dias a secar. Este processo técnico de grande perícia, envolve longos períodos de contemplação - Bob Law concentrava toda a sua atenção a ver a pintura. Assim que terminada, a tela, é posta de parte de maneira a permitir um novo recomeço - a nova tela transporta, por isso, somente, através da memória do sujeito, a experiência do trabalho anterior.
‘The work becomes a very serious trial and examination process in which the artist is solely responsible to himself for the quality and conviction of the work.’, Bob Law, July 1977
1. Foi uma verdadeira revolução copernicana. Com Copérnico, ficámos a saber que não é o Sol que gira à volta da Terra, é a Terra que gira à volta do Sol. Com a Cimeira no Vaticano, de 21 a 24 de Fevereiro passado, para se tomar consciência da monstruosidade da pedofilia na Igreja e pôr-lhe termo, convocada, num gesto inédito, corajoso e histórico, que se impunha, do Papa Francisco, ficámos a saber que, de agora em diante, o centro não continuará a ser ocupado pela Igreja enquanto instituição, mas pelas vítimas, que serão defendidas com toda a seriedade.
No encerramento, perante os 190 participantes, entre os quais 114 Presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo, membros da Cúria, superiores e superioras gerais de ordens e congregações religiosas, peritos e alguns leigos, Francisco, num discurso histórico, muito bem elaborado e com dados arrepiantes sobre o abuso físico e psicológico de menores e adultos vulneráveis não só dentro da Igreja mas transversalmente na sociedade global, incluindo as famílias e outras instituições (nesta abrangência, as vítimas são muitos milhões), comprometeu-se a que a Igreja “não se cansará de fazer tudo o que é necessário para levar à justiça seja quem for que tenha cometido abusos de tipo sexual” e que nunca “tentará encobrir ou subestimar nenhum caso”.
Perante o horror da pedofilia, afirmou que ela lhe fazia lembrar “a prática religiosa cruel, difundida no passado em algumas culturas, de oferecer seres humanos (muitas vezes crianças) como sacrifício às divindades nos ritos pagãos”. Perante a “monstruosidade da pedofilia” na Igreja, assegurou: “Quero reafirmar com clareza: se na Igreja se descobrir nem que seja um único caso (que representa em si mesmo uma monstruosidade), esse caso será enfrentado com a máxima seriedade”. Prova inequívoca disso foi, ainda antes da Cimeira, a redução ao estado laical do ex-cardeal norte-americano Theodore McCarrick, e, depois, no passado dia 26, a sanção imposta ao cardeal australiano George Pell, a terceira figura do topo da Igreja, ex-superministro das finanças do Vaticano, condenado por abuso sexual de menores: enquanto decorre o recurso nos tribunais, está suspenso e impedido de contactar, seja de que modo for, com menores.
2. No discurso de encerramento, Francisco deixou oito directivas para o futuro, de que deixo aí uma síntese:
2.1. A protecção dos menores. “O objectivo principal de qualquer medida é proteger os menores e impedir que sejam vítimas de qualquer abuso psicológico e físico”. Assim, é preciso mudar a mentalidade, para “combater a atitude defensivo-reactiva de salvaguardar a instituição, dando prioridade às vítimas dos abusos em todos os sentidos”. Ouvir o Mestre Jesus: “Ai de quem escandalizar um destes pequenos. Mais lhe valeria que lhe atassem a mó de um moinho ao pescoço e o lançassem ao fundo do mar.”
2.2. Seriedade impecável. “Desejo reiterar agora que a Igreja não se cansará de fazer tudo o que for necessário para levar à justiça seja quem for que tenha cometido estes crimes. A Igreja nunca tentará encobrir ou subestimar nenhum caso.”
2.3. Uma verdadeira purificação. Os pastores (bispos, padres...) devem empenhar-se renovadamente no seu compromisso de santidade, “cuja configuração com Cristo Bom Pastor é um direito do Povo de Deus”. A Igreja perguntar-se-á “como proteger os menores, como evitar essas desgraças, como tratar e reintegrar as vítimas, como fortalecer a formação nos seminários. Procurar-se-á transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar este flagelo não só do corpo da Igreja mas também da sociedade.”
2.4. A formação do clero. “A exigência da selecção e da formação dos candidatos ao sacerdócio, com critérios não só negativos, preocupados principalmente com excluir as pessoas problemáticas, mas também positivos, para oferecer um caminho de formação equilibrado aos candidatos idóneos, orientado para a santidade e no qual se contemple a virtude da castidade.”
Note-se que, em propostas anteriores, Francisco já tinha exigido “avaliação psicológica dos candidatos através de peritos credenciados”.
2.5. Reforçar e verificar as directrizes das Conferências Episcopais. Isto, para que se perceba que há “a exigência da unidade dos bispos na aplicação de parâmetros que tenham valor de normas e não só de orientação”. Explicitando: as normas são para aplicar universalmente em toda a Igreja, sem os subterfúgios da sua aplicação segundo as culturas.
2.6. Acompanhar as pessoas abusadas. “O mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam em rancor e tendência para a autodestruição. Portanto, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se de peritos nesta matéria. Escutar, deixai-me dizer ‘perder tempo’ a escutar.”
2.7. O mundo digital. “A protecção dos menores deve ter em conta as novas formas de abuso sexual”, através das novas tecnologias. “É preciso animar os países e as autoridades a aplicar todas as medidas necessárias para limitar os sítios da internet que ameaçam a dignidade da pessoa humana, do homem, da mulher e, de modo particular, dos menores: o delito não goza do direito à liberdade”. E lembra novas normas “sobre os delitos mais graves” aprovadas pelo Papa Bento XVI em 2010, onde foram acrescentados como novos casos de delitos “a aquisição, a retenção ou divulgação” realizada por um clérigo, “em qualquer forma e com qualquer tipo de meio, de imagens pornográficas de menores”.
2.8. O turismo sexual. “A conduta, o olhar, a atitude dos discípulos e dos servidores de Jesus há-de saber reconhecer a imagem de Deus em cada criatura humana, a começar pelos mais inocentes”. “As autoridades governamentais devem dar prioridade e agir com urgência para combater o tráfico e a exploração económica dos menores.”
3. Houve analistas e vítimas que protestaram, clamando que, afinal, segundo a expressão corrente, a montanha pariu um rato.
Embora os compreenda, não têm razão. Esquecem que se trata de directivas. As normas, a dar-lhes conteúdo, com opções e acções concretas e eficazes, virão em breve. De facto, tem de haver um “antes” e um “depois” desta Cimeira. Caso contrário, isto é, se, como se comprometeu o Papa Francisco, “não voltar a ser absolutamente credível e digna de confiança”, a Igreja caminhará, concretamente no Ocidente, para a sua autodestruição.
P.S.: Foi a sepultar, no passado dia 23, Frei Bernardo Domingues. Pude ver, no funeral, várias centenas de pessoas e muitas lágrimas sentidas. Afinal, também há padres que se dedicam generosamente aos outros, apoiando muitas vidas e iluminando caminhos.
Por mim, gostava de deixar um testemunho pessoal. Se não estou enganado, foi em 1972. Eu era um jovem professor no ISET (Instituto Superior de Estudos Teológicos), Porto, de que ele era o Director. Também regia uma cadeira de “Humanismo ateu e humanismo cristão”. E houve um Bispo que me foi acusar de herético... Frei Bernardo disse-lhe: “Senhor Bispo, primeiro mande-nos por escrito as heresias dele. Depois, vamos analisar se são heresias ou não. Só então podemos tirar as consequências”. O Bispo não escreveu.
Fica aqui a minha sentida homenagem a um homem bom e intelectualmente honesto e livre.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado o no DN | 3 MAR 2019