A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XLV - Do Neocolonialismo e Imperialismo Linguístico
Alfredo Margarido, A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses
Apreciação e Crítica (II)
Recapitulando, no essencial e na opinião de Alfredo Margarido, extinto o império, Portugal transferiu para a língua, que tem como sua, um sentimento imperial, reforçado pela lusofonia, tratando-se então de defender que a língua portuguesa tem de ser preservada a todo o custo, porque é essa a sua essência.
Salvo o devido respeito, trata-se de uma visão maniqueísta em que os portugueses são sempre os maus da fita.
Não se vê o porquê em falar-se em “língua do colonizador”, “língua imperial” ou “força imperial”, uma vez já não existir o pretenso colonizador, tendo-se perdido a guerra e o império, com a subsequente descolonização e expulsão; mas também por a língua pertencer a quem a fala, pelo que a língua portuguesa pertence, em primeiro lugar, a todos os seus falantes em igualdade de partilha e uso, à semelhança do que defende o ensaísta, e com quem, a este propósito, concordamos.
Nem se antevê que Portugal tenha atualmente potencial suficiente para se impor como “força imperial”, mesmo através da língua, apesar de ser a língua portuguesa (ou será tão só por “portuguesa” se tratar?). Se são tantos aqueles, incluindo africanos, que aceitam que Portugal não arquitetou nenhum plano nem delineou qualquer estratégia do tipo neocolonial para continuar nas ex-colónias, facilmente se conclui que a lusofonia, nesta perspetiva, não é estratégia de neocolonialismo.
Alfredo Margarido esquece o óbvio: que a lusofonia será, de momento, aquilo que o Brasil entender que deve ser. O resto será encenação e retórica.
Por que não falar do Brasil, no pressuposto de que o presente e o futuro da lusofonia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) será, no essencial, aquilo que quiser e vier a ser esse país, com caraterísticas continentais e de potência emergente? Será que pelo facto de já ter sido colónia se lhe não pode aplicar tal raciocínio?
Nem a outras ex-colónias que venham a ter potencialidades para se afirmarem e concorrerem com a ex-metrópole, como Angola?
Tanto mais que existe uma ex-colónia inglesa que se impôs à ex-potência colonizadora, os Estados Unidos, com a agravante de que a debilidade portuguesa, por confronto com a hegemonia francesa e inglesa, pode abrir relacionamentos pós-coloniais mais democráticos.
E agora, quem coloniza quem? Os antigos impérios coloniais europeus, tidos por muitos, no presente, como neocolonialistas, ou algumas das ex-colónias, umas já emergentes e outras em ascensão?
Em especial no que toca aos países africanos, foram eles que viram no português um instrumento de emancipação, progresso, de identidade e unidade, adequação aos tempos atuais e novas tecnologias, e não uma forma de exclusão. A sua adoção foi um ato de soberania desses países e de Timor-Leste.
Sugestivo é o exemplo angolano, onde após a independência o português era uma segunda língua para a maioria populacional, materna para parte significativa da população urbana, dando-se prioridade às línguas nacionais como reivindicação de afirmação identitária, falhando o objetivo de introdução dos idiomas nativos no ensino.
Reconhecendo a realidade, um estudo do escritor Pepetela defendeu, em 1985, a tese da nacionalização da língua portuguesa, reclamando uma evolução autónoma em relação ao português de Portugal. Tal tese, inicialmente polémica, uma vez a fala do colonizador não poder ter a mesma dignidade e estatuto dos idiomas nacionais, foi torneada via eufemismo da “língua veicular”. De idioma nacional e materno para parte dos angolanos, a idioma de comunicação entre todos os habitantes é, na atualidade, língua oficial do Estado e de ensino, por opção dos angolanos.
Amílcar Cabral, referindo-se aos colonialistas portugueses, reconheceu que a língua portuguesa foi uma das coisas boas que os tugas deixaram em África.
Nem o tráfico negreiro foi de exclusiva responsabilidade portuguesa, sendo conhecido e praticado pelos próprios africanos aquando da chegada dos europeus, por muito politicamente incorreto que seja lembrá-lo.
E se tudo aponta para tentativas neocolonialistas, também é verdade que há quem contra-argumente, por mera defensiva, que os países lusófonos e da CPLP mais pobres só se interessam por tais realidades na medida em que as instrumentalizem em seu benefício.
É urgente superar complexos e desconfianças de que tudo o que vem do ex-colonizador é mau.
Também à custa de se querer não ser paternalista (ou neocolonialista), acabam por não se desenvolver projetos interessantes, caindo-se na retórica do vazio.
Além de que a crítica da suposta superioridade do português europeu, esquece que o futuro da futura globalização do nosso idioma será protagonizada de fora da Europa, no essencial a partir do Brasil e de África.
Num certo sentido, o fim do colonialismo transformou os antigos colonizadores em territórios “colonizados” pelas antigas possessões, sendo estas uma certa continuidade daqueles e algumas delas as novas potências do futuro.
Perspetivar a lusofonia apenas em termos redutores de neocolonialismo do ex-colonizador, ou de ideologias radicais, revela ausência de pragmatismo, desprezando um factor de imagem de união internacional, em favor de interesses de terceiros, também baseados num mesmo conceito linguístico-estratégico (como a anglofonia, francofonia, espanofonia, germanofonia).
05.03.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício