Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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‘Pelas extensas imediações do corpo um calor circunvagueia.’ Luiza Neto Jorge
Na obra de Rebecca Horn (1944), no final da década de 1960 e no início dos anos 70, encontram-se estudos experimentais ligados sobretudo ao corpo. Horn utiliza próteses sobredimensionadas, como modo de extensão das extremidades do corpo - como por exemplo se pode ver em Bleistiftmaske (1972), Handschuhfinger (1972), Kopf-Extension (1972).
O corpo é visto, por Horn, como um objecto de comunicação, frágil e confinado. As extensões fazem e desfazem o corpo. Por um lado, Horn deseja uma qualquer transformação, uma metamorfose para um melhor entendimento do vasto mundo que a rodeia, e de um mais próximo encontro com o outro. As extensões e encaixes, possivelmente, tentam corrigir a incerteza subjectiva, as incapacidades físicas e a incompletude humana. Podem ter também a capacidade de ser máscaras, e assim possibilitar uma outra experiencia de ser e de estar. Têm igualmente a qualidade de testar e de sentir o espaço circunstancial numa outra totalidade dimensional.
Por outro lado, as próteses (sempre apresentadas sob a forma de performances, regidas por instruções muito precisas, em ambientes específicos e em situações únicas) servem para testar os limites e as capacidades do corpo - que é muito mais completo do que se pensa ou se deseja. Porque, porventura, as próteses podem tornar-se numa outra prisão, numa ainda mais acentuada limitação do corpo para a qual é preciso uma adequada adaptação, um conhecimento próprio e uma destreza específica. O acrescentamento das extremidades e a restrição da percepção sensorial pode criar assim silêncios, vácuos, equívocos, distâncias e isolamentos. As extensões criam a desprotecção e o descontrolo das acções do corpo. Aceleram o encontro com o remoto, com o inacabado, com o imperfeito, com o artificial, com o inventado e com o remediado.
Sendo assim, as performances com próteses de Rebecca Horn têm uma amplitude dual porque trazem a possibilidade do corpo se sentir completo e uno (numa pluralidade) mas também incompleto e fragmentado.
Um corpo rodou no calcanhar:
suave ronda ao procurar a mais eterna acção de estar.’ Luiza Neto Jorge
1. Hoje, dia 8 de Março, é o Dia Internacional da Mulher. Mas dias da mulher são todos. Da mulher e do homem. Porque só com homens e mulheres, iguais e diferentes, há humanidade e futuro. Diferentes, mas com dignidade e direitos iguais. Só porque ainda se não reconhece ou, pelo menos, não suficientemente, essa igualdade de dignidade e direitos, é que é necessário haver o Dia da Mulher.
Também na Igreja, não existe, desgraçadamente, esse reconhecimento. O próprio Papa Francisco, recentemente, depois de declarar que o preocupa que continue a persistir “uma certa mentalidade machista, inclusive nas sociedades mais avançadas, nas quais há actos de violência contra a mulher, convertendo-a em objecto de maus tratos, de tráfico e de lucro” (pergunto: saberá ele que em Portugal neste ano de 2019 já houve 12 mulheres assassinadas em contexto de violência doméstica?), disse: “Preocupa-me igualmente que, na própria Igreja, o papel de serviço a que todo o cristão está chamado deslize algumas vezes, no caso da mulher, para papéis que são mais de servidão do que de verdadeiro serviço.”
A gente pasma ao constatar que esta situação de subalternização e exploração continue, pois Jesus manifestou claramente a igualdade. Contra o que se via e praticava no seu tempo, teve, com escândalo de muitos, discípulos e discípulas — pense-se nos amigos íntimos Lázaro, Marta e Maria; pense-se na samaritana, a quem, apesar de estrangeira, herética, pecadora, se revelou como o Messias; pense-se em Maria Madalena, por quem teve uma predilecção especial e que, após a crucifixão, foi a primeira a fazer a experiência avassaladora de fé de que o Jesus crucificado está vivo em Deus e voltou a reunir os discípulos para que fossem anunciar a Boa Nova do Evangelho, de tal modo que até Santo Agostinho a chamará “Apóstola dos Apóstolos”...
Foi através de Jesus que veio ao mundo a ideia e a realidade da dignidade da pessoa e de que todos têm a dignidade de pessoa, com direitos divinos, respeitados pelo próprio Deus, que é Pai e Mãe de todos. Nesta consciência, São Paulo escreverá aos Gálatas: “Em Cristo, já não há homem nem mulher, judeu ou grego, escravo ou livre”. E na Carta aos Romanos menciona Júnia, “ilustre entre os Apóstolos”.
2. Também na Igreja, as mulheres estão em processo de emancipação e querem e lutam por libertação, contra a opressão. Teve imensa repercussão há uns meses aquela reportagem do suplemento feminino “Mulheres, Igreja, Mundo” do Osservatore Romano, diário oficioso do Vaticano, de que aqui me fiz eco, na qual várias freiras se queixavam e denunciavam situações de exploração laboral e subalternização por parte de cardeais, bispos e padres: “as irmãs não têm horário”, “o pagamento é baixo ou nenhum” e “raramente são convidadas a sentar-se à mesa de quem servem”. Simples criadas.
E houve agora um grito de alarme da União Internacional das Superioras Gerais, que representa mais de meio milhão de religiosas, exprimindo a sua “profunda tristeza e indignação pelas formas de abuso que prevalecem na Igreja”. O próprio Papa, no voo de regresso da sua viagem histórica aos Emirados Árabes Unidos, admitiu abusos sexuais e de poder contra as religiosas dentro da Igreja, reconhecendo que vêm de longe: “É verdade. Dentro da Igreja houve sacerdotes e bispos que fizeram isso. E julgo que ainda se faz. Há já algum tempo que estamos a trabalhar nisto. Suspendemos alguns clérigos... É preciso fazer mais? Temos vontade? Sim, Mas é um caminho que vem de longe.” Lucetta Scaraffia, a jornalista que dirige o já citado suplemento do Osservatore Romano, denunciou que realmente existem “muitos casos” de abusos laborais e sexuais que freiras sofreram por parte dos superiores: “É um problema muito grave, não só porque se trata de religiosas, mas porque à violência muitas vezes segue-se o aborto.”
Neste contexto, a teóloga Marinella Perroni, sublinhando o esforço que muitas religiosas fazem para que “a Igreja se transforme em expressão de liberdade feminina e não de marginalização e subordinação”, confessa: “A condição das mulheres dentro da Igreja reflecte a condição das mulheres na sociedade civil.”
A Igreja é constituída por homens e mulheres. Por isso, as mulheres não podem continuar marginalizadas, como se viu ainda recentemente de modo escandaloso no Sínodo sobre os jovens. Por um lado, o documento final pede uma maior “presença feminina nos órgãos eclesiais em todos os níveis”. Mas, por outro, facto é que nenhuma das 30 mulheres que participaram nos trabalhos sinodais teve direito a votar. Houve uma petição online para que o pudessem fazer, e em poucos dias recebeu mais de 7000 assinaturas. Mas, respondendo às críticas, o bispo holandês Everardus Johannes de Jong declarou: “Penso que a presença das mulheres é clara, escutamo-las. Mas Jesus escolheu homens como apóstolos.”
Fica a pergunta: e se as mulheres fizessem greve na Igreja?
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado o no DN | 8 MAR 2019