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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

AVENTURAS E DESVENTURAS LONDRINAS…
14 de março de 2019


 

Esta semana segui atentamente as transmissões televisivas das sessões da Câmara dos Comuns. E sofri alguma coisa. É verdade que já não dá para ter muitas surpresas, mas tenho uma legítima angústia sobre o futuro da relação europeia com a Velha Albion. No entanto, todos os dias recebo mensagens de amigos ingleses, manifestando-me o mesmo sentimento: “Ils sont fous ces  Bretons”, como me dizia um admirador confesso de Astérix, na sua personalidade resistente. Mas é desgostante ver como o Brexit se tornou um motivo de chacota geral. O velho Gladstone revira-se no túmulo ao ver os irlandeses baterem garbosamente o pé aos britânicos. E quem hoje visita Belfast julga estar em Dublin perante a profusão de bandeiras republicanas nas janelas da cidade. Nesta trapalhada, o Reino Unido arrisca-se a ficar amputado de toda a ilha do Eire. Ainda tenho esperança que haja bom senso. E depois, é preciso ver que farão os Escoceses. A procissão ainda vai muito no adro. Já citei aqui o que dizem os estudantes de Oxford e de Cambridge – os velhos que votaram vão morrer primeiro que nós… Para bom entendedor, meia palavra basta. A ilusão do Império de antanho não responde aos problemas atuais. Há quem ainda não tenha percebido que a Rainha Vitória já não está entre nós… Grandes empresas financeiras anunciam a saída.

 

A Agência Financeira Europeia já está em Paris. E, a pouco e pouco, vai havendo mais saídas importantes. Os japoneses da Nissan também se põem ao fresco. A Holanda está a ter um número importante de registos de empresas vindas da City. E, pasme-se, o Senhor Farage pediu a nacionalidade alemã. Será que também deseja pôr-se ao fresco. Ou será que quer seguir o destino dos velho “Mini”, que foi já nacionalizado pelos alemães. Tanta e tão trágica ironia… Custa a crer… Para já, a Senhora May acumula derrotas parlamentares. É facto que tem pele dura de réptil, mas isso não basta. Que lugar lhe reservará a História? Em suma, os ingleses vão ter votar para o Parlamento Europeu, o adiamento da saída aí está. E quem conhece razoavelmente a História dos Povos Britânicos, sabe bem que estamos a assistir a uma regressão muito suspeita e tremenda. Se o fantasma do Grand Old Man se debate na maior das angustias – também os fantasmas de Thomas Morus, Walter Raleigh, Shakespeare, Disraeli e mesmo Churchill andam todos na maior das confusões. Chesterton dizia que os fantasmas dos castelos ingleses tinham morrido quando morreram aqueles que neles acreditavam… A afirmação era do passado. Tudo mudou, porém. Os fantasmas regressaram todos, cada vez mais agressivos e assustadores…  O meu amigo Coronel Clifton anda desolado.

 

Somos solidários quanto ao futuro dos nossos queridos MG. O dele é um TF roadster de 1954… Pelo menos o adiamento do Brexit significa que continuamos a ter as peças dos nossos vetustos automóveis sem direitos por mais algum tempo…

 

Para vosso deleite deixo-vos outro retrato do meu querido Clifton, na minha coleção de Histórias de Quadradinhos…

 

Agostinho de Morais

 

ALMEIDA GARRETT

 

O narrador anuncia: De como o autor deste erudito livro se resolveu a viajar na sua terra, depois de ter viajado no seu quarto; e como resolveu imortalizar-se escrevendo estas suas viagens. Parte para Santarém. Chega ao terreiro do Paço, embarca no vapor de Vila Nova; e o que aí lhe sucede.

 

“Há em todo este enredo um claro simbolismo político e social: o emigrado é filho do frade, como o Portugal revolucionário é filho do Portugal clerical; e só por acidente aquele não assassina o pai, como o novo Portugal liquidara pela base o Portugal antigo.” Esta uma das opiniões criticas que li acerca das “Viagens na minha terra”.

 

“Viagens” fazem referência a uma série de reflexões políticas, históricas, filosóficas e existenciais que o autor-narrador trabalha no texto e a viagem, diga-se, é interpretada como busca do conhecimento: assim, pode-se dizer, que a literatura de viagem não é apenas encontrar e conquistar pelo saber do sentir, novos territórios, mas, conhecendo outros povos e culturas refletir de um novo angulo sobre o nosso próprio eu.

 

E quando pego nesta edição de 1857 da Imprensa Nacional, leio, a dada altura, as palavras deste magnífico Garrett:

 

Comêmos, conversámos (vieram visitas, falou-se de politica, falou-se litteratura, falou-se de Santarem sobretudo, das suas ruinas, da sua grandeza antiga, da sua desgraça presente. Emfim, fomo´-nos deitar.

 

(…) Nunca dormi tam regalado somno em minha vida (…).Saltei da cama no outro dia (…) recordações de todos os tempos, pensamentos de todo o género me afluíam ao espirito, e me tinham como n’um sonho em que as imagens mais discordantes e disparatadas se sucedem umas ás outras. Mas eram todas melancholicas, todas de saudade, nenhuma de esperança!...

 

Lembraram-me aquelles versos de Goeth (…)

Vêem os primeiros símplices amores

(…) Dos labyrinthos da perdida vida;

(…) Em horas bellas por fallaz ventura

Antes de mim na estrada se sumiram.

 

É tão evidente neste livro que cada geração, pelo facto de ter nascido no interior de uma continuidade histórica, beneficia e carrega fardos anteriores, reordena ideias, sentires e tempos para, no pensamento e na ação, renovar mundo, aquele mesmo mundo que já lá existia antes do livro e que ele deixará a todos os que o lerem. Ficará o mundo deste livro, viajado também, no quarto de múltiplas estradas, por onde erradamente nos sentimos em excesso culpados e em excesso livres de culpa, quando nem o amor é inocente durante a viagem.

 

Cada peça da engrenagem deste livro é o mesmo que dizer que cada pessoa é um quadro de referência distinto, é um grau de participação no nosso processo interior, respondendo perante o nosso tribunal para que este interprete o que se deve entender, nomeadamente, nas palavras de Garrett por

 

o pouco da noite que lhe restava passou-se (…) combateu-se larga e encarniçadamente – como entre irmãos que se odeiam de todo o odio que já foi amor – o mais cruel odio que tem a natureza!”

 

Depois, depois, proponho que o critério do nosso juízo seja o mundo, isto é, que da janela do quarto de cada um, se olhe para a rua. Permitam então que sugira que deste modo se releia o livro e se faça a viagem. Que se espreite a linguagem a viver ao lado de nós com muitas razões a serem aferidas contra as probabilidades a que estamos habituados, e talvez nos chegue de outra viagem, com a qual nascemos, o entender de parte da Carta de Carlos a Joaninha no Capítulo XLVII (SEGUNDO DAS VIAGENS)

 

Tambem deve ser assim a morte: um descanso apathico e nullo depois de inexplicável padecer.

 

(…) E já não pensava em ti, já te não via na minha alma: eu não existia, estava alli.

 

A militância ideológica de Garrett não é descurada nunca neste livro, ela é uma fonte de informação sobre os sinais de vida do seu tempo e das suas opções, agregada sempre ao fogo intenso e intimo dos amores.

 

Teresa Bracinha Vieira