CRÓNICAS PLURICULTURAIS
24. O IMATERIAL
Diz o povo que há três coisas que não se veem: o vento, a dor e o pensamento.
Há também o ar, o falar, a inteligência, a música, a eletrónica.
O vento, a dor e a música sentem-se.
O ar, o falar, a inteligência, o pensamento e a eletrónica não se sentem.
Há o que se não vê e se sente.
Há o que se sente e se não vê.
E o que não se pensa.
Por exemplo, a morte, em rigor, não é pensável.
É uma ausência que não pode ser dita.
Não a conhecemos.
Mas o vento, a dor, o pensamento, o ar, o falar e a música são pensáveis, mesmo que não visíveis, podendo ser audíveis, sentidas, ditas ou só percecionadas mentalmente.
Não têm peso nem ocupam espaço, ao arrepio da matéria e das leis da física.
Nenhuma se vê, tem peso e ocupa espaço.
São impalpáveis, incorpóreas, intocáveis, intangíveis, insubstanciais.
Não se agarram, fogem ao determinismo.
São imateriais.
E livres, essencialmente livres.
Um grito de liberdade na sua não materialidade.
Se não há machado que corte a raiz ao pensamento, porque é livre como o vento, porque é livre, de igual modo não há arma que corte ou mate a raiz ao ar, ao falar, à música, ao vento, à dor, à inteligência, à mente, razão e sabedoria, porque são livres como o pensamento.
Imateriais e livres.
Irmãos gémeos da liberdade.
12.03.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício