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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

 

 

16. TEIXEIRA DE PASCOAES

 

O futuro de Portugal, em Teixeira de Pascoaes, centra-se no seu passado.

 

A intenção nacionalista de Pascoaes é operar a reconversão do espírito decadente português num espírito glorioso e vencedor, exemplar para os restantes povos europeus, dignificando, deste modo, a imagem de Portugal sobre si próprio, contrariando a imagem de exterior à margem do progresso e de inferiorização que a consciência nacional tinha de si própria.

 

Embora não conteste a noção de decadência, deslocaliza o ponto de focagem, deslocalização essa em função da qual ganha um outro sentido a construção dessa imagem. Os descobrimentos deixam de ser vistos, como até aí,  exemplo do único, verdadeiro e real apogeu de Portugal, para serem tidos como mero sinal material, visível, da que será, de facto, a verdadeira aventura de Portugal: a aventura espiritual. Em A Era Lusíada, escreve: “Sim a alma lusitana tem de completar a sua obra iniciada com as Descobertas. (…) Ela precisa, enfim, de concluir espiritualmente o que materialmente iniciou, porque a vida corpórea é o meio, mas a vida espiritual é o fim”.

 

Reconhece ao povo português duas grandes qualidades: o Génio Aventureiro e o Temperamento Messiânico. No tempo em que o poder de aventura se media em função do território conquistado, Portugal cumpria a sua missão dando “novos mundos ao mundo”. Agora, de novo o génio aventureiro, mas em sentido espiritual, se tornava o motor da evolução humana, e novamente Portugal poderia dar “novos mundos ao mundo”. Portugal mantivera sempre as mesmas qualidades no decurso da sua existência, pelo que o seu caráter saudoso, que o leva à aventura, teria sido sempre o mesmo ao longo dos tempos. Simplesmente, o que cada época exige aos homens e às nações é que é diferente. E quando se trata de Aventura, material ou espiritual, Portugal tem sempre o poder de guia. Daí que a “Nova Era” fosse, por direito natural, lusíada. Daí que quisesse transformar a Saudade, tida como aventura espiritual, em motor de ressurgimento pátrio e, até, universal, ou seja, uma nova forma de civilização, a civilização lusitana da Saudade.

 

Sendo a Saudade a própria fisionomia da raça, o perfil inconfundível do povo português, quanto mais português e mais saudoso se for, mais universal se será, assentando a Nova Era Lusíada (em que de novo Portugal será guia da humanidade, mas em termos espirituais), numa conjugação entre nacionalismo e universalismo.

 

Com as suas “Epístolas aos Saudosistas”, publicadas na revista A Águia, em 1913, António Sérgio viria a inaugurar uma polémica célebre com Pascoaes, ao perguntar: “Quem é que vive principalmente da saudade? Os velhos, e os desgraçados a quem a morte levou uma pessoa muito querida. Ora, em ambos os casos se nota, acompanhando sempre a saudade, o horror do novo, o ódio ao movimento, um protesto contra a lei da mobilidade e do devir. Para o velho só merecem estimação as coisas do seu tempo - a juventude do seu tempo, os costumes do seu tempo, as cantoras do seu tempo. Toda a variação foi uma queda, e todo o mobilismo o indispõe”.  

 

Na sua resposta Pascoaes irá replicar que Sérgio erra ao pensar assim, “quando afirma que a Saudade é retrógada e paralítica… Não resulta ela da combinação ativa e amorosa dos dois princípios da Vida? (…) Sim: a Saudade é a grande criadora do Futuro, mas não tira o Futuro do Nada, não consegue um Futuro de geração espontânea ou caído miraculosamente das estrelas. Ela constrói o Futuro com a matéria do Passado…”, elegendo, em Portugal, como primeiro poeta da Saudade, o Povo.

 

Em relação à Europa Pascoais pretende preservar a especificidade no convívio com as demais nações europeias, onde levará a cabo a sua missão providencial: “É muito possível que os povos cultos da Europa, a certa altura do seu avanço vertiginoso e científico, descansem um pouco e volvam os olhos para nós. Pois toda a sua vida se resume em duas palavras: ciência e indústria….Vida é a atividade, mas, antes de tudo, atividade de alma…” (O Paroxismo, em A Águia, Porto, 2.ª série, vol. V, n.º 30, junho, 1914, pp. 166-168). 

 

Portugal é, porque existe uma alma autenticamente portuguesa e incontestavelmente lusitana, procurando curar o “corpo doente” pela reabilitação da sua alma, assim se aproximando e afastando da Geração de 70. Aproxima-se pela consciência de crise e pela procura de soluções para normalizar o país na sua grandeza ideal; afasta-se porque enquanto aquela, voltando os olhos para o exterior, pretendia europeizar Portugal em termos civilizacionais, já Pascoais ao impor Portugal como nação o fazia perder qualquer complexo de inferioridade em relação à Europa (em paralelo com outros, como Agostinho da Silva). 

 

Não se pense que este providencialismo, misticismo ou messianismo, esta atração pela invenção de um país imaginário que possa eximir-se à futilidade do país real não tenha tido seguidores.

 

Teve-os, como o confirma o mentor do agrupamento musical mais internacional de todos os tempos da música portuguesa, Pedro Ayres Magalhães, dos Madredeus, ao afirmar: “Não há nenhum escritor da portugalidade - exceto Teixeira de Pascoes - que tenha documentado a ligação terra-espírito, que foi sempre o nosso grande trunfo. O Pessoa tem a desculpa de ter vivido sempre fechado em casa. É evidente que ele é o vate de uma grande metade da alma portuguesa - mas fica-se por aí”.    

 

 

30.04.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício