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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÉLEBRE ABADE DE PRISCOS
14 de maio de 2019

 

 

Há dias, passei por Priscos, no município de Braga, e pensei com os meus botões que partilharia com os meus leitores algumas notas curiosas, sobre uma localidade, sobretudo conhecida por um magnífico pudim… Falo-vos assim hoje de Manuel Joaquim Machado Rebelo, o célebre Abade de Priscos, nascido a 29 de março de 1834,  em Turiz no concelho de Vila Verde e falecido a 24 de setembro de 1930 em Vila Verde, com fama já alcançada. O clérigo Machado Rebelo foi abade e gastrónomo, destacando-se pelas suas receitas de culinária, especialmente a do Pudim celebrizado com a designação inconfundível de Abade de Priscos. Foi pároco da freguesia de Priscos em Braga, que eu bem conheço, e que é um lugar muito aprazível, cheio de tradições e boa qualidade de vida. Exerceu funções  durante 47 anos, e foi lá que desenvolveu a sua inclinação culinária. Sendo amador na arte de bem cozinhar foi, segundo quantos o conheceram, "um homem de grande paladar". Além desse bom gosto, tinha também um excelente sentido de humor, que não deixarei de recordar aqui. Foi amigo do Arcebispo de Braga D. Manuel Baptista da Costa. Ora, tendo este conhecimento das suas capacidades culinárias, sempre que alguém de relevo visitasse a cidade convidava o Abade para orientar a cozinha e o menu. Foi tal facto que lhe deu grande fama nacional, vindo, por isso, a coordenar banquetes para a família real, ministros, bispos, aristocratas e gente abonada. Uma marca do seu carácter estava em fazer-se acompanhar por uma misteriosa maleta repleta de iguarias e temperos desconhecidos, cujos mistérios não partilhava com ninguém…. Segundo relatos de quem com ele conviveu, não havia um livro de receitas, mas algumas folhas esparsas, que ninguém mais encontrou depois da morte do  Abade. Ele, aliás, dizia duas coisas aos curiosos, uma é que era a sua cabeça que tudo armazenava e outra que tinha uma pequena colher de pau que atuava nos momentos mais dramáticos, sempre com sucesso. Também esse utensílio nunca foi encontrado.

 

Conta-se que no dia 3 de outubro de 1887, o Rei D. Luís, de visita ao norte do País com a Família Real, foi à Póvoa de Varzim. As autoridades locais esmeraram-se e convidaram o Abade de Priscos para dirigir a cozinha e preparar o régio banquete. Desempenhou-se o Abade da tarefa de tal modo bem que o Rei mandou chamá-lo, para o conhecer pessoalmente. É preciso dizer que D. Luís era tido como um excelente prático de cozinha. Assim, quis saber qual era a composição de certo prato servido no banquete e de sabor delicioso.

 

O Abade sorridente, respondeu: – Trata-se de palha, com licença de Vossa Majestade!

 

– Palha!? – disse o monarca espantado . – Então o Senhor Abade dá palha ao Rei de Portugal?

 

O Abade baixou a cabeça, a fingir-se de envergonhado e, com sorriso manhoso, esclareceu: – Real Senhor! Todos comem palha, a questão é saber servi-la… ".

 

Numa outra ocasião, sendo o banquete oferecido pelo Arcebispo de Braga ao Prelado de uma diocese vizinha, aconteceu um embaraçoso incidente. A sopa esteve tempo de mais ao lume e ficou levemente queimada. Vieram os cozinheiros em prantos até ao Abade, que reagiu com surpreendente calma, dizendo: - De facto, não serviremos ao Bispo uma sopa com bispo.

 

Retirou da célebre maleta um misterioso ingrediente, juntou-lhe água, deitou-o na panela, mexeu com a sua colher de confiança – e dizem os que testemunharam o acontecido que o bispo da sopa desapareceu e que o Bispo convidado muito gabou a iguaria…

 

Mas não nos vamos sem coisas, aqui vos revelo a receita do célebre pudim, uma das poucas que chegou até nós e que os cozinheiros de Braga e de Vila Verde continuam a seguir…

 

O pudim ficou conhecido quando o Professor Pereira Júnior, diretor da Escola do Magistério Primário de Braga, do antigo Convento dos Congregados, pediu ao Abade de Priscos a receita para a ensinar aos seus alunos e alunas. E eis o segredo:

 

O pudim é confecionado num tacho de latão ou cobre onde é colocado meio litro de água. Quando esta estiver a ferver, coloca-se meio quilo de açúcar, uma casca de limão, um pau de canela e cinquenta gramas de toucinho (gordo e de preferência de Chaves ou de Melgaço). Deixa-se ferver até atingir ponto espadana. Batem-se delicadamente quinze gemas até ficar a mistura homogénea e mistura-se-lhes um cálice de vinho do Porto velho até ficar em meio ponto, depois de bater novamente. A calda de açúcar é, então, vazada através de um coador fino para uma tigela onde estão as gemas, mexendo-se tudo. Barra-se uma forma com açúcar em caramelo e deita-se aí o preparado que é posto a cozer durante 30 minutos em banho maria. O pudim é desenformado quando estiver quase frio. E está pronto a servir e a deleitar os mais resistentes…

 

E aproveito a ocasião para recordar um célebre poema de João de Deus escrito a pensar nestes mesmo Rei D. Luís…

 

Há entre el-rei e o povo
Por certo um acordo eterno:
Forma el-rei governo novo,
Logo o povo é do governo
Por aquele acordo eterno
Que há entre el-rei e o povo.

 

Graças a esta harmonia,
Que é realmente um mistério,
Havendo tantas fações,
O governo, o ministério
Ganha sempre as eleições
Por enorme maioria!
Havendo tantas fações,
É realmente um mistério!

 

Agostinho de Morais