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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

De 20 a 26 de maio de 2019

 

 

«Thomaz de Mello Breyner – Relatos de uma Época, do final da Monarquia ao Estado Novo» de Margarida de Magalhães Ramalho (Imprensa Nacional, 2018) é uma biografia elaborada com grande rigor cronológico e histórico, que permite compreender não só a vida do biografado e mas também a sua época.

 

 

UMA BIOGRAFIA EXEMPLAR
A obra que agora nos chega só foi possível porque o biografado teve o cuidado de registar em cadernos e em agendas aquilo a que foi assistindo, bem como as pessoas com que se cruzava e se relacionava. Os primeiros cadernos respeitam ao período de 1880 a 1895, desde a frequência académica aos passeios, passando pelo namoro com Sophia Burnay, pela morte do pai ou pelo casamento do Príncipe Real. Teria sido o seu amigo conde de Sabugosa, um dos Vencidos da Vida, que o incentivou à prática memorialista – e quando este morreu (em 1924) teria feito uma promessa a si mesmo de que publicaria as suas “Memórias”, deixando o primeiro volume pronto (1930) e um segundo praticamente terminado. Infelizmente, porém, não chegaria a cumprir o seu desiderato, para além da infância e juventude, deixando, contudo materiais que foram preciosos para a elaboração desta obra. E quem aqui encontramos? Para Reinaldo dos Santos, “um príncipe do espírito” e para José Tomás Sousa Martins, insigne mestre de Medicina, “o melhor dos rapazes. Possui a nobre faculdade de admirar sinceramente (…) no sentir tem a mais absoluta indiferença pelo pedantismo triunfante, a mais rija indignação só lhe vem diante do egoísmo burguês”. Os onze capítulos do livro acompanham a personagem. Nascido em 2 de setembro de 1866, Thomaz de Mello Breyner vai acompanhar a transição do século e dos regimes. Os primeiros capítulos são mais curtos, mas com o andamento do tempo a informação coligida foi aumentando. Filho do comandante do regimento de Caçadores 5, então aquartelado no Castelo de S. Jorge, aí nasce, num lugar privilegiado. E dirá que foi um “menino estragado”, pelos mimos que recebeu de seus pais – aproveitando bem a possibilidade de ver tudo o que se passava à sua volta… Apenas com quatro anos, testemunha as movimentações da Saldanhada (1870) e a partir dos seis anos, sendo seu pai ajudante de campo do rei D. Luís. Passa a ser convidado para as festas dos príncipes, nas quais sofre troças e dissabores por ser uma criança apenas remediada de uma família sem meios de fortuna. Tem, no entanto, o apoio da rainha D. Maria Pia, que lhe permite superar situações difíceis. Os acontecimentos e as vicissitudes são múltiplos, mas o certo é que esse contacto revelar-se-á muito importante na formação do futuro médico, que inicialmente pretendeu seguir a carreira na Marinha… Conhece Herculano e Bulhão Pato e sabe tirar lições de um tempo que está longe das facilidades, mas que lhe dá um riquíssimo convívio humano… Conhece escritores, artistas, publicistas – até Ramalho e Eça. Começando com dificuldades no aproveitamento escolar, consegue superá-las com sucesso. Deixando o desígnio da carreira militar, aponta para a Medicina, dando-nos conta pormenorizada dos sucessos e infortúnios, merecendo especial referência a relação académica com os Professores José Tomás Sousa Martins e Miguel Bombarda. E lembro na memória familiar a boa lembrança que meu bisavô tinha do Conde Mafra. Meu bisavô era professor da Escola Médica e vizinho em S. João dos Bem-casados de Mello Breyner – admirando o jovem clínico.

 

NA CIDADE DE PARIS E NÃO SÓ…
Partindo para Paris, para aprofundar os estudos da Medicina, afirma: “Tenho visto com satisfação que a Escola de Lisboa não é nada tão má e que os portugueses aqui podem fazer boa figura, quer pela fala, quer pelos conhecimentos que têm, de resto não admira porque os nossos programas são os mesmos e os livros também, o meio é que é mais acanhado”. O ambiente de Paris é cheio de surpresas, desde a tentativa de uns quantos penduras à espera que Thomaz lhes emprestasse dinheiro até a uma chamada para acorrer a um ataque histérico de uma senhora em casa de um conde russo… Apesar de tudo, com alívio, Thomaz regressa a Lisboa, é nomeado Médico da Real Câmara e prepara cuidadosamente o casamento com Sophia Burnay, filha do célebre banqueiro. Passo a passo, encontramos o período difícil em que a monarquia constitucional está profundamente fragilizada, e em que o rei D. Carlos se deixa envolver nos erros dos partidos dinásticos, divididos entre a pura intriga (“discussões e bulhas dos monárquicos”) e a incapacidade de mobilizar o país. A humilhação do Mapa-Cor-de-Rosa deixou marcas profundas, o suicídio de Mouzinho de Albuquerque, quaisquer que fossem as suas razões torna-se um sinal de desalento nacional. Este é, contudo, um tempo de muito trabalho profissional para Thomaz de Mello Breyner, aliando a consulta médica, a prevenção, a preocupação com as injustiças sociais, bem patentes na vida das meretrizes e no alargamento das doenças venéreas. As relações entre os Reis tornam-se cada vez mais distantes e inconciliáveis. E o médico descobre, com preocupação, sinais perigosos de doença em D. Carlos, um nível de diabetes elevadíssimo não augura nada de bom… O monarca vai trata-se nas Termas de Pedras Salgadas, e há um movimento regional que parece de grande apoio popular o Rei… T. Mello Breyner confessará que se deixou enganar por essa onda, que não podia iludir o facto de Lisboa ser cada vez mais republicana.

 

CONTINUAM AS DIFICULDADES…
“Continuam as trapalhadas políticas. Não sei como isto vai acabar. Em geral, sou otimista, mas desta vez vejo tudo um bocado negro”. Estava-se em finais de 1907. O conde de Mafra apoia a política de João Franco, mas verifica que tudo se encaminha para um beco sem saída para o Rei e para o regime. Um colaborador no hospital diz-lhe, na véspera do Regicídio de fevereiro de 1908, “que uma grande desgraça se prepara”. E o terrível dia chega em que o Rei e o Príncipe herdeiro são mortos. Eduardo VII exclama: “A revolução triunfou, não é verdade?”. E Raul Brandão diz que quem passaria a governar seria “sua majestade o medo”… Mello Breyner não se conforma, acusa os cúmplices palacianos e conclui destroçado: “Dorme em paz doce príncipe ao lado de teu querido pai que te amava tanto e que tu adoravas. Mais doloroso seria para ti veres-te obrigado por uma política idiota a pisar constantemente a memória de teu santo pai. Dorme em paz querido anjo”. Sente-se no memorialista uma grande amargura e descrença absoluta na solução política encontrada depois do Regicídio. Em 20 de abril encontra António José de Almeida no comboio de Coimbra que se desfaz em argumentos contra o envolvimento republicano na morte do Rei, mas o Conde de Mafra não acredita.... Os pormenores da vida quotidiana somam-se à intensa atividade profissional, a I República, depois de implantada, é vista com desconfiança, a vida familiar conhece amenidades e sobressaltos, alegrias e desgostos… O inesperado contacto com os modernistas, como Almada Negreiros, dá um tom de futuro. E numa passagem muito breve, lemos: a minha neta Xixa ficou «distinta no seu exame elementar. Aquela pequena é extraordinária. Quando há dias estive no Porto vi-a decorar um soneto de Antero de Quental depois de o ouvir apenas 3 vezes. Que encanto de pequena»… E de quem nos fala? De Sophia de Mello Breyner Andresen, a mais célebre das suas netas…   

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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