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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

 

NA SEMANA DO DIA DE ASCENSÃO, RECORDAR AS FESTAS DA ESPIGA…
28 de maio de 2019

 

A minha Avó, cumpria religiosamente a antiga tradição das festividades da Ascensão. À hora de almoço, já havia sobre a mesa um ramo bem florido – e a festa era para todo o dia. E ainda hoje é feriado na terra de meus avós… A Quinta-feira da Ascensão celebra a subida ao céu do Senhor Jesus e ocorre este ano a 30 de maio, quarenta dias depois da Páscoa e dez dias antes do Pentecostes… . Popularmente chamado de Quinta-feira da Espiga, é considerado como “o dia mais santo do ano”. Para assinalar a data, a tradição pede que desde manhã cedo até do meio dia para à uma se suba a um  monte e se recolham espigas e flores que são depois colocadas num ramo. Colhem-se espigas de trigo, sempre em número ímpar, um pequeno ramo de oliveira, papoilas, margaridas e varas de videira. Diz o povo que a essa hora, as aves não vão aos ninhos, porque a natureza se une para festejar. Estamos, naturalmente, perante uma reminiscência das festividades pagãs dedicadas à Deusa Flora que assinalavam o surgimento dos novos frutos. Passado o dia festivo, o ramo era colocado atrás da porta de casa, para que nela pudesse haver pão, azeite, paz, amor e alegria durante todo o ano. Até 1952 foi feriado nacional em Portugal, tendo havido protestos de norte a sul pela perda deste dia especial para todo o País. Para compensar a perda de um dia tão enraizadamente sentido pelo povo, um número muito significativo de municípios adotou a quinta feira da Espiga como feriado municipal. Eis alguns exemplos: Alcanena, Alenquer, Almeirim, Alter do Chão, Alvito, Anadia, Ansião, Arraiolos, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Beja, Benavente, Cartaxo, Chamusca, Estremoz, Golegã, Loulé, Mafra, Marinha Grande, Mealhada, Melgaço, Monchique, Mortágua, Oliveira do Bairro, Quarteira, Salvaterra de Magos, Santa Comba Dão, Sobral de Monte Agraço, Torres Novas, Vidigueira, Vila Franca de Xira. E assim, ainda hoje, podemos lembrar uma celebração muito antiga, bem arreigada nas nossas tradições…

 

Hoje recordo nestas linhas excertos da célebre Carta de Francisco Sá de Miranda a D. João III, obra-prima da nossa literatura e língua. É uma reflexão ética de quem muito preocupado está com o despovoamento do reino e com um império que depaupera os campos e as gentes. Talvez se lermos bem o poema, descobriremos a defesa da fixação contra o transporte, não a tese do regresso puro e simples ou da desistência. E se dúvidas houve, leia-se o camoniano Velho do Restelo, quer tem muitos traços deste camponês literato, que trouxe para a Pátria a medida nova italiana, criada por Petrarca, “dolce stil nuovo”…

 

Homem de um só parecer,
Dum só rosto, uma só fé,
Dantes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte homem não é.

 

(...)
Tudo seu remédio tem
E que assim bem o sabeis,
E ao remédio também;
Querei-los conhecer bem,
No fruto os conhecereis.

Obras, que palavras não:
Porém, senhor, somos muitos,
E entre tanta multidão
Tresmalham-se-vos os frutos,
Que não sabeis cujos são.

 

(...)
Sempre foi, sempre há de ser,
Que onde uma só parte fala,
Que a outra haja de gemer:
Se um jogo a todos iguala,
As leis que devem fazer?

 

(...)
Do vosso nome um grão rei
Neste reino lusitano,
Se pôs esta mesma lei,
Que diz o seu pelicano
Pola lei, e pola grei.

 

(...)
Assim que seja aqui fim;
Tornem as práticas vivas;
Perdestes meia hora em mim,
Das que chamam sucessivas
Estes que sabem latim.

 

Agostinho de Morais