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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Bruno,

 

Dei comigo a ser a única pessoa a comprar selo para uma carta. Dei comigo a pensar que as nossas conversas se não escrevem em e-mails. Dei comigo a pensar que não posso perder a chaves da caixa do meu correio porque recebo muitas cartas. Ainda. Dei comigo a pensar que ambos sabemos que carta tem o perfume das várias estações da alma. Tem folhas de árvores e espuma de mares que colam a cola do envelope, às vezes, com lágrimas, outras com urgências; carta tem respiração de mundo e tem carteiro que lhe pega e a entrega como testemunho de alguém que o pode ler na casa de jantar atras do reposteiro e beijar muito a carta e esconde-la no montinho do sótão, dentro de uma caixa, imune a ratos, e essa caixa é de Ali Bábá de um agosto que permitiu umas férias de mundo da nossa juventude. Quanto tesouro! Um mundo de projetos fenomenais e acontecimentos fantásticos, descobertas únicas, tudo condensado em 30 dias. Um mundo de cada um à sua maneira e tu com a Eduarda janela por janela a olharem-se, e, o tanque redondo dos peixes – mirante – era o meu melhor público para que o Miguel entendesse que aquele golpe de vista infalível que a água captava, era a promessa de, na manhã seguinte, juntos, na praia, nós os dois, iríamos ao mar.

 

Bruno,

 

Voltei para casa e abri o envelope e escrevi-te isto. Quis saber que saberias da minha fidelidade a escrever-te cartas, mas que uma mulher exausta e ansiosa demais pode escrever e-mails, e, uma vez por outra, o teu endereço eletrónico, tenta-me, e não te posso prometer que uma tarefa esgotante me evite de o usar quando.

 

Contudo, do perfume ainda não sei como farei. A minha caneta tem tinta permanente e por isso tem perfume. Receio que isto de escrever-te sem ser por carta, fique tudo mal escrito e mal vivido e que não domine as palavras na minha fala, como quando as obrigo por tinta a subirem a Acrópole.

 

Que dizes?

 

Eu sei que não estou apta a conhecer este novo Evangelho das tecnologias de utilizador que, receio, pelo sinistro da sua facilidade, mas, desde que o envio das cartas se apoderou de mim na fúria de viajar e começo a chegar antes delas. Enfim.

 

Acima de tudo, para nos sabermos de nós, rapidamente, outros meios se propõem. Impessoais? Ou neles se reconhecem, que os últimos degraus que subi na arena em Palermo e tos mostrei, quase em direto, por um vídeo que fiz e te enviei por telemóvel, foi pronto também a mostrar-te os templos de Agrigento e a expor-te quão mágica era a luz mediterrânica.

 

Duas semanas depois estavas lá com uma Eduarda III ou IV (eras fiel ao nome) pois pressentiste afinal pelo vídeo que…

 

Que dizes?

 

Esta pergunta vai por carta. Vou voltar aos correios. Tratam-me tão bem!

 

«Bom dia Dra., mais uma cartinha? Quer escolher o selo? Temos uns que são mesmo o seu sorriso.»

 

Isa

 

Teresa Bracinha Vieira