Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
‘I don’t see why you shouldn’t be filling yourself up, making yourself happy. Enjoying yourself. Feasting on beauty. I want an art that’s going to make me feel heady, in a high-flown way. I love the idea. I’d use the word spiritual. I’m not frightened of all that.’ Gillian Ayres
As grandes telas pintadas por Gillian Ayres, na década de 1980, engolem-nos, rodeiam-nos, enchem-nos. A sua incontrolabilidade e a imprevisibilidade excede qualquer tentativa de explicação e de interpretação.
No percurso de Ayres, estas pinturas, como por exemplo ‘Æolus’ (1987), tornam-se muito intensas, com contornos mais definidos. Estão profundamente enraizadas na experiência do fazer, num preencher abundante e fluído. Revelam um caminho de descoberta, não são uma representação e não são só forma. Gillian Ayres entende a pintura como uma superfície ou plano, do tamanho da tela, que está em aberto. O espaço vazio e infinito da tela é lugar de ação, é lugar onde se dispõem e sobrepõem marcas de tinta e de cor. É uma celebração de vida.
‘You are doing area against area of color and it has to work. One hopes it touches the soul of somebody at the end of it.’, G. Ayres
Para Ayres, a abstração, no mundo das formas, é a revelação mais enérgica e reveladora do séc.XX - e todas as suas possibilidades estão ainda por explorar.
Sem recorrer ao pré-concebido, ao conceptualizado, ao racionalizado, ao repetitivo, Gillian Ayres, com ‘Æolus’, abre a possibilidade ao desconhecido, ao que está para lá do que se sabe, ao abismo.
‘I love obscurity in modern art. I don’t want a story. There are no rules about anything. I just go on doing what I do. I want to do nothing else.’, Gillian Ayres
No início, existe sempre a necessidade de uma procura. Uma procura que não acaba nunca e que já teve início em telas anteriores e cuja resposta é interminável.
Em ‘Æolus’, o ato de pintar é:
um ato de sinceridade - o resultado está ali, sem filtro e sem enganos. Aquele é o processo, aquele foi o caminho;
um ato de confiança - ao criar uma beleza completamente nova, que não se conhece, cheia e abundante;
uma experiência do seu tempo - que pertence a um momento específico;
uma experiência silenciosa - que se constrói num diálogo puro;
uma experiência singular - onde cada tela é única e contém uma determinada e irrepetível ordem;
uma experiência total - a pintura é resolvida de modo a que todas as partes façam parte de um todo;
uma experiência visual - o resultado não é verbal, não é literal, pois uma pintura é feita através de um conjunto de marcas que se vêem.
uma experiência material e tátil - a tinta é espessa e é colocada com as mãos;
uma experiência de cor - intensidade (e não tom) é o processo utilizado, e que ao relacionar e misturar cores complementares, permite uma elevação mais viva e forte da cor.
‘For some time we have gone through a period where people quite like non-beautiful things. I do like beauty, absolutely. Tintian, Rubens and Matisse all were in love with beauty. I like the idea that people can lose their feet looking at art - or even at nature. I love the idea that in our life we can be lifted by looking at art.’, Gillian Ayres
1. Segundo um estudo da Universidade de St. Mary de Londres (2014-2016), em 12 países europeus, a maioria dos jovens entre os 16 e os 29 anos admitem que não são crentes e que nunca ou quase nunca vão à igreja ou rezam. A República Checa é o país menos religioso da Europa: 91% dos jovens confessam não ter qualquer filiação religiosa. Seguem-se a Estónia, a Suécia, os Países Baixos, onde essa percentagem dos sem religião fica entre os 70% e os 80%. Também noutros países se nota a queda rápida da religião: na França, são 64% a admitir não serem crentes, na Espanha, 55% declaram que não confessam qualquer religião. Frente a estes dados, o responsável pelo estudo, Stephen Bullivant, afirmou que “a religião está moribunda” na Europa.
Na Alemanha e em Portugal, a percentagem de não crentes desce para 45% e 42%, respectivamente. Entre os países mais religiosos, estão a Polónia, onde só 17% se confessam não crentes, seguindo-se a Lituânia com 25%.
Também a prática religiosa está em crise. Só na Polónia, Portugal e Irlanda mais de 10% dos inquiridos admitiram que iam à Missa pelo menos uma vez por semana. Mas no Reino Unido, França, Bélgica e Espanha, entre 56% e 60% disseram que nunca iam à igreja e entre 63% e 66% que nunca rezam. Logicamente, na República Checa, 70% afirmam nunca ter ido a uma celebração religiosa e 80% nunca rezam.
2. Onde se encontram as razões para esta situação que caminha para uma Europa pós-cristã? As explicações são múltiplas. Mas chamo a atenção para a observação que o grande teólogo Yves Congar, primeiro condenado e, mais tarde, feito cardeal, teve já em 1935: “A uma religião sem mundo sucedeu um mundo sem religião.”
Outro grande teólogo, Philippe Roqueplo, demonstrou essa ausência do mundo na reflexão teológica e, consequentemente, na vivência da vida cristã. Fê-la no famoso e monumental Dictionnaire de Théologie Catholique, elaborado entre 1903 e 1950, em 22 volumes. Ele constatou que nesse Dicionário, que deveria abarcar “todas as questões que interessam ao teólogo”, havia ausências de temas fundamentais para a existência humana. Assim, quando se procura Amizade, o termo não consta; Arte: um longo artigo sobre a arte cristã; Beleza: nada; Ciência: um longo artigo sobre ciência sagrada, ciência de Deus, ciência dos anjos e das almas separadas, ciência de Cristo, mas sobre a ciência como a entendemos, nada; Economia: nada; Emprego: nada; Família: nada; História: nada; Leigo e laicado: nada; Mal: vinte colunas; Mulher: nada; Pessoa: remete para hipóstase; Poder: um artigo com cento e três colunas sobre o poder do Papa na ordem temporal; Política: nada; Profano: nada; Profissão: um artigo sobre profissão de fé; Técnica: nada; Trabalho: nada; Vida: um artigo sobre a vida eterna...
3. Não há dúvida: Deus tem a ver com o sentido último e a salvação. Como escreveu L. Wittgenstein, um dos maiores filósofos do século XX, “crer num Deus quer dizer compreender a questão do sentido da vida, ver que os factos do mundo não são, portanto, tudo. Crer em Deus quer dizer que a vida tem um sentido.” Foi neste contexto que Nietzsche, sete anos antes de enlouquecer, escreveu a Ida, a mulher do amigo F. Overbeck, pedindo-lhe que não abandonasse a ideia de Deus: “Eu abandonei-a, não posso nem quero voltar atrás, desmorono-me continuamente, mas isso não me importa.” Numa longa entrevista concedida ao jornal Le Monde, em 2017, Edgar Morin, constatando que a Humanidade se sente perdida, afirmou: “O mito da Europa é débil. O mito da globalização feliz está em zero. O mito da euforia do transhumanismo só está presente entre os tecnocratas. Encontramo-nos num vazio histórico cheio de incertezas e de angústias. Só um projecto de via salvífica poderia ressuscitar uma esperança que não seja ilusão.”
4. A pergunta é: onde e como encontrar essa via de salvação? Todos, incluindo a Igreja, e a Igreja de modo especial, são convocados para encontrar a resposta a esta pergunta decisiva.
Sobre a marginalização da Igreja, concretamente na Europa, escrevia recentemente o teólogo José M. Castillo: “A sociedade ‘descristianiza-se’ a uma velocidade e até a níveis que impressionam quem, pela idade e pelas recordações de família, tem a sensação de estar a viver numa sociedade que, há umas décadas, não podia imaginar”. Mas, afinal, porquê?, qual a razão? Não está a Igreja a ser marginalizada, porque ela própria vive à margem? Castillo acrescenta: “Uma Igreja, que vive à margem da sociedade, é uma Igreja que se não relaciona com a ‘realidade’, mas que se relaciona com a ‘representação da realidade’, que a própria Igreja elabora para si, segundo os seus interesses e conveniência. Se a Igreja se situou na “margem” da vida e da sociedade, pretendemos, a partir de fora da sociedade, influenciá-la?” “Se a Igreja não pôde assinar e fazer sua a Declaração dos Direitos Humanos, com que autoridade e com que credibilidade pode falar de amor à humanidade?”
5. Pensando nas relações entre Deus e o mundo, o mundo e Deus, o aquém e o Além, se se não quiser mentir a si próprio nem aos outros, é inevitável virem à ideia estas palavras célebres de Immanuel Kant: “A praxis deve ser tal que não se possa pensar que não existe um Além.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 16 JUN 2019