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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

L - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (III)

 

Há outros exemplos, por confronto com outros idiomas.   

 

Em dezembro de 2003 realizou-se na Tunísia a primeira cimeira dos chefes de Estado e de Governo do Mediterrâneo Ocidental (Diálogo 5 + 5), integrando cinco países do sul da Europa, entre estes Portugal e cinco Estados do Norte de África. No início dos trabalhos Chirac falou em francês, Aznar em castelhano, Berlusconi em italiano, os governantes árabes em árabe e o primeiro-ministro português em …francês! Ao que consta, a audiência, maioritariamente francófona, aplaudiu emocionada. Sensivelmente, pela mesma data, também o nosso Presidente da República se expressou, em Madrid, num castelhano tipo “portunhol”, num fórum promovido pelo jornal “ABC”, o mesmo tendo feito, ao que lemos, na XIII cimeira Ibero-Americana, na Bolívia. 

 

David Borges dá sugestivos exemplos, em texto publicado no livro A Língua Portuguesa: presente e futuro”[1] onde, em dado passo, refere a estupefação do escritor angolano Agualusa quando se apercebeu que num encontro em França, para divulgação da literatura e música dos países de língua portuguesa, em que estavam presentes cinco escritores portugueses, cinco africanos e um brasileiro, “(…) os portugueses falaram todos em francês, sempre em francês, num francês esplêndido, expurgado do mais remoto rumor do idioma pátrio. Os africanos falaram em português, e o brasileiro hesitou, entre uma língua e outra”. Tendo feito uma alusão crítica ao discurso francófono dos portugueses, obteve como resposta, de um deles “(…) que os escritores portugueses falam sempre em francês, porque sabem falar francês”, ao que Agualusa se calou mas, como diria, sem conseguir imaginar “(…) um congresso sobre literatura francófona, em Lisboa, durante o qual toda a gente fale português”.

 

Indigna-se também, e a propósito, por um número significativo de dirigentes portugueses dispensarem “(…) o nosso obscuro idioma em reuniões internacionais. Os portugueses choram de orgulho, muitíssimo deslumbrados. Lusófonos, sim, lusófonos sempre. De preferência em francês, que é uma língua mais civilizada, mas lusófonos”. 

 

Recentemente, em Dezembro de 2011, aquando da cerimónia oficial, em Lisboa, para formalização do acordo para a compra da EDP, o português e presidente desta empresa portuguesa, bem como o português e ministro das finanças, falaram num inglês fluente, com o seu quê de chique, chiquíssimo e chiquérrimo, de elites vendedoras para elites compradoras, e não no idioma do país de origem, onde decorria a sessão, tendo como público destinatário os portugueses, o que seria impensável em eventos paralelos ou similares de países que não esquecem a sua língua (mesmo se menos universalizada que a nossa), como França, Alemanha, Itália, Rússia, Japão, Espanha e Reino Unido.

 

Usualíssimo que em eventos internacionais organizados e realizados entre nós, todos ou quase todos os participantes portugueses falem em inglês, sem qualquer preocupação de tradução para a língua pátria, mesmo havendo intérpretes disponíveis, o que por certo reduzirá custos e tornará o país mais competitivo, segundo eles, quando se reconhece que o poder linguístico e cultural comporta um poder económico forte e essencial nas relações entre os vários países. 

 

Infelizmente, esta inferiorização de que grande parte das nossas elites faz culto, tem tendência a ser seguida pelo cidadão comum, atentos alguns exemplos já referidos, a que acresce a negligência na feitura de viagens ao aceitar guias ou intérpretes em línguas estrangeiras, quando há alternativas no uso da nossa, não dando azo a que se valorize e projete mais pelo mundo, inclusive dando emprego a intérpretes não maternos que a têm como língua de exportação. 

 

02.07.2016
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

 

[1] Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2005, pp. 167/68.