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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 8 a 14 de julho de 2019

 

Quando se inaugura uma exposição em que Sarah Affonso (1899-1983) dialoga com o artesanato do Minho (Gulbenkian) e quando no Dia de Portugal se falou da necessidade de haver valores mobilizadores, recordamos hoje algumas pistas de reflexão.


NÃO TE PERCAS BUSCANDO…
“Porque tiveste o mar nada tiveste. / Não te percas buscando o que perdeste; / Procura Portugal em Portugal”, foi Manuel Alegre quem disse em “O Canto e as Armas” onde nos devemos encontrar. E não há mistério nesta ideia fundamental. É encontrando quem somos, o que nos une, o que queremos – e percebendo donde vimos – que poderemos continuar a singrar. Uma cultura antiga tem, no seu caminho, múltiplas e contraditórias razões. É conhecida a ciclotimia em que oscilamos entre o considerarmo-nos melhores e piores, o que levou José Mattoso a entender a identidade como uma realidade aberta e multifacetada, de múltiplas trocas, do mesmo modo que Eduardo Lourenço afirma que não somos nem melhores nem piores que os outros. E Agustina, no final de “Os Meninos de Ouro”, encontra nas geresianas (“iris boissieri”) um sinal da «alma portuguesa» (de que Bernardim e Sá de Miranda não falaram), que indica a rota sólida que vai em direção ao caminho certo, num “tempo original em que a alma convive com a eternidade”. E essa planta fugaz representa a durabilidade e a capacidade de renascer sempre. É a vontade que se dispõe a construir o destino. Somos porque queremos e não porque outros nos julgam pelo que não somos. João Miguel Tavares, no discurso de Portalegre do dia de Portugal, chamou, e bem, a atenção para a necessidade da procura de um ponto de encontro mobilizador. A interpretação que faço das suas palavras não tem, no entanto, a ver com o apelo a qualquer realidade mítica, como se a vida pública fosse externa à vida quotidiana, do que se trata é da procura de uma vontade partilhada e emancipadora. E se invoquei no início o poema de Manuel Alegre, foi para afirmar que temos de ligar a memória e a compreensão das diferenças como fatores de enriquecimento mútuo. “Não é fácil saber por que é que estamos a lutar hoje em dia”. Quantas vezes ouvimos esse lamento ao longo dos séculos. Mas é bom que estejamos conscientes dele e dos seus riscos. Não podemos tolerar que “o sonho de amanhã ser-se mais do que se é hoje” se vá desvanecendo, “porque cada família, cada pai, cada adolescente, convence-se que o jogo está viciado”. E não pode estar! O talento, o trabalho, o mérito têm de valer. Não devem bastar uns conhecimentos de certas pessoas ou de certos amigos ou nascer-se na “família certa”, temos de cuidar da justiça.

 

APERFEIÇOAR A DEMOCRACIA
O aperfeiçoamento da democracia tem a ver com a resposta a essas incertezas. Não tenhamos medo de dizer as palavras necessárias. As instituições têm de fazer participar e de saber representar os cidadãos, têm de ser mediadoras e têm de dar as respostas justas aos legítimos anseios de todos. A metáfora de Agustina das geresianas significa, assim, perceber que a durabilidade e a capacidade de renascer sempre têm de se traduzir em atos concretos. Eu sei que persistir ou remar contra a maré não é fácil, que usar o método do “antes quebrar que torcer”, perante as dificuldades, contém o risco de se pensar que a facilidade ou o improviso, que o favor ou a ilusão constituem uma inexorável fatalidade. Não basta, porém, gritar ao lobo, sem prevenir seriamente a sua chegada. Quem corre atrás de tudo o que mexe estará desprevenido quando o perigo realmente chegar. E que perigo é esse? É tanto o da indiferença quanto o dos bodes expiatórios e da cega acusação por tudo e por nada… E sabemos que a mistura das acusações supostamente graves com as meras vinganças pessoais tem como resultado a impunidade. Sim, devemos dar prioridade à verdade dos factos, às provas concretas, à educação, à cidadania, à justiça e à ética, demonstrando que a recompensa deve corresponder ao esforço. “O desespero não nasce do erro, mas do sentimento de que não vale a pena esforçarmo-nos para que as coisas sejam de outra forma – porque nunca serão”. Repita-se que é falsa a ideia de que somos bons no improviso. Olhe-se a nossa História: apenas fomos além das dificuldades com persistência, planeamento, experiência e cuidadoso trabalho. Alguém recordava, há pouco tempo, que o grande feito de Magalhães foi a passagem do estreito, a saída do Oceano Atlântico e a difícil navegação de todo o Pacífico – só possível com muito saber de experiências feito. De facto, deve ser dito e ouvido que nos cabe cultivar uma sã consciência crítica, de modo que a “perda de esperança” não apareça “travestida de lucidez”, que “rapidamente se transforma numa forma de cinismo”. Tudo isto foi afirmado por João Miguel Tavares. Para sermos lúcidos, devemos ser determinados. A desesperança não pode ser confundível com realismo… E como estabelecer pontes entre a cidadania e a coisa pública? Eis o que tem de ser claramente assumido. Não se pense, porém, que a situação presente é singular. Daí que o Presidente da República tenha dito, com oportunidade: “Não podemos nem devemos esquecer ou minimizar insatisfações, cansaços, indignações, impaciências, corrupções, falências da Justiça, exigências constantes de maior seriedade ou ética na vida política”. Há portugueses a merecerem destaque, afirmam-se um pouco por toda a parte – “são todos os dias, cá dentro e lá fora, líderes sociais, científicos, académicos, culturais ou empresariais, muitos dos quais nós nem sabemos quem são, até que chega a notícia de que um português ganhou um prémio de melhor investigador ou, ainda, que uma portuguesa foi considerada a melhor enfermeira num país estrangeiro ou um artista foi celebrado noutro continente”… 

 

RECORDANDO JORGE DE SENA
Em 1977, Jorge de Sena falou de Camões como símbolo dos portugueses: “Ninguém, como ele desejou representar em si mesmo a humanidade, representar tão exatamente o próprio Portugal, no que Portugal possui de mais fulgurante, de mais nobre, de mais humano, de mais de tudo e todos, em todos os tempos e lugares”. Eis o que urge compreender: devemos prosseguir a aprendizagem, a procura, a inovação, a dignidade. O épico foi “o homem que viajou, viu e aprendeu”. O homem com sentido crítico que se sentiu moralmente “no direito de verberar com tremenda intensidade, as desgraças de viver-se e os erros ou vícios da sociedade portuguesa”. O exilado físico também era exilado moral, “clamando por justiça, por tolerância, por dedicação à pátria, por espírito de sacrifício, por unidade nacional e universal, lá onde via que o homem é, como ele disse mais que uma vez, o ‘bicho da terra tão pequeno’ contra o qual se encarniçam os poderes do mal”. A cada passo continuamos a ter de lutar contra o fatalismo, contra o atraso, contra a má-língua, a inveja e o oportunismo. Importa garantir que sejamos nós mesmos a afirmar perante outros que podemos lutar de igual para igual. Não precisamos de ser os melhores, mas temos de saber ser cada vez melhores.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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