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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CADA ROCA COM SEU FUSO…

 

FOLHEANDO REVISTAS ANTIGAS DE QUADRADINHOS (III)…
9 de julho de 2019

 

Prossigo, à medida que a temperatura ambiente vai aumentando, a sistemática análise da minha coleção de revistas "Tintin" (e agora também “Cavaleiro Andante”) com grande prazer. Se vou agora ao “Cavaleiro Andante” é para confirmar a projeção da Escola de Bruxelas em Portugal. Depois de Edgar P. Jacobs (1904-1987) e de Blake e Mortimer, bem como de Jacques Martin, agradecendo as muitas mensagens recebidas de apoio e de recordação – até porque ambos estiveram sucessivamente nos estúdios da produção de Tintin com Hergé - falar-vos-ei hoje de Jean Graton (1923) e de Tibet e A. P. Duchâteau. Já referi aqui, em tempos, “O Piloto sem Rosto”, que se estreou na revista “Tintin” em janeiro de 1959. Tudo se passa por causa do mistério de um condutor incógnito que treina em Francorchamps numa viatura excecionalmente rápida que ameaça o domínio de Michel Vaillant (em português, na altura, Miguel Gusmão) no Grande Prémio do Mónaco. E a descoberta da identidade do misterioso piloto sem rosto é surpreendente… Trata-se de um dos álbuns da autoria de Jean Graton que é reconhecido como de maior qualidade e com uma narrativa muito intensa. Esta aventura foi publicada pelo “Cavaleiro Andante” a partir de 2 de janeiro de 1960 nos números 418 a 462, sendo a capa que hoje reproduzimos do dia 16 de janeiro. Desde cedo a presença entre nós deste autor foi sinal de grande interesse e de rápido sucesso alcançado. Em 1957, “Tintin” publicou histórias curtas de quatro páginas dos Vaillant – que em Portugal foram divulgadas no “Falcão”. Em 1959 foi dado à estampa o primeiro álbum “Le Grand Défi”, que o “Tintin” publicou em continuados em 1958 e o “Cavaleiro Andante” publicara dos números 357 ao 406 em 1958-1959. Graton vai criar um conjunto interessante de personagens – o clã Vaillant, Steve Warson e Leader, o adversário maior da marca francesa etc. – e vai mesmo incluir corredores verídicos como Jacky Ickx ou Alain Prost. Michel Vaillant participou no Rali de Portugal (“Cinq Filles dans la Course”, 1971) e voltou à capital portuguesa em “O Homem de Lisboa” (1984), tendo ainda estado em Macau (“Rendez-vous à Macao”, 1983). Alfredo César Torres será uma personagem da narrativa, e Pedro Lamy surgirá em “A Febre de Bercy” de 1998. Em 2007 saiu o Álbum número setenta e Philippe Graton filho do criador vai transformar profundamente a produção editorial, que passa para a esfera da Dupuis. Pode dizer-se que na escola da “linha clara”, Jean Graton é um caso especial, uma vez que escolhe uma temática específica de grande impacto, contribuindo para a divulgação do desporto automóvel e da produção europeia. No campo desportivo, há outro caso: o de Raymond Reding (1920-1999) autor das aventuras de Jimmy Torrent e seu discípulo Jari, no campo do ténis, e Vincent Larcher bem como Éric Castel no domínio do futebol. No âmbito da literatura policial, refiram-se o escritor André-Paul Duchâteau (1925) e o desenhador Tibet (1931-2010), de nome Gilbert Gascard. Ambos são referências fundamentais na Banda Desenhada. Ric Hochet, como jornalista e detetive (ao lado do impagável Sigismond Bourdon), e Chick Bill, herói de humor no Far-West, são referências bem marcantes do traço inconfundível de Tibet. Ric Hochet estreia-se em Portugal, sob o nome de João Nuno, em 2 de julho de 1955, no “Cavaleiro Andante”. O “Zorro” chamar-lhe-á Mário João… De notar que no caso de Ric Hochet temos não só as aventuras, mas também os enigmas policiais, de que serão referência os textos publicados no jornal “Foguetão”, como apelo à perspicácia dos jovens leitores. Esta diversidade faz desta dupla de autores uma referência muito relevante e um exemplo de poder atrair o público para divertimentos de ficção policial, que tem sempre assinalável popularidade. E não termino aqui esta série de crónicas… Há ainda alguma coisa mais a acrescentar?


Mas na tradição antiga desta crónica, deixo-vos hoje com o muito célebre e sério
Romance de Tomasinho Cara-Feia de Daniel Filipe (1925-1964)


«Farto de sol e de areia
Que é o mais que a terra dá,
Tomasinho Cara-Feia
vai prá pesca da baleia.
Quem sabe se tornará?


Torne ou não torne, que tem?
Vai cumprir o seu destino.
Só nha Fortunata, a mãe,
Que é velha e não tem ninguém,
Chora pelo seu menino.


Torne ou não torne, que importa?
Vai ser igual ao avô.
Não volta a bater-me à porta;
Deixou para sempre a horta,
que a longa seca matou.

Tomasinho Cara-Feia
(outro nome, quem lho dá?),
farto de sol e de areia,
foi prá pesca da baleia.


— E nunca mais voltará!»      

 

Agostinho de Morais