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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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UM EXTENSO DIA GRÁTIS OU UMA MORTE NA RAMAGEM DO CÉU

 

Querida Inês,

 

Aqui estou de novo a responder às tuas cartas tentando repor alguma regularidade. Parece que passam mil séculos atropelando-se ou presumindo-se de se entenderem sempre que não tenho noticias tuas, ou, tu de mim não recebes a prosa das longas viagens em que nos ficamos sempre que as palavras das cartas que deviam ter seguido se interrompem.

 

Mas dizes-me, na tua penúltima carta, e a propósito do teu cansaço, que querias um extenso dia grátis e que a morte quando viesse fosse isenta de sofrimento. Meu Deus doce Inês, como é tanto o que pedes quando até a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer. Parece-me mesmo que o que pedes está no fundo de uma lenda recolhida. Mas ainda bem que o que pedes é por escrito, pois só a palavra escrita é que conta, sobretudo, quando as ideias visitantes nos deixam sem se despedirem ou permanecem como lembranças que se evaporam.

 

E digo-te que me é tão poderoso e justo o que pedes que muito me afoitei já nas viagens que fiz procurando os locais onde dormem as certezas, e tanto, ou, apenas e tudo, para me certificar que uma certeza virá até mim e abrir-me-á as portas ao páteo dos jardins, daqueles que lá mesmo no centro, todos, os dias são grátis e medusados de tão leves, e eu mesmo sem ter lido a tua carta, logo corro para ti, para te trazer até lá. Lá, onde também a inquietude da morte não é sentida ou visível, é mera presa atada pelos nossos amores a que ela obedece.

 

Querida Inês, como é funda a tua fala, e tão vital e tão irónica. Julgo conhecer-te o suficiente para assim neste conversar contigo, dizer que te entendo tanto que chamo a este teu/meu desejo o de “Última Importância” depois dos essenciais.

 

Pudera eu Inês dar-te um dia grátis e uma morte que assegurasse em paz a função que mais desejas. Todavia, minha framboesa Amiga, só temos poder sobre quem nos teme e bem receio que a vida conhece bem seus donos e por entre eles não estamos nós.

 

Um dia, devo dizer-te, encontrei em casa de um amigo, um alferes vindo da guerra de Angola que me disse libertar-se de cada dia como de um peso absurdo, já que os dias dizia, obrigam a deitar fora tempo de vida e então riscava os dias numa espécie de calendário que arranhava na memória e aguardava desta forma o seu/teu/meu dia grátis.

 

À morte não se referia. Disciplinou-se. Não a podia matar.

 

Querida Inês cuida que até os sonhos são vingativos. Na volta do correio te respondo logo.

 

Tua Amiga

 

Isa

Teresa Bracinha Vieira