Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
1. É um passo extraordinário do Evangelho segundo São Lucas.
Numa aldeia a caminho de Jerusalém, Betânia, Marta, a dona da casa, convidou Jesus, e, claro, querendo receber bem, como é próprio de uma dona de casa que convida um hóspede ilustre, afadigava-se a trabalhar. Entretanto, a sua irmã, Maria, sentada aos pés de Jesus, na posição própria do discípulo que escuta um rabi, um mestre, pôs-se a ouvir a palavra d’Ele. O trabalho era tanto que Marta veio ao encontro de Jesus e, compreensivelmente, quase em termos de repreensão, atirou-lhe: “Senhor, não te importas que a minha irmã me tenha deixado sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me.” Jesus respondeu: “Marta, Marta, andas inquieta e agitada com muita coisa, quando uma só é necessária! Na verdade, Maria escolheu a melhor parte, que lhe não será tirada.”
2. Ao longo dos tempos, sobre este texto sucederam-se os comentários. Que Marta representa a acção e Maria a contemplação. Mestre Eckardt, paradoxalmente, chamou a atenção para o facto de a verdadeira mística ser, afinal, Marta, no contexto do que se chamou “a mística de olhos abertos”, dirigida à acção a favor dos outros. A contemplação sem acção, sem compaixão, pode não passar de pura ilusão. De qualquer modo, é essencial sublinhar o que raramente ou mesmo nunca se diz: Jesus está a afirmar que as mulheres também podem e devem ser discípulas. Não é por acaso que Maria está precisamente na posição do discípulo: aos pés de Jesus, escutando a sua palavra. Contradizendo o que estava determinado, Jesus teve discípulos e discípulas; as mulheres não podem estar confinadas ao serviço da casa.
3. Numa leitura abrangente e essencial, o que o texto propugna é uma Igreja das duas irmãs e a vida de todos, de cada um e de cada uma, tem de ser a sínteses das duas irmãs. Também na política.
Concretizando.
3.1. Há hoje muitos que não querem trabalhar e vivem pura e simplesmente encostados ao Estado, aos outros, aos contribuintes. Não é só não procurarem trabalho, é mesmo recusar trabalhar ou ser descuidado no trabalho... Isso é bem conhecido. Ora, o ser humano tem como uma das suas características ser laborans (trabalhador). Não apenas para ganhar a sua vida — uma expressão extraordinária, embora dura: a vida foi-nos dada e, depois, é preciso ganhá-la, e uma das coisas que me têm sido ensinadas pela experiência é que quem nada tem que fazer para ganhar a vida, trabalhando, porque tudo lhe é oferecido, nunca atinge a adultidade —, mas também para se realizar autenticamente em humanidade. De facto, é transformando o mundo, que a pessoa se transforma e faz. Isso é dito no étimo de duas palavras: a palavra trabalho vem do latim, tripalium, que era um instrumento de tortura (trabalhar não é duro?), mas também dizemos de alguém que realizou uma obra e que se vai publicar as obras de alguém (do latim, opera) — em inglês, trabalhar diz-se to work, e em alemão Werk é uma obra, sendo o seu étimo érgon, em grego. Ai de quem, à sua maneira, não realiza uma obra, a obra primeira que é a sua própria existência autêntica!
3.2. Mas ninguém pode ficar absorvido, cansado e morto pelo activismo de Marta. Até Deus, no princípio, segundo o livro do Génesis, determinou um dia de descanso semanal, o Sábado, para que o Homem se lembrasse de que não é uma besta de carga. Todos precisamos de integrar na vida a atitude de Maria. Descansar, repousar, festejar, fazer férias (etimologicamente, férias são dias festivos). Ah! E tempo para a beleza, e para a família, tempo para os amigos, tempo para o silêncio, para o encontro consigo. Nestes tempos de dispersão, de corrida louca (para onde?), perigo maior é o do esquecimento de si e da alienação. Nestes tempos de extimidade, do fora extremo, tempos da perdição, precisamos do outro lado: cultivar a intimidade, dialogar na intimidade, lá no mais íntimo, com a Fonte de ser e do ser. Ah! E ouvir o silêncio, lá onde se acendem as palavras vivas e luminosas e o sentido do existir. É preciso constantemente pedir com Sophia de Mello Breyner: “Deixai-me com as coisas/Fundadas no silêncio.” Aí, meditar. Quem sabe da sabedoria das palavras? Meditação, moderação, medicina têm um étimo comum: o verbo latino mederi — a raiz é med: pensar, medir, julgar, tratar um doente —, que significa medir, cuidar de, tratar, medicar, curar... Tanto se busca fora e longe o que está dentro e tão perto!
3.3. Os políticos também precisam? Se precisam!... Como é possível a Assembleia da República ter deixado 170 diplomas para o seu último dia de votações?! Uma vergonha! Quando é que os políticos meditam e pensam em profundidade o que é preciso pensar, longe do ruído tagarela e vazio e dos holofotes que cegam e estonteiam?
4. Dei muito recentemente um pequeno curso sobre “Grandes Mitos da Humanidade”. Assim, um pouco à maneira de apêndice, deixo aí aquele que considero um dos mitos mais actuais e que diz o amor impossível: o mito de Eco e Narciso.
Narciso, enamorado da sua própria imagem reflectida na água, deixou de comer, de distrair-se com qualquer outra coisa, e ficou apenas uma flor, um narciso. A ninfa Eco, tagarela infindável, foi castigada pela deusa Hera, pois a sua tagarelice impedia-a de vigiar o seu divino esposo Zeus, que a traía: ficou muda, sem voz própria, repetindo apenas em eco as palavras alheias.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 28 JUL 2019
Há oito dias, lembrei uma capa de “O Mosquito”, hoje trago-vos uma velha capa do “Diabrete”, título marcado pela direção de Adolfo Simões Müller (1909-1989), revista nascida em janeiro de 1941. Como sabemos, foi “O Papagaio”, no tempo de Simões Müller, que publicou pela primeira vez em Portugal as aventuras de Tintin. Saído da Renascença, o professor e jornalista tentaria levar consigo as aventuras do repórter belga, o que apenas conseguiu depois de muita persistência para convencer Hergé. Não se esqueça que foi por intermédio do Padre Abel Varzim (1902-1964) que foi conseguida pelo Monsenhor Lopes da Cruz (1899-1969) a tradução pioneira para português das aventuras de Tintin, na altura designado como Tim-tim. Portugal não só foi o primeiro país não francófono a publicar a tradução dessa obra, que se tornaria essencial na história da Banda Desenhada e das modernas Artes Plásticas (colocando Hergé a par de Andy Wharol e Roy Lichtenstein), mas também porque foi onde pela primeira vez se introduziu cor nessa narrativa ilustrada. O “Diabrete” durou até à última semana de 1951 e deu lugar ao “Cavaleiro Andante”. E podemos dizer que Fernando Bento (1910-1996), também gráfico do “Cavaleiro Andante”, foi essencial no caminho seguido pelo “Diabrete”, que se traduziu num claro aperfeiçoamento das histórias de quadradinhos em Portugal, que ganharam uma dimensão que pode comparar-se à melhor evolução extra muros. Com o tempo, a imprensa juvenil foi ganhando maior importância na ilustração e na ligação entre a narrativa e o desenho. Lembremo-nos de que “O Papagaio”, revista fundada em 1935, começou por ter pouca ilustração, apesar da qualidade se ter afirmado desde muito cedo, designadamente com um dos grandes artistas portugueses do século, Júlio Resende (criador de Matulão e Matulinho)… É muito significativo que em Portugal se tenha desenvolvido o género, em ligação estreita com o modernismo e os caricaturistas, desde Almada Negreiros, Stuart, Cottinelli Telmo, Carlos Botelho ou Emmérico Nunes… É essa a genealogia que deve ser lembrada e que chega ao nosso melhor século XIX com Rafael Bordalo Pinheiro. Desde Zé Povinho e Maria Paciência, a Quim e Manecas, indo aos apontamentos de Fernando Bento com Filipim – podemos dizer que há em Portugal uma evidente repercussão da melhor criatividade europeia…
O apontamento que hoje damos é do “Cavaleiro Andante” (1957), mas vem na linha do muito que já encontramos de F. Bento no “Diabrete”…
Não resisto ainda à tentação de uma nota final. Tenho estado em permanente contacto com a BBC. Guardo de Conrado o prudente silêncio. Aguardo serenamente sobre qual o caminho escolhido por Boris Johnson – se a pura ilusão se o realismo. E como ele conhece bem a biografia de Winston Churchill, seria bom que relesse com cuidado o discurso de Zurique de 19 de setembro de 1946, de fio a pavio. E sugiro que leia mesmo tudo, não a parte sobre a Europa, mas sobre a Inglaterra, a paz e o desenvolvimento. O Império britânico não é uma abstração histórica. Ter influência real, obriga a ter os pés no chão… Se recuso a mera ironia sobre cabeleiras, obrigo-me a levar a sério a minha anglofilia. O erro maior já foi cometido: fazer um referendo absurdo que só dividiu os britânicos. Por isso, não há referendos constitucionais na Suíça e as decisões fundamentais têm de contar com a maioria das duas câmaras, alta e baixa, a maioria dos cantões e a maioria da população. O que começa mal tarde ou nunca se endireita. Estive ontem aqui em casa a tomar uma bela chávena de chá com skones de receita da minha mãe com os meus queridos amigos Gregor Mc Gregor e Éamon Patrick Longford – que estão deveras apreensivos, temem pelo futuro do Reino Unido, por uma cegueira que corresponde aos tempos mais negros e incertos… Mc Gregor lembra que não há gloriosa Britannia sem a coragem e a inteligência escocesas. E Longford disse ter erradamente julgado que o velho clima de guerra, que tantas vidas custou, tinha terminado, esqueceu-se o que aconteceu na trágica grande fome… Saíram daqui às tantas, com muito pessimismo, mas voltaremos ao tema.
Escolhi para terminar o belo poema da Fiama Hasse Pais Brandão, que ontem lembrámos:
“O Canto da Chávena de Chá”
Poisamos as mãos junto da chávena sem saber que a porcelana e o osso são formas próximas da mesma substância. A minha mão e a chávena nacarada – se eu temperar o lirismo com a ironia – são, ainda, familiares dos pterossáurios. A tranquila tarde enche as vidraças. A água escorre da bica com ruído, os melros espiam-me na latada seca. É assim que muitas vezes o chá evoca: a minha mão de pedra, tarde serena, olhar dos melros, som leve da bica. A Natureza copia esta pintura do fim da tarde que para mim pintei, retribui-me os poemas que eu lhe fiz de novo dando-me os meus versos ao vivo. Como se eu merecesse esta paisagem a Natureza dá-me o que lhe dei. No entanto algures, num poema, ouvi rodarem as roldanas do cenário, em que as palavras representavam a cena da pintura da paisagem num telão constantemente vário. Só o chá me traz a minha tarde, com a chávena e a minha mão que são o mesmo pedaço de calcário. Hoje a bica refresca a água do tanque, os melros descem da latada para o chão, e as vidraças devagar escurecem. As palavras movem-se e repõem no seu imóvel eixo de rotação o espaço onde esta mesa de verga gira nas grandes nebulosas.
Os actores são como as cobras: estão sempre a mudar de pele.
Mas alguns, poucos, só têm uma. Com um dramatismo que nenhuma cobra conhece, vivem mal na própria pele. Greta Garbo e Humphrey Bogart são exemplos canónicos. Da pele de actor, Bogart escondeu-se num milhão de whiskies, Garbo em golfadas de solidão.
Às angústias de Garbo e Bogart sucedeu a neurose de Marilyn e Brando. Já não é apenas a pele. Também vivem com desconforto a religião de que são deuses. Marilyn ainda acreditava no cinema como arte. Foram outros, aqueles em que ela buscava caução, a começar no azedo marido escritor, Arthur Miller, a pôr em dúvida os geniais filmes de Hawks e Wilder em que entrou. Marlon Brando, em matéria de dúvidas, era auto-suficiente. Comparo-o a uma bica dupla, uma bomba de cafeína que não deixa ninguém dormir: duvidava de si e duvidava do cinema.
A Brando guiava-o um puritanismo batido a idealismo salvífico. Via o cinema como guardião do bem e os filmes como uma arma de desenvolvimento moral. Se algum dia tivesse sido o que Brando achava que devia ser, o cinema já teria acabado.
O escritor Truman Capote, que passou com ele noites inteiras a conversar, contou um episódio ilustrativo. No Japão, filmavam “Sayonara” junto a um templo budista. De repente, de uma porta de incenso, irrompe a cabeça rapada de um monge, olhos e boca a sorrirem para pedir a Brando uma fotografia autografada. A frustração estampou-se na cara do actor. Um furioso raciocínio rasgou-lhe o cérebro: para que quereria um monge budista um autógrafo dele? Um monge budista, retirado do mundo, deveria ser puro espírito, uma tosta mista de oração e contemplação. Brando não sabia o que fazer com a alegria fútil do monge, com a aceitação da variedade e vaidade do mundo implícita num pedido de autógrafo.
Se acreditássemos no que disse em entrevistas e no autobiográfico “Songs My Mother Taught Me”, Brando teria apagado a sua personagem de “The Wild One”, teria silenciado os dilacerados gritos de “Hey Stellaaaa!” no “A Streetcar Named Desire” e, no “On The Waterfront”, nunca teria deixado Rod Steiger chorar na famosa cena em que eram pela última vez irmãos.
Brando via-se a si mesmo com o rigor puritano de um Pol Pot, vá lá, um Savonarola. Exterminaria as suas personagens se deixado sozinho com elas. Quando lhe puseram um filme nas mãos, despediu o realizador, Kubrick, e um dos argumentistas, Peckinpah. (“Go fuck yourself”, foi o singelo adeus de Kubrick.)
Brando produziu, meteu mais do que um dedo no argumento e realizou esse pessoalíssimo projecto de que foi protagonista. Pasme-se: não adaptou Shakespeare, Joyce ou Beckett. Fez um simples western, “One Eyed Jacks”. Sem surpresa, era um belo filme, a solitária obra-prima do realizador Marlon Brando.
Taras Shevtchenko (1814-1861) é um dos símbolos da Ucrânia moderna, tendo sido poeta, pintor, desenhador, artista e humanista, fundador da literatura moderna ucraniana e visionário.
COMPREENDER A UCRÂNIA Ao longo da história, Kiev, capital da Ucrânia, é uma das cidades mais antigas e com maior riqueza histórica da Europa Oriental, tendo passado por diversas fases de notoriedade e de decadência. A urbe foi fundada pelo menos no século V da nossa era, como um entreposto comercial, tendo ganho progressivamente importância, a ponto de se tornar o centro da civilização eslava oriental, até passar a ser a capital política e cultural entre os séculos X e XII. Importa lembrar que a Igreja Ortodoxa Russa se afirmou com especial intensidade no século IX em Kiev, lugar onde, segundo a tradição, Santo André teria profetizado a criação de uma grande e influente cidade cristã. Daí que o nascimento da Terceira Roma tenha tido as suas raízes em Kiev, ainda que com a queda de Constantinopla (1453), Moscovo se tenha afirmado como sucessora de Roma, em virtude de Kiev estar numa fase de subalternização. De facto, Kiev foi completamente destruída pelos mongóis em 1240, tendo então perdido grande parte de sua influência. Tornou-se então uma capital de província de pouca relevância na periferia dos territórios controlados por vizinhos mais poderosos: o Grão-Ducado da Lituânia, a Polónia e a Rússia. A cidade apenas voltou a prosperar com os primeiros sinais da revolução industrial russa no final do século XIX. Após o período turbulento que se seguiu à Revolução Russa de 1917, Kiev passou a ser uma cidade importante da República da Soviética da Ucrânia e, a partir de 1934, sua capital. Durante a Segunda Grande Guerra, Kiev voltou a sofrer danos pesados, mas recuperou no pós-guerra, continuando a ser a terceira maior cidade da hoje Federação Russa. Em 24 de outubro de 1945, a Ucrânia foi aceite como membro das Nações Unidas com a Belarus, conseguindo assim o então bloco soviético três votos formais. Com o colapso da União Soviética e a independência real da Ucrânia em 1991, Kiev manteve-se como capital do país.
KIEV E A CULTURA ESLAVA Muito se tem falado da cultura ucraniana, nem sempre com conhecimento de causa. De facto, o que hoje é a Ucrânia corresponde a um território sob as influências dos Impérios dos Habsburgos e da Santa Rússia, pelo que é um lugar único onde as culturas do oriente e do ocidente se cruzam, devendo haver uma especial compreensão dessa realidade. Taras Shevtchenko é um símbolo dessa determinação. Foi um poeta, pintor, desenhador, artista e humanista ucraniano, fundador da literatura moderna ucraniana e visionário da Ucrânia moderna. O poeta nasceu 25 fevereiro de 1814 em Morintsy província de Kiev (hoje, região Cherkasy). Seu pai era um servo que pertencia ao senhorio Engelgardtu. A vida de Taras foi, assim, marcada pela situação dramática dos servos da gleba, que persistiram até muito tarde na sociedade russa. Taras revelou, no entanto, desde muito cedo as suas excecionais qualidades artísticas que, aliás, lhe permitiram obter a liberdade em 1838, por 2.500 rublos, graças à qualidade da sua arte revelada no modo como executou a difícil encomenda de um retrato. Os melhores anos da vida de Taras situam-se entre 1840 e 1847, nos quais o seu talento poético floresce. Em São Petersburgo, em 1840, escreve uma primeira coleção de poemas "Kobzar", que o tornam admirado e célebre, interpretando os sentimentos do povo ucraniano. Lança, assim, as bases para uma nova era na história da língua e da literatura do seu povo. O poema épico "Haydamaky" – a mais importante obra de Shevchenko - aparece em 1841-42. Entre outras obras deste período, salientem-se: em 1838, "Katherine"; em 1842, "Blind", bem como o drama de 1843 "Nazar Stodolya", além de "Sonho" (1844) e "Cáucaso" (1845). A denúncia do despotismo e da discricionariedade são evidentes, apelando o poeta à conquista da liberdade. Tal é evidente no célebre «Testamento» de 1845, aqui lembrado em tradução livre: «Quando eu morrer, sepultai-me /Na minha amada Ucrânia./ Meu túmulo ficará sobre um monte elevado, / No meio da planície, /Entre campos e estepes sem limites, / Cuja margem mergulha no Dniepre, / Onde meus olhos possam ver e meus ouvidos ouvir / O rugido poderoso do rio. / Quando os ursos da Ucrânia / Lançarem no profundo mar azul / O sangue dos inimigos, / Então, eu vou deixar esses montes / E campos férteis / e voar para longe / Para a morada de Deus / Onde irei rezar. / Mas até esse dia / Eu nada saberei de Deus. / Depois de me enterrarem, porém, levantem-se. / E quebrem as cadeias que nos prenderam. / Lancem na água o sangue dos tiranos / E comemorem a liberdade que irão conquistar./ E na grande família nova, / A família do livre, do Justo e do Fraterno, / Com fala serena e palavras amáveis, / Lembrem-se também de mim».
UMA REFERÊNCIA PERENE Shevtchenko viajou por toda a Ucrânia. As aspirações emancipadoras do escritor e poeta, reforçaram-se no contacto com os camponeses de Chernihiv, Poltava e Kiev. Em 1846, Taras terá entrado na sociedade secreta de Cirilo e Metódio, fundada no ano anterior por alunos e professores da Universidade de Kiev e composta de jovens interessados no desenvolvimento dos vários povos eslavos, incluindo ucraniano. A pouco e pouco, Taras Shevchenko tornou-se um símbolo, em especial para os mais jovens e para os cultores da identidade ucraniana. No entanto, os últimos anos de vida foram dominados pela doença, em parte originada pelas dificuldades da vida e pelos excessos da juventude. A morte encontrou-o em S. Petersburgo em 26 de fevereiro de 1861, um dia depois de ter completado 47 anos … Hoje, a sua memória é venerada pelo povo ucraniano, como um símbolo, mas mais do que isso, como um exemplo de determinação, de amor à liberdade, às tradições populares, às raízes da cultura. É assim de toda a justiça, em homenagem à diáspora ucraniana em Portugal, que a memória do grande artista, do autor fique perpetuada entre nós – mantendo na lembrança o seu inesquecível “Testamento”.
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença
Não sei ainda explicar por que deixei a tua companhia ou, melhor dizendo, porque deixei de te levar a companhia das minhas cartas. É certo que a morte sucessiva de vários e queridos amigos - e, sobretudo, a do meu último irmão, o Gaëtan - me abalou e destruiu paredes cujo convívio, à minha volta, me protegia. Assim fiquei, não sei se entre ruínas ou se apenas só e perdido num deserto que desconhecia. Mas até os desertos - ou eles mesmos mais ainda - abrigam, na aparente e infinita desolação, oásis onde renascem e desabrocham as flores de muitas amizades. E têm sido muitas as que carinhosamente me acolhem e dão sustento, sempre mais presentes e prontas na vida real do que miragens que, por aí, se lançam aos ventos. Muitas vezes pensossinto comigo que nunca perderei essa forma temporal e terrena da esperança, que creio ser a confiança visceral no valor divino do humano, enquanto for conseguindo enxergar tantos bons samaritanos pelos caminhos das nossas vidas.
São esses santos, sempre, hierofanias, manifestações do sagrado, da presença de Deus connosco no quotidiano. Jesus diria que só gente de pouca fé pedirá outros sinais, milagres e aparições, ou mais ainda, por uma qualquer eficácia de gestos mágicos sacrificiais. Mas só o amor do próximo é como um raio do divino em qualquer coração da humanidade. Li hoje (17/9/19), no jornal em linha Sete Margens, um texto de Sara Jona Laisse, docente de Cultura Moçambicana na Universidade Politécnica (Moçambique), intitulado "Albino não morre, só desparece"? E se fôssemos "bons samaritanos"?:
... Amar o próximo é um mandamento em qualquer tradição do mundo. Já o referi, neste espaço, quando comparei os mandamentos da "lei de Deus", de tradição católica, aos mandamentos da cultura e religião bantu, e acredito que nenhuma religião no mundo nos mande o contrário. Haverá, certamente, em cada canto deste mundo, um convite a sermos bons samaritanos.
São Leão Magno, o Papa que enfrentou Átila, o Huno, diz, de modo muitíssimo melhor do que eu, o essencial dos meus textos intitulados COMO OS CRISTÃOS SE TORNARAM CATÓLICOS, já publicados no bloque do Centro Nacional de Cultura - e que também te enviarei, a ti e a mutos amigos - nos trechos do seu Sermão XII e da sua Carta XXVIII a Flaviano, aqui transcritos:
É indubitável, caríssimos, que o Filho de Deus se uniu à natureza humana tão intimamente que não só nesse homem, que é o Primogénito de toda a criatura, mas também em todos os seus santos, está o mesmo Cristo. E como a Cabeça se não pode separar dos membros, também os membros se não podem separar da Cabeça.
E se é certo que não é próprio desta vida, mas da eterna, que Deus seja tudo em todos, também é verdade que, já desde agora, Ele habita inseparavelmente no seu templo, que é a Igreja, segundo a sua promessa: Eu estou convosco todos os dias até ao fim dos tempos.
Portanto, tudo o que o Filho de Deus fez e ensinou para a reconciliação do mundo, podemos reconhecê-lo não só na história do passado, mas senti-lo também na eficácia do que ele opera no presente.
... A humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza pela força, a mortalidade pela eternidade. Para saldar a dívida da nossa condição humana, a natureza impassível uniu-se à nossa natureza passível, a fim de que, como convinha para nosso remédio, o único mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, pudesse ser submetido à morte como homem e dela estivesse imune como Deus.
Numa natureza perfeita e integral de verdadeiro homem, nasceu o verdadeiro Deus, perfeito na sua divindade, perfeito na sua humanidade. Por «nossa humanidade» queremos dizer a natureza que o Criador desde o início formou em nós, e que Ele assumiu para a renovar.
E se, seja qual for a nossa religião, ou mesmo nenhuma, soubermos ouvir esse apelo do amor de Deus que atravessa a nossa humanidade, a de todos nós, não será só ela a renovar-se, mas toda a face da terra... O meu irmão Gaëtan será, como tanta outra gente que, por aí, vai aprendendo a olhar-se e aos outros, um exemplo de que o amor do próximo, ou seja, a atenção aos outros, não nos nega, não nos esconde, antes nos projeta e põe no nosso lugar: na «nossa humanidade», nessa natureza que o Criador desde o início formou em nós...
Tal «natureza» que, de si mesmo, tão bem - e sempre tão perscrutadora e interrogativamente - foi desenhando nos seus autorretratos, procurou também, quiçá se como comunhão eucarística, nos rostos humanos que encontrava, ao longo de muitos anos, nas ceias de Natal com sem-abrigo, que servia e partilhava, de preferência a sentar-se à mesa mais rica (?) de familiares e amigos. Talvez lembrado do que Jesus dizia sobre quem era a sua família... Nunca lhe perguntei porquê. Hoje, quando já não posso ouvir qualquer resposta da sua boca, talvez escute, num murmúrio da alma, minha Princesa de mim, a história antiga de que ser humano é andar peregrinamente à procura.
Em diversos artigos, e designadamente no anterior, evocamos Ventura Terra (1866-1919) como arquiteto de edifícios vocacionados para o espetáculo teatral. Nesta celebração do centenário da sua morte, é oportuno pois referir o Tetro Politeama, e por diversas e óbvias razões.
Desde logo, por se tratar de projeto arquitetónico de excecional qualidade, como aliás são todos os que Ventura Terra criou. Mas neste caso concreto, é um teatro que, em boa hora, se mantém em plena atividade, marcando desde a origem a vida cultural de espetáculo de Lisboa: é teatro, como tal foi concebido, mas durante décadas funcionou como cinema, e conciliou essas atividades alternadamente dominantes com toda a abordagem das expressões de cultura e de arte. Quantas vezes lá se realizaram concertos e outros espetáculos musicais!
Mas mais: inaugurado em 1912, este Teatro-Cinema Politeama, não obstante as alterações no interior, desde logo se impôs pela imponência da fachada e pela harmonia da sala de espetáculos Sendo certo que aí se registaram alterações: e aqui evocamos as frisas.
Mas no conjunto, a sala tal como hoje se encontra, permite a justíssima evocação da sua qualidade, notável desde a origem. E nesse aspeto, justifica-se a referência à decoração do teto e da própria sala, projetos de Veloso Salgado e de Benvindo Seia.
Vale a pena recordar alguns dados históricos do Politeama e a tradição cultural que trouxe até hoje. Basta enumerar os autores que lá foram representados, e os atores que os representaram: e reportamo-nos apenas e tão só a nomes que hoje constituem património “histórico”...
Pois, sem querer entrar em notícias mais recentes, aqui lembramos que pelo Teatro Politeama passaram, trabalharam e fora aplaudidos artistas como Amélia Rey Colaço, Ângela Pinto, Adelina Abranches, Aura Abranches, Palmira Bastos, Chaby Pinheiro, Vasco Santana, Laura Alves...
E foram representados textos de D. João da Câmara, Raul Brandão, Alfredo Cortez, Ramada Curto... e aqui só evocamos, propositadamente, nomes que são “históricos” no teatro português!
LIII - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (VI)
Nem é verdade que haja um número pouco representativo de turistas falantes de português (além dos emigrantes lusófonos), sendo significativo o número de portugueses e brasileiros com que me cruzo por lugares e países que conheço, omissão que não se justifica, por maioria de razão, em relação a outros idiomas, que apesar de menos falados e com menos turistas são, por comparação, mais divulgados e oficializados.
Esta indiferença de afirmação e de laxismo no reconhecimento da nossa identidade via língua inferioriza-nos, originando que nos associem como indígenas de uma língua menor ou de um dialeto castelhano, sendo nós tantas vezes os causadores dessa subsídio-dependência, por acrítica passividade, seguidismo acrítico, ao querermos demonstrar que somos fixes e hospitaleiramente poliglotas, absorvendo e aceitando tudo, tipo permissividade eufórica ou resignação apática.
Se é verdade que não é por esta ou aquela omissão que a língua de Camões não sobrevive, não é menos verdade que tais omissões contribuem para a sua menor visibilidade, de Portugal e demais povos lusófonos, não a dignificando como merece.
De que nos vale o conhecimento e reconhecimento do alheio, se o não houver de nós próprios? Porquê tanta resignação perante o mote de “o que é estrangeiro é que é bom” (embora, na realidade, só seja “bom”, se de um país com um nível de vida superior ao nosso)?
Em certas situações uma desproporcionada permissividade pode representar um perigo, não remediado pela simpatia ou por não querermos parecer patrioticamente vaidosos, negando valor ao que é nosso e por direito próprio se impõe.
Por maioria de razão quando regularmente e em igualdade de circunstâncias não funciona a reciprocidade, mesmo de idiomas menos falados que o nosso.
Conclui-se que muitas vezes inferiorizamos um dos elos e dos símbolos maiores da nossa identidade e dignidade, senão o maior, sendo sabido que um povo que não tem identidade não tem dignidade. Deixemo-nos de complexos de inferiorização e defendamos sempre o que temos de mais profícuo em termos de identidade, sem nacionalismos doentios e recordemos, sem propósitos chauvinistas, que não foi a nossa pequenez territorial que nos impediu de disseminar pelo mundo a língua que falamos, que não é apenas nossa, partilhando-a com outros, que a enriquecem.
Num mundo global as políticas nacionais centram-se, cada vez mais, na esfera cultural, incluindo a língua e o património em geral, sendo Portugal, em restritos termos económicos cada vez menos um país, à semelhança de outros, mas é-o cada vez mais como realidade cultural, a começar pela língua, sendo esta um dos vetores que nos diferencia, com grandes potencialidades lusófonas e lusófilas para, futuramente, nos diferenciar ainda mais.
Se a admiração bacoca, gratuita e papalva pelo que não é nosso, e o fazer-se gala de não se ter qualquer preferência nacional são manifestações provincianas, por primazia de razão no que toca a um complexo de inferioridade linguístico amputador duma alegria e mais-valia de que, num sentido saudável, nos devemos orgulhar. Ao vivermos tão obcecados com o que nos falta, somos incapazes de beneficiar do que temos de bom e de melhor.
Indicia-se sofrermos de um complexo de inferioridade em relação ao estrangeiro mais forte ou de um nível de vida superior, com algumas elites azedas e totalmente estrangeiradas que gostariam de ter nascido noutro país, inferiorizando o seu, sempre que podem, com reflexos no complexo de inferioridade linguístico, tendencialmente imitado pelo cidadão comum, dada a ausência duma liderança estratégica e responsável e duma não consciencialização dos direitos e deveres de cidadania.
O que é extensivo a muitos lusófonos cultores da secundarização duma língua comum, como que derivado de um complexo de inferioridade sem sentido e associado a uma espécie de fatalidade ou sonho sempre adiado, a uma vergonha envergonhada colada a uma pretensa falta de orgulho, de amor-próprio e de não visibilidade maior dos respetivos países no jogo de poder à escala mundial, havendo necessidade duma estratégia que a defenda e divulgue como língua de vanguarda e de exportação, ao invés do estatuto de língua dominada que vem tendo, crescentemente, na União Europeia.
Não sendo adepto de qualquer forma de nacionalismo ou patriotismo exacerbado ou não saudável, lamento esta indiferente desistência, algo comum a muitos de nós, com consequências de inferiorização a nível linguístico, embora esperançado numa estratégia não apenas nossa, mas também nossa.
Aqui estou de novo a responder às tuas cartas tentando repor alguma regularidade. Parece que passam mil séculos atropelando-se ou presumindo-se de se entenderem sempre que não tenho noticias tuas, ou, tu de mim não recebes a prosa das longas viagens em que nos ficamos sempre que as palavras das cartas que deviam ter seguido se interrompem.
Mas dizes-me, na tua penúltima carta, e a propósito do teu cansaço, que querias um extenso dia grátis e que a morte quando viesse fosse isenta de sofrimento. Meu Deus doce Inês, como é tanto o que pedes quando até a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer. Parece-me mesmo que o que pedes está no fundo de uma lenda recolhida. Mas ainda bem que o que pedes é por escrito, pois só a palavra escrita é que conta, sobretudo, quando as ideias visitantes nos deixam sem se despedirem ou permanecem como lembranças que se evaporam.
E digo-te que me é tão poderoso e justo o que pedes que muito me afoitei já nas viagens que fiz procurando os locais onde dormem as certezas, e tanto, ou, apenas e tudo, para me certificar que uma certeza virá até mim e abrir-me-á as portas ao páteo dos jardins, daqueles que lá mesmo no centro, todos, os dias são grátis e medusados de tão leves, e eu mesmo sem ter lido a tua carta, logo corro para ti, para te trazer até lá. Lá, onde também a inquietude da morte não é sentida ou visível, é mera presa atada pelos nossos amores a que ela obedece.
Querida Inês, como é funda a tua fala, e tão vital e tão irónica. Julgo conhecer-te o suficiente para assim neste conversar contigo, dizer que te entendo tanto que chamo a este teu/meu desejo o de “Última Importância” depois dos essenciais.
Pudera eu Inês dar-te um dia grátis e uma morte que assegurasse em paz a função que mais desejas. Todavia, minha framboesa Amiga, só temos poder sobre quem nos teme e bem receio que a vida conhece bem seus donos e por entre eles não estamos nós.
Um dia, devo dizer-te, encontrei em casa de um amigo, um alferes vindo da guerra de Angola que me disse libertar-se de cada dia como de um peso absurdo, já que os dias dizia, obrigam a deitar fora tempo de vida e então riscava os dias numa espécie de calendário que arranhava na memória e aguardava desta forma o seu/teu/meu dia grátis.
À morte não se referia. Disciplinou-se. Não a podia matar.
Querida Inês cuida que até os sonhos são vingativos. Na volta do correio te respondo logo.
1. A Igreja tem dentro dela, inevitavelmente, uma tensão, que a conduz a um paradoxo. Esta tensão e este paradoxo foram descritos de modo penetrante, preciso e límpido pelo sociólogo Olivier Robineau, nestes termos: “A Igreja Católica é uma junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção — o descentramento segundo o amor — e um chefe supremo dirigindo uma instituição hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico. De um lado, a crença no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e jurídico à procura de visibilidade. O Deus do descentramento dos corações que caminha ao lado de uma máquina dogmática centralizadora. O discurso que enaltece uma alteridade gratuita coexiste com o controlo social das almas da civilização paroquial — de que a confissão é o arquétipo — colocado sob a autoridade do Papa. Numa palavra, a antropologia católica tenta associar os extremos: a graça abundante e o cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a Torquemada.”
2. É com este paradoxo que o Papa Francisco tem de conviver, ao mesmo tempo que tem feito o seu melhor para dar o primado ao Evangelho, ao Deus-Amor, para que a Igreja enquanto instituição — e é inevitável um mínimo de organização institucional — não atraiçoe a Boa Nova de Jesus. Ele é cristão, no sentido mais profundo da palavra: discípulo de Jesus, e quer que todos na Igreja se tornem cristãos, a começar pela hierarquia.
Assim, tem denunciado as doenças da Cúria, avisa os bispos e cardeais para que não sejam príncipes, anuncia para breve uma nova Constituição para a Cúria, o governo central da Igreja. Também neste contexto, convocou recentemente para o Vaticano os Núncios do mundo inteiro. As nunciaturas, embaixadas da Santa Sé junto dos governos e das Igrejas locais, são uma herança histórica discutível, mas podem ter um papel decisivamente positivo no mundo para estabelecer pontes a favor da justiça, do desenvolvimento, da paz.
Nesse encontro, com a presença de núncios e delegados apostólicos em 193 países e organizações internacionais, o Papa Francisco, dirigindo-se-lhes directamente, avisou: “Estou contente por encontrar-vos de novo para ver convosco e examinarmos com olhos de pastores a vida da Igreja e reflectirmos sobre a vossa delicada e importante missão”. Acrescentou: “Pensei partilhar hoje convosco alguns preceitos simples e elementares; trata-se de uma espécie de ‘decálogo’, que, na realidade, é dirigido, através de vós, também aos vossos colaboradores e ainda a todos os bispos, sacerdotes e consagrados que encontrais em todas as partes do mundo.”
3. O que aí fica é uma breve síntese desse decálogo.
3.1. O núncio é um homem de Deus.
Ser um homem de Deus significa “seguir Deus em tudo e para tudo”. O homem de Deus “não engana nem defrauda o seu próximo”.
3.2. O núncio é um homem de Igreja.
“Sendo um Representante Pontifício, o núncio, não se representa a si mesmo, mas a Igreja e em particular o Sucessor de Pedro, o Papa.” Por isso, “é feio ver um núncio que procura o luxo, as vestimentas e os objectos ‘de marca’ no meio de pessoas sem o necessário. É um contra-testemunho. A maior honra para um homem da Igreja é ser ‘servo de todos’.” “Ser um homem da Igreja significa defender com coragem a Igreja perante as forças do mal que permanentemente procuram desacreditá-la, difamá-la, caluniá-la.”
3.3. O núncio é um homem de zelo apostólico.
Ele é “o anunciador da Boa Nova e, sendo apóstolo do Evangelho, tem a tarefa de iluminar o mundo com a luz de Jesus ressuscitado, levando-o aos confins da Terra.” “Quem se encontra com ele deveria sentir-se interpelado de alguma maneira.” Não se pode esquecer de que “a indiferença é uma doença quase epidémica que se está a propagar em várias formas, não só entre os fiéis em geral, mas também entre os membros dos institutos religiosos.”
3.4. O núncio é um homem de reconciliação.
Parte importante do trabalho de todo o núncio é “ser homem de mediação, de comunhão, de diálogo e de reconciliação. O núncio deve procurar ser imparcial e objectivo, para que todas as partes encontrem nele o árbitro correcto que procura sinceramente defender e proteger só a justiça e a paz, sem se deixar influenciar negativamente. Se um núncio se fechasse na sua nunciatura e evitasse encontrar-se com as pessoas, atraiçoaria a sua missão e, em vez de ser factor de comunhão e reconciliação, converter-se-ia em obstáculo e impedimento. Não deve esquecer nunca que representa o rosto da catolicidade e a universalidade da Igreja nas Igrejas locais espalhadas por todo o mundo e perante os governos.”
3.5. O núncio é um homem do Papa.
Não se representa a si mesmo, mas o Sucessor de Pedro, o Papa, e “age em seu nome perante a Igreja e os governos.” Aqui, Francisco, certamente pensando também no ex-núncio Viganò, concluiu: “Portanto, é irreconciliável ser um Representante pontifício e criticar o Papa por trás, ter blogues e unir-se, inclusivamente, a grupos que lhe são hostis, a ele, à Cúria e à Igreja de Roma.”
3.6. O núncio é um homem de iniciativa.
“É necessário ter e desenvolver a capacidade e a agilidade para promover e adoptar um comportamento adequado às necessidades do momento, sem cair nunca na rigidez mental, espiritual e humana ou na flexibilidade hipócrita e de camaleão. Não se trata de ser oportunista”, mas de saber passar do ideal à sua implementação concreta, “tendo em conta o bem comum e a lealdade ao mandato.”
3.7. O núncio é um homem de obediência.
Sim, de obediência, mas sabendo que “a obediência é inseparável da liberdade, porque só em liberdade podemos obedecer realmente, e só obedecendo ao Evangelho podemos entrar na plenitude da liberdade.”
3.8. O núncio é um homem de oração.
“O Senhor é o bem que não defrauda, o único que não defrauda. E isto requer um desapego de si mesmo que só se pode conseguir com uma relação constante com Ele e a unificação da vida à volta de Jesus Cristo.”
3.9. O núncio é um homem de caridade activa.
É necessário sublinhar permanentemente que “a oração, o caminho do discipulado de Cristo e a conversão encontram na caridade actuante a prova da sua autenticidade evangélica. E desta forma de vida deriva a alegria e a serenidade mental, porque, nos outros, se toca com a mão a carne de Cristo.”
A caridade também é gratuita. Por isso, Francisco, aqui, adverte para “o perigo permanente das regalias. A Bíblia define como iníquo o homem que ‘aceita presentes por debaixo da mesa, para desviar o curso da justiça’. A caridade activa deve levar-nos a ser prudentes na hora de aceitar os presentes que nos oferecem para ofuscar a nossa objectividade e, nalguns casos, desgraçadamente, para comprar a nossa liberdade. Que nenhum presente nos escravize! Recusai os presentes demasiado caros e frequentemente inúteis ou enviai-os para obras de caridade e nunca esqueçais que receber um presente caro nunca justifica o seu uso.”
3.10. O núncio é homem de humildade.
Francisco concluiu, apelando para a virtude da humildade: “Jesus manso e humilde de coração, faz o meu coração parecido com o teu.”
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 21 JUL 2019
Depois de vos ter dado nota de uma pesquisa profunda que fiz na minha Biblioteca, onde me apareceram exemplares que há muito não via e de que tinha muitas saudades, vou abrir-me convosco para vos dizer que agosto nos espera, cheio de novidades, concursos, histórias inesperadas etc. etc. A semelhança do ano anterior serei eu que ficarei de plantão para assegurar que todos possam ter a companhia diária adequada. Trata-se de uma solicitação dos nossos leitores, que assim desejam manter-se em contacto com a nossa redação. Para não vos deixar sem uma ilustração que valha a pena, deixo-vos uma velha capa de “O Mosquito” (27 de dezembro de 1944, nº 575), ilustrada por Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005), cujo centenário do nascimento passa este ano. E assim posso dizer-vos que todos os dias o Blog do CNC (Raiz e Utopia) e o facebook irão dar-vos três surpresas: um texto sobre um Livro Fundamental da História da Humanidade (serão cerca de 30 títulos), uma capa histórica de uma revista de Banda Desenhada e, como habitualmente, um poema em língua portuguesa. Além disso teremos, dentro de dias, a divulgação do Quiz 2019 com prémios aliciantes. Quem estiver atento à informação cultural do Centro Nacional de Cultura ou do e-Cultura terá mais facilidade em encontrar as respostas. Uma vez que houve pedidos para que vos mostrasse de novo o meu MG A, faço-o com muito gosto! Já o conhecem, mas aqui fica outro ponto de vista.
O poema de hoje é de Vitorino Nemésio, de “O Verbo e a Morte”. Aqui vemos o grande dilema do tempo, tratado de um modo irónico e livre!
A TEMPO…
A tempo entrei no tempo, Sem tempo dele sairei: Homem moderno, Antigo serei. Evito o inferno Contra tempo, eterno À paz que visei. Com mais tempo Terei tempo: No fim dos tempos serei Como quem se salva a tempo. E, entretanto, durei.