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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TRINTA CLÁSSICOS DAS LETRAS

 

«GUERRA E PAZ» DE TOLSTOI (II)

 

As guerras matam e dilaceram as sociedades. Suscitam situações limite. Leão Tolstoi em “Guerra e Paz” (publicado entre 1865 e 1869, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Presença, 2005) analisa o fenómeno de um modo único. A vida e a morte coexistem em cada momento, o heroísmo e a cobardia confundem-se, o instinto de sobrevivência mistura-se com a racionalidade. Tolstoi (1828-1910) compreendeu bem que apenas poderia representar a sociedade ameaçada através de um combate de vida ou de morte… “O historiador apenas se ocupa do resultado adquirido, o artista ocupa-se do facto em si mesmo”. A vontade e o destino, a liberdade e a necessidade lutam entre si. O General Inverno soma a sua força ao método da terra queimada. E o czar Alexandre I torna-se o braço da Providência. O príncipe André Bolkonski morre na sequência de Borodino. É o símbolo heroico e trágico. O conde Pedro Bezukhov assume todas as dúvidas e contradições da transição e casa com Natasha, símbolo da vida – que encontrara e perdera o amor na pessoa de André. Os ideais da revolução francesa confrontam-se com a sociedade tradicional russa. É a Europa em carne viva e prevalece a voz da terra e do sangue. Borodino é o canto do cisne para o Imperador Bonaparte. Napoleão encontra os dias do seu fim nas cidades e nas estepes da Rússia, num combate contra poderosos fantasmas. O destino e a vontade encontram-se e desencontram-se. “O ato humano aparece como uma mistura de liberdade e de necessidade”. Fatalidade? “A história não tem por objeto a vontade do homem, mas a ideia que fazemos dela”. Pedro começa por acreditar na força da liberdade humana, genuinamente, mas o tempo vai levá-lo a desenganar-se. E esse percurso é comum ao do Conde de Tolstoi, que fala da lei psicológica, “que compele o homem que realiza o ato menos livre possível a imaginar imediatamente toda uma série de deduções retrospetivas destinadas a provar a si próprio que é livre”. No fundo, Tolstoi não se limita a relatar-nos um acontecimento romanesco. Talvez haja quem leia “Guerra e Paz” como “A História da Guerra do Peloponeso” de Tucídides. Mas falta a paixão que sentimos por Natasha, quando ansiamos pelo seu reencontro com André, já no leito de morte, na presença silenciosa da princesa Maria… “A inteligência humana não compreende a continuidade absoluta do movimento” – diz-nos Tolstoi. “Enquanto Aquiles percorre a distância que o separa da tartaruga, esta ter-se-lhe-á adiantado a décima parte desse espaço e quando Aquiles tiver percorrido essa décima parte, a tartaruga ter-se-lhe-á adiantado a centésima e assim por diante até ao infinito”. Bezukhov não renuncia a procurar uma explicação para tudo, quer ver com olhos de ver, compreende a importância das contradições e das perguntas sem resposta. A sua aparente distração significa essa procura. Trata-se de distinguir o percurso do ponteiro do meu relógio e o badalar dos sinos da igreja vizinha – são fenómenos distintos, mas sincrónicos. O movimento não sofre interrupção e a História tem de compreender a que leis obedece tal movimento… Rostov, Bezukhov, Bolkonski tecem as teias em que o imperador, o czar e os seus estados-maiores vão agir, numa aparente liberdade plena com capacidade para contrariar a necessidade, sem as terem, verdadeiramente. “O poder não é mais do que uma palavra, cujo significado nos é desconhecido”.

 

Agostinho de Morais

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

LIV - NÃO AO COMPLEXO DE INFERIORIDADE LINGUÍSTICO (VII)     

 

Que têm feito a CPLP, o Instituto Camões, autoridades governamentais, instituições, associações lusófonas e a sociedade civil, para atenuar ou evitar este complexo de inferioridade linguístico?   

 

Uma conclusão é a de que, apesar de vivermos em plena época da globalização, a sua pretensa e alegada uniformização a todos os níveis, incluindo o linguístico, não é tão evidente como seria de esperar. Se tomarmos como termo de comparação o que sucedia há vinte ou trinta anos, concluímos que o número de línguas disponíveis em termos culturais, turísticos e políticos era menor, restringindo-se, à data, normalmente ao francês e ao inglês, fora dos respetivos países falantes, apesar de atualmente o inglês ser a língua global em termos comerciais, negociais e tecnológicos. Conclui-se, pois, que globalização não é, nem tem que ser, sinónimo de uniformização.

 

Pelo lugar que ocupa mundialmente e no mundo ocidental, será legítimo que o nosso idioma tenha outra projeção internacional. 

 

Entretanto, muitas vezes os lusófonos, começando pelos portugueses, pouco ou nada fazem para que o idioma comum ocupe o lugar que lhe compete por direito próprio no mundo contemporâneo, quer numa perspetiva cultural, turística, tecnológica, política, de marketing, etc.

 

Como já referido, há que pôr de lado um certo culto de secundarização da língua portuguesa por parte dos lusófonos, como que derivado de um complexo de inferioridade sem sentido e associado a uma espécie de fatalidade ou de vergonha colada a uma pretensa falta de orgulho e de visibilidade dos respetivos países no jogo mundial.           

 

Será necessário, para tanto, que a CPLP, o Instituto Camões e entes paralelos   ultrapassem o campo das meras boas intenções em conjugação de esforços com as associações e sociedades civis lusófonas, as quais, por vezes, são potenciadoras de mais valias que superam a vontade política dos Estados membros.

 

É necessária uma estratégia que consagre a importância da língua comum como fator de projeção estratégica.    

 

Nesta sequência, fazendo uso das palavras de Vítor Marques dos Santos, “Os povos dos países da CPLP, bem como as comunidades de lusofalantes espalhadas pelo mundo, formam um espaço de expressão cultural, (…) definindo-se em termos de fator de projeção estratégica potencial”. E conclui: “Neste contexto, a CPLP constitui o enquadramento institucional que reúne as condições necessárias à defesa da lusofonia e ao desenvolvimento da língua portuguesa como património cultural, e fator de projeção estratégica, cujo desenvolvimento importa tanto para Portugal, como aos outros países da CPLP” (em “Lusofonia e Projeção Estratégica. Portugal e a CPLP”, Revista “Nação e Defesa”, n.º 109,  2.ª  série, Outono 2004, p. 123). 
coordenação de Óscar Soares Barata, ISCSP, p. 70).   

 

Assim, se o Conceito Estratégico Nacional (Adriano Moreira), ou Conceito Estratégico de Segurança Nacional (Loureiro dos Santos),  engloba os interesses irrenunciáveis e os objetivos primordiais relacionados com a identidade nacional de cada país e a função que pretende desempenhar, ou vai desempenhar, na comunidade internacional;  é inegável, quanto a nós, que a língua portuguesa e a lusofonia são parte integrante e elemento constitutivo de tal noção, não só numa perspetiva nacional, mas também multilateral, lusófona e internacional, seja qual for a terminologia adotada, dado que tais realidades, porque comuns, são  expressões fundamentais de identidade de todos os países da CPLP e comunidades lusófonas espalhadas pelo mundo, quer no plano interno ou externo.     

 

Porém, enquanto a lusofonia é apenas um dos elementos que estão por detrás da CPLP, uma vez que os países membros também têm uma cultura própria não lusófona; já a língua portuguesa é o seu elemento fundamental.           

 

30.07.19
Joaquim Miguel de Morgado Patrício