Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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“A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca” é da autoria de William Shakespeare (1564-1616) e foi escrita entre 1599 e 1601, tendo lugar no Reino da Dinamarca. Conta a história de como o Príncipe Hamlet tenta vingar a morte de seu pai, Hamlet, o rei, executado por Cláudio, seu irmão que o envenenou e em seguida usurpou o trono, casando-se com a rainha Gertrude.
A Dinamarca estava em luta com a Noruega e havia o risco de uma invasão liderada pelo príncipe Fórtinbras. O tema deriva da lenda de “Amleth”, preservada no século XIII pelo cronista Saxo Gramaticus, na sua Gesta Danorum. O reino da Dinamarca é o mais antigo da Europa e começou a consolidar-se no final do século VIII, numa história complexa e rica. Tudo começa numa noite fria no Castelo de Elsinore. As sentinelas dizem a Horácio, amigo de Hamlet, que viram o fantasma do rei morto. E Horácio encontra-se com o Fantasma. Então Hamlet deseja vê-lo com seus próprios olhos e consegue. O espírito revela a Hamlet que Cláudio matou o pai com veneno e pede que o filho vingue tal crime. Hamlet concorda, apesar das dúvidas, decidindo aparentar a loucura para não levantar suspeitas. Ocupados com os assuntos de Estado, Cláudio e Gertrude tentam defender-se da invasão norueguesa. Preocupados com o comportamento de Hamlet e com a sua profunda depressão pela morte do pai, pedem a Rosencrantz e Guildenstern, para descobrirem a causa da estranha mudança de comportamento de Hamlet. Polónio, o primeiro conselheiro de Cláudio, e Laertes, seu filho, de partida para França, não acreditam na sinceridade dos amores de Hamlet por Ofélia, filha de Polónio, dissuadindo-a dessa ligação. Ofélia também está preocupada com o comportamento estranho de Hamlet, mas confessa ao pai que o príncipe vai encontrar-se com ela no palácio. Polónio percebe que Ofélia ama Hamlet, e interpreta a loucura do Príncipe em virtude desse amor – e avisa Cláudio e Gertrude do que se passa. Hamlet mantém a dúvida sobre o segredo revelado pelo espetro e aproveita a chegada a Elsinore de uma trupe de cómicos para encenar a representação do assassinato, para tentar demonstrar a culpa ou a inocência de Cláudio. Quando ocorre a representação do crime, Cláudio ergue-se e abandona a sala, o que Hamlet interpreta como prova de sua culpabilidade. Cláudio teme pela própria vida e decide enviar Hamlet para Inglaterra, com Rosencrantz e Guildenstern, para ser eliminado. Gertrude chama o filho ao seu quarto. No caminho, Hamlet hesita em matar Cláudio, mas não o faz porque este está em oração. Polónio espia por detrás das cortinas, mas denuncia a sua presença. Hamlet julga tratar-se de Cláudio e mata-o com uma estocada certeira através do cortinado. O Fantasma volta a aparecer, continua a pedir vingança, mas pede que Hamlet trate a sua mãe com doçura. Conhecendo a morte do pai, Ofélia enlouquece. Laertes regressa de França e não duvida da culpa de Hamlet. Cláudio propõe a Laertes uma luta à espada com Hamlet onde o primeiro utilizará uma espada envenenada, enquanto a Hamlet será dada uma taça de vinho com veneno. Gertrude dá a notícia de que Ofélia morreu afogada. Junto da que será a sepultura de Ofélia, Hamlet aparece com Horácio e segura o crânio que deve ser do velho bobo Yorick, que conheceu na infância. “Ser ou não ser, eis a questão”. Quando o cortejo fúnebre surge liderado por Laertes, este envolve-se com Hamlet, mas os circunstantes separam-nos. No regresso a Elsinore, Hamlet é desafiado a lutar à espada com Laertes. O duelo inicia-se e Hamlet atinge Laertes três vezes sem ser atingido por ele. Cláudio oferece a taça envenenada a Hamlet, mas este recusa-a e é a Rainha que bebe o vinho. O duelo prossegue e Laertes atinge Hamlet, mas o príncipe da Dinamarca também atinge o antagonista num estoque fatal. A Rainha morre e Laertes também, revelando o plano de Cláudio. Então Hamlet consuma o pedido de seu pai e põe fim à vida do rei. Ao morrer, Hamlet pede a Horácio que viva para poder contar a todos a sua história e a verdade sobre o que havia de podre no Reino da Dinamarca.
(Sophia de Mello Breyner Andresen é autora de uma das mais belas traduções em português desta obra-prima).
Como te disse na última carta, era ainda muito novo quando a leitura de Terre des Hommes me levou a reflectir sobre a complexidade crescente da relação do homem com a máquina, esta sendo aqui entendida em sentido lato, como aparelho abrangendo os de comando simplesmente manual e todos os que respondam a outras energias, mecânicas, eléctricas, ou ainda, nos tempos hodiernos, a programações informáticas que as tornem aparentemente autónomas no seu funcionamento. O livro de que te falo radica numa série de artigos sobre aviação que Saint-Ex. escreveu, a partir de 1932, para a revista Marianne. Reunidos, acabam por se tornar obra de ficção meditativa mais do que colectânea de notas ou reportagens jornalísticas, e dão nova amplitude á reflexão de um piloto aviador sobre o seu próprio ofício, considerado à luz da cultura e da civilização que o circunstanciam. Entre outras questões, levantam, Princesa de mim, a da cada vez mais intrigante dialéctica entre o ser humano e os seus instrumentos, as suas máquinas. E sempre, como sustento de qualquer conto moral, a obsessão perseguidora da nossa vida : O que é Ser Humano?
Sentenças lapidares, escritas há quase noventa anos, são hoje interpelativas de aspectos importantes da nossa condição de homo faber. Assim, por exemplo : L´usage d´un instrument savant n´a pas fait de toi un technicien sec. Il me semble qu´ils confondent but et moyen ceux qui s´effraient par trop de nos progrès techniques. Quiconque lutte dans l´unique espoir de biens matériels, en effet, ne recolte rien qui vaille de vivre. Mais la machine n´est pas un but : c´est un Outil. Un Outil comme la charrue. Também deste texto se destaca a constante preocupação moral do escritor francês : não será por utilizarmos instrumentos aperfeiçoados que nos convertemos em puros técnicos, pois que o utente não se transforma - como o amante na coisa amada - na ferramenta que lhe viabiliza a acção. Além de que o humano que labuta não dará sentido ao seu labor se lhe der só a razão de ser simples gerador de bens apenas materiais. O trabalho humano, o ofício de cada um de nós, vale sobretudo como factor de relacionamento e sentido da nossa vida. E, todavia, a máquina que o sustenta e possibilita, mais não é do que uma ferramenta, um instrumento ao serviço da pessoa. A esta pertence e obedece, tal como a charrua só abrirá na terra os sulcos que o lavrador quiser.
[Abro aqui este parêntese, para introduzir o alerta que, nestes tempos de informatização, digitalização e inteligências artificiais, me surge do pesadelo das notícias, e me assalta : a visão de famílias inteiras, às mesas dos restaurantes, "clicando telèlés e tabletes", de adolescentes que em seus quartos se encerram com as máquinas que lhes trazem "vidas" virtuais e essa contemptatio mundi, cuja seiva não é qualquer espiritualidade, nem contemplação apocalíptica, mas antes um atropelo de ilusões ininterruptamente oferecidas... Como se ser humano não fosse ser em relação, nem o amor convivial a circunstância necessária da construção de um mundo de justiça e paz. Curiosamente, tudo isso acontece numa época em que o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos meios de comunicação, ou media, deveria facultar a acessibilidade mútua de pessoas e culturas. E precisamente quando os centros de mais adiantada investigação e experiência do funcionamento do cérebro humano - designadamente entre os idosos, incluindo centenários - vem demonstrar que o grande tónico e forte conservante da saúde mental é o exercício do diálogo, do convívio, da tertúlia.]
Devo, contudo, regressar à citação de Saint-Ex. respigada de Terre des Hommes (traduzo) : Se julgamos que a máquina estraga o homem, talvez seja por nos faltar o recuo necessário à avaliação dos efeitos de transformações tão rápidas quanto as que padecemos. Nos anos trinta do século passado, talvez tal fizesse mais sentido do que hoje, pensam alguns. Mas eu diria, Princesa de mim, que que me parece ainda bem pertinente - e não pode ser escamoteada - a preocupação de que nos falta o recuo necessário à avaliação dos efeitos de transformações tão rápidas quanto as que padecemos. Sobretudo pela força financeira da chamada revolução informática, cujo poder, crescentemente político também, se vai concentrando num grupo reduzido de agentes que, com seus produtos, invadem os mercados e as vidas de populações inteiras e ainda (só ainda? ou já?) destituídas de capacidades de resistência e libertação dos sistemas e comportamentos que lhes foram sendo impostos. Não te vou pintar um quadro do que se passa e vai aparecendo : olhando à tua volta, Princesa de mim, verás bem, quiçá melhor do que eu, como pode ser inquietante o panorama.
Não consinto, todavia, em virar antiprogressista, considerando maléfico o progresso tecnológico só porque ainda não entendemos bem todos os seus efeitos, decorrentes e colaterais, ou nos sentimos mais seguros quando nos acomodamos ao passado. Escreve Saint-Ex. que a vida do passado nos parece responder melhor à nossa natureza, pela simples razão de que responde melhor à nossa linguagem. E continua, sempre no texto do capítulo III (L´Avion) de Terre des Hommes :
Cada progresso nos foi expulsando para mais longe dos hábitos que tínhamos acabado de adquirir e, na verdade, somos emigrantes que ainda não fundaram a sua pátria.
Todos somos jovens bárbaros maravilhados ainda pelos nossos novos brinquedos. As nossas corridas de aviões não têm nenhum outro sentido. Aquele sobe mais alto, corre mais depressa. Esquecemo-nos do porquê da corrida. Provisoriamente a corrida torna-se mais importante do que o seu objecto. E é sempre assim. Para o colonial que funda um império, o sentido da vida é conquistar. O soldado despreza o colono. Mas afinal o objectivo dessa conquista não seria, precisamente, o estabelecimento desse colono? Assim, na exaltação dos nossos progressos, fizemos os homens servirem para assentar ferrovias, edificar fábricas, perfurar poços de petróleo. E acabámos por esquecer que levantávamos essas construções para servir os homens. A nossa moral foi, enquanto durou a conquista, uma moral de soldados. Mas agora temos de colonizar. Temos de tornar viva esta casa nova que ainda não tem rosto. Para uns, a verdade estará em construir, para outros em habitar.
A nossa casa tornar-se-á sem dúvida, a pouco e pouco, mais humana. E a própria máquina, quanto mais aperfeiçoada, mais se apagará por detrás do seu papel.
Um dos grandes desafios do nosso tempo é, sem sombra de dúvida, a aprendizagem da domesticação dos instrumentos novos, ou ferramentas, que o progresso tecnológico vem pondo ao nosso dispor. Para cumprirmos o preceito humanista de que O Homem é a medida de todas as coisas. Aliás, a lembrança presente deste princípio servirá também de sustento à nossa consideração de outras ameaças que, além da alienação da inteligência humana em aparelhos que nos embotam a consciência e exilam o espírito crítico, planam sobre uma civilização que, não só nos vai constrangendo a liberdade criadora do espírito, como esgotando os recursos da terra que é a nossa circunstância. Muitas vezes me acontece evocar, Princesa de mim, o famoso e já esquecido relatório Meadows (ou do Clube de Roma) que, apesar das suas incertezas e muita coisa incompleta, nos abria os olhos, já lá vão quase 50 anos! Entretanto, vão-se multiplicando os ensaios e as teses acerca do declínio ou desabamento da nossa civilização térmico-industrial, e surge uma nova disciplina da investigação científica : a colapsologia. Designação tão significativa quanto assustadora. O nosso meio-ambiente, a nossa terra, estariam em fase terminal, como já as espécies em vias de extinção! Que este grito, valha o que valer, não nos deixe todavia olvidar "o cerne da questão" : insistimos em ver tudo com estando fora de nós, não só porque nos tornamos estranhos ao mundo que é nossa circunstância, e nossa casa, mas também, quiçá sobretudo, porque todos os dias vamos obliterando a grandeza inigualável da nossa própria humanidade.
Mas tal esquecimento é, simplesmente, o do princípio fundador do humanismo : o Ser Humano é a medida de todas as coisas. E diz bem Saint-Exupéry, na última frase de Terre des Hommes : Seul l´Esprit, s´il soufle sur la glaise, peut créer l´Homme. Pelo que não posso deixar de te referir aqui, lembrados também pelo meu amigo Marcello Duarte Mathias, os dois parágrafos do livro que antecedem essa sentença final. Começam por enquadrar a cena num compartimento de comboio, cujos "wagon-lits" e primeira classe seguiam vazios, mas cuja terceira ia cheia de gente, pobres polacos deportados de França para a sua terra natal, em vésperas de guerra. Traduzo:
Sentei-me à frente de um casal. Entre o homem e a mulher, a criança arranjara como pôde o seu nicho e dormia. Mas virou-se durante o sono e o seu rosto surgiu-me à luz da vigília. Ah! que adorável rosto! Daquele casal tinha nascido uma espécie de fruto de oiro. Daqueles monteses pesados nascera aquele milagre de encanto e graça. Debrucei-me sobre aquela fronte lisa, sobre aquela boca em beicinho, e disse para comigo: eis um rosto de músico, eis Mozart em criança, eis uma bela promessa de vida. Os principezinhos das lendas em nada diferiam dele : protegido, rodeado, cultivado, em quanto não se poderia ele tornar! Quando, por mutação, nasce nos jardins uma rosa nova, eis que todos os jardineiros se comovem. Isola-se a rosa, cultiva-se a rosa, é favorecida. Mas não há jardineiro para os homens. Mozart menino será, como os outros, marcado pela máquina de embutir. Mozart produzirá as suas mais altas alegrias de música podre, em malcheirosos cafés concerto. Mozart está condenado.
E voltei para a minha carruagem. Dizia para comigo : estas pessoas em nada sofrem do seu fado. Não é, de modo algum, a caridade que aqui me atormenta. Não se trata, nunca, de nos enternecermos sobre uma chaga eternamente reaberta. As que a têm não a sentem. Antes é algo como a espécie humana, e não o indivíduo, que aqui é ferido, que é lesado. Em nada acredito na piedade. O que me atormenta é o ponto de vista do jardineiro. Não me atormenta esta miséria na qual, ao fim e ao cabo, nos instalamos tão bem como na preguiça. Gerações inteiras de orientais vivem na porcaria e gostam dela. O que me atormenta, não é curável pelas sopas populares. O que me atormenta não são essas covas, nem essas corcundas, nem essa fealdade. Antes é, em cada um desses homens, Mozart assassinado.
Só o Espírito, se soprar sobre o barro, pode criar o Homem.