Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TRINTA CLÁSSICOS DAS LETRAS

Classico 31.jpg

 

“LIVRO DO DESASSOSSEGO” (XXXI)

 

“O Livro do Desassossego” foi o resultado da descoberta e do estudo da célebre “arca pessoana”. A publicação é de 1982 e Jacinto do Prado Coelho, Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha são os artífices. É um conjunto de fragmentos, uma espécie de diário, pensamentos, reflexões, da autoria de Fernando Pessoa (1888-1935), um quase ortónimo, uma vez que o poeta lhe dá nome próprio, Bernardo Soares, ainda que a primeira parte seja atribuída a Vicente Guedes ou quiçá ao próprio Pessoa.

Como tem sido afirmado, há como que uma autorrepresentação do próprio através de um artifício criativo. No fundo, é o próprio poeta que encontramos, com a multiplicidade de temas e de desígnios. Ou seja, para além dos heterónimos principais de Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, encontramos em Bernardo Soares uma chave que nos permite ligar a heterogeneidade da heteronomia à identidade de quem reúne essa diversidade.

Bernardo trabalha num escritório na Baixa de Lisboa, como o próprio Pessoa. Seguimos os seus passos. Podemos sentir a sua solidão, os receios, o sentido e não sentido da vida, os temores, a morte, o amor e vários outros temas sobre a existência. A ideia de desassossego significa inconformismo, criatividade, intranquilidade, angústia, dúvida, aceitação e recusa. Se muitos referem o pessimismo de Pessoa, a verdade é que, em toda a sua obra, percebemos que a consciência certa do valor próprio. É verdade que Pessoa apenas publicou em vida um livro, “Mensagem” (1934), mas quando estudamos o conteúdo da “arca”, percebemos que o poeta foi escrevendo para a posteridade. “Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não lhe posso tocar”. E quando começa por apresentar o quase heterónimo, diz: «Bernardo Soares, distinguindo-se de mim por suas ideias, seus sentimentos, seus modos de ver e de compreender, não se distingue de mim pelo estilo de expor. Dou a personalidade diferente através do estilo que me é natural, não havendo mais que a distinção inevitável do tom especial que a própria especialidade das emoções necessariamente projeta”.

O mestre Caeiro prenuncia, Campos afirma-se por si, até demarcando-se de Pessoa, mas não deixa de procurar enriquecê-lo e de torná-lo relevante. “Cada um tem a sua vaidade, e a minha vaidade de cada um é o seu esquecimento de que há outros com alma igual. A minha vaidade são algumas páginas, uns trechos, certas dúvidas…” “Tudo me interessa e nada me prende. (…) Tenho fome da extensão do tempo e quero ser eu sem condições”.

Foi Jorge de Sena quem primeiro deu importância à coerência dos fragmentos de Pessoa, ao seu carácter autobiográfico e ao facto de estarmos perante uma espécie de outro autor que, no entanto, tinha tudo a ver diretamente com Pessoa, ele mesmo. Mas Sena, ao partir para o Brasil, foi deixando Fernando Pessoa, para se render ao génio multiforme de Camões.

Bernardo Soares faz parte do universo Pessoa, que ele procura analisar fora de si. “Era um homem que aparentava trinta anos, magro, mais alto que baixo, curvado exageradamente quando sentado, mas menos quando de pé, vestido com um certo desleixo não inteiramente desleixado. Na face pálida e sem interesse de feições um ar de sofrimento não acrescentava interesse, e era difícil definir que espécie de sofrimento esse ar indicava — parecia indicar vários, privações, angústias, e aquele sofrimento que nasce da indiferença que provém de ter sofrido muito…”

“O Livro do Desassossego” é um livro póstumo, autobiográfico, publicado quase cinquenta anos depois da morte do autor, e funciona como o conjunto de reflexões relativamente ao permanente enigma que Fernando Pessoa representa…

Agostinho de Morais

O CINE-TEATRO ANTÓNIO PINHEIRO, UM ANO DEPOIS

projecto-antonio-pinheiro-1.png

 

Fazemos nova e breve referência ao Cine Teatro António Pinheiro, em Tavira, praticamente um ano depois do texto que, em 3 de setembro de 2018 aqui foi publicado. Tivemos efetivamente ensejo muito recentemente de outra vez o observar. E sem entrar em repetições, há que assinalar dois aspetos contrastantes, ligados ao velho edifício.

Por um lado, as obras de recuperação do Cine Teatro. Quanto a isso, o que podemos confirmar é uma certa intervenção, atribuível à recuperação em si, dado que a Câmara Municipal adquiriu o Cine Teatro em 2001 e durante um largo período antevê-o em atividade. Depois as obras na prática estagnaram.

O que vemos agora é efetivamente uma vasta intervenção externa, que pode ou não conduzir à recuperação do velho Cine Teatro, ou o aproveitamento do que resta em funções ligadas à atividade cultural e de espetáculo – ou não!...   Sendo certo que este período estival não facilita os contactos...

E no entanto, assinala-se novamente a homenagem que, pelo menos desde 1917, a cidade de Tavira prestou a António Pinheiro, lá nascido em 1867, e que na sua brilhante carreira de ator e ainda na sua atuação como docente do então Conservatório Nacional, tanto marcou a cultura e a atividade cénica e pedagógica da época.

O certo é que António Pinheiro morre em 1943. E tal como já referimos, a sua carreira de comediante marcou não só o Teatro Nacional, onde tatas vezes atuou, como participou em iniciativas de renovação do teatro português: e nesse aspeto, temos aqui referido designadamente o Teatro Livre em 1904/5 e o Teatro Moderno em 1911.

O prestígio da época merece então destaque. E basta citar Sousa Bastos, que em 1908 não hesita: “É um dos atores portugueses mais inteligentes e instruídos”, nada menos!... Não admira que Tavira o consagre!

Vamos ver o que resulta das obras no local do velho Teatro.

DUARTE IVO CRUZ