CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS
1. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
O sociólogo e ensaísta brasileiro Gilberto Freyre é uma referência incontornável, para uns, e dispensável, para outros.
Amado e desamado, a sua obra não é consensual, mas sim polémica, aberta à controvérsia, à contestação, ao debate, à discussão.
Adulado por uns e censurado por outros, o seu legado perdura, sem a marca da indiferença, antes a da permanência temporal.
Concorde-se ou não, merece referência, com os seus merecimentos e críticas de amores e desamores tropicais.
Há que falar, ab initio, do seu luso-tropicalismo.
Tentou demonstrar o papel relevante que os portugueses tiveram nos trópicos.
Os primeiros estudos sobre os trópicos foram feitos pelos escritores que acompanhavam os navegadores e pelos europeus que se fixavam nos territórios que ocupavam.
Gilberto Freyre defendeu existir um novo ramo de conhecimento, chamado tropicologia, que se destinava a estudar as regiões tropicais, constituídas por sub-ramos ligados a diversos países coloniais, como a anglo-tropicologia, a franco-tropicologia e a luso-tropicologia.
Cada um dos países que se tinha disseminado e participado nas navegações marítimas e na colonização tinha a sua própria tropicologia, com a particularidade específica de se diferenciarem entre si consoante o método adotado no modo de observar os trópicos e neles viver.
Nesta sequência, o luso-tropicalismo é uma consequência do processo de colonização portuguesa nos trópicos, da especial capacidade de adaptação e relacionamento dos portugueses às terras e gentes tropicais, manifestando-se essencialmente através da miscigenação e interpenetração de culturas.
A obra “Casa Grande e Senzala” lança as bases do luso-tropicalismo, que de modo sintético se pode definir como uma “ciência” especializada no estudo sistemático do processo ecológico-social de integração de portugueses, seus descendentes e continuadores em ambientes dos trópicos.
Tem o português como um povo indefinido entre a Europa e a África, de origem étnica híbrida, como gente flexível, flutuante, de plasticidade intrínseca, de sentido pragmático e riqueza de aptidões, sem imperativos categóricos em termos doutrinais e morais, reinando sem governar, no Brasil, miscigenando-se com os índios e os negros, formando nos trópicos uma civilização sui generis equilibrada, apesar dos antagonismos. Estas caraterísticas de superação das hostilidades, mobilidade, plasticidade, complexidade, mestiçagem e erotismo são preponderantes na linguagem do bem conhecido livro clássico de Freyre.
Sendo o Brasil de base mestiça, pelo caldeamento de três raças, a branca, a negra e a ameríndia, também a linguagem em “Casa Grande e Senzala” é mista, colorida de saberes, sabores e efeitos de sentido.
Para além de ter a mobilidade, miscigenação e aclimatibilidade como três caraterísticas fundamentais do povo português, Freyre acaba por mostrar ao povo brasileiro, em toda a sua obra, a necessidade de se aceitar tal e qual como é, não se envergonhando nem inferiorizando.
18.10.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício