CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS
2. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO
Num momento histórico em que se desenvolviam teorias que atribuíam à “mistura das raças” um dos principais fatores de “degeneração” do brasileiro enquanto povo, Gilberto Freyre via o resultado dessa miscigenação como muito positivo, tornando a multiplicidade do brasileiro mais múltipla o que, por sua vez, o tornava um povo ainda mais rico.
Pronunciando-se sobre este tema, pela positiva, e ultrapassando ideias feitas até aí tidas como dados adquiridos, pôs de lado o pessimismo derrotista de gerações anteriores, que se julgavam condenadas ao fracasso, pela sua condição de parte integrante de países sem futuro, em consequência do carácter mestiço da sua população, devolvendo-lhes uma confiança e um orgulho expressos pela certeza das vantagens que a completa mestiçagem proporciona, a nível mundial, aos povos lusófonos.
Freyre era daqueles que pensavam que o aspeto estético da miscigenação é de relevante importância sócio-cultural, podendo contribuir decisivamente para uma nova valorização do homem miscigenado como ser eugénico e estético e, através da sua eugenia e estética, para a sua ascensão social, para a sua integração, para uma integração pan-humana meta-racial.
O Brasil era tido como um país onde não existiam nem negritudes nem branquitudes, ao contrário dos Estados Unidos e da República da África do Sul. Defendia que o Brasil se afirmava já, antecipando-se há muito, como uma nação de gente em grande parte morena, esteticamente atraente, intelectualmente capaz, socialmente ajustada numa cultura que é síntese de várias culturas contribuintes e não exclusivista.
Defendendo a ausência de raças capazes ou incapazes de civilização, concluiu que os portugueses nunca foram apologistas e portadores da mística da pureza da raça, o que favorece o aparecimento da verdadeira democracia, onde não se estabelecem (ou estabelecem menos) preconceitos. Daí o seu apelo veemente de que todos os lusófonos espalhados pelo mundo, nunca renunciassem ao princípio e ao método de democratização das respetivas sociedades pela miscigenação, pelo intercurso entre as culturas, método e princípio que tinha como o melhor contributo luso-brasileiro para o melhor reajustamento das relações entre os homens.
Freyre nunca afirmou a existência de uma democracia racial pronta e acabada na lusofonia, mas sim que Portugal e Brasil estão mais próximos dela que qualquer outra cultura ou civilização atual, por confronto, por exemplo, em tempos recentes, com a ex-Jugoslávia, Kosovo, Serra Leoa, Uganda, Ruanda-Burundi. Pretendia também que a África e Ásia lusófonas seguissem este caminho, adaptando-se e inovando-o.
Em 1952 escrevia Gilberto Freyre:
”O português é grande por esta sua singularidade magnífica: a de ser um povo luso-tropical”.
E acrescenta:
“(…) é preciso que nem os portugueses nem os brasileiros responsáveis pelos destinos das duas grandes nações luso-tropicais de hoje se deixem envolver por alguma retardatária ou arcaica mística arianista, antes se entreguem com uma audácia cada dia maior à aventura de se desenvolverem em povos de cor, para neles e em gentes mestiças, e não apenas em brancas, sobreviverem os melhores valores portugueses e cristãos de cultura num mundo porventura mais livre de preconceitos de raça, de casta e de classe social que o atual. O facto de os norte-americanos de agora antes animarem do que contrariarem os casamentos de seus soldados brancos com moças coreanas talvez já represente meia vitória do melanismo - há séculos seguido pelos portugueses - sobre o albinismo anglo-saxónico e dos alemães e dos holandeses (…)” (“Um Brasileiro em Terras Portuguesas”).
25.10.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício