NOVAS EVOCAÇÕES E DESCRIÇÕES DO TEATRO DE SÃO CARLOS NOS SÉCULOS XVIII/XIX
Referimos hoje novamente o Teatro de São Carlos, por já diversas vezes aqui citado e agora evocado e descrito no âmbito de uma sessão organizada há dias pelo Centro Nacional de Cultura, onde precisamente tivemos o gosto de participar.
A intervenção fez-se a partir de referências e evocações históricas, estéticas mas também pessoais deste grande Teatro, notável em si mesmo pela qualidade arquitetónica e pela atividade que desde a inauguração, ocorrida em 3 de junho de 1793, até hoje mantém. Foi beneficiando de sucessivas alterações e melhoramentos, com destaque para o São Nobre inaugurado em 1796.
Isto, com períodos de maior ou menor atividade, com maiores ou menores ligações diretas à produção nacional de cultura e de espetáculo operístico mas não só, e sobretudo com uma tradição de qualidade que em tudo se concilia com a qualidade arquitetónica do edifício em si mesmo.
Colocando-nos numa perspetiva histórica, recordamos então que o Teatro de São Carlos se deve à traça do arquiteto José da Costa e Silva, o qual se terá inspirado no Teatro de São Carlos de Nápoles, esse destruído por um incêndio em 1816. E vale a pena recordar que o mesmo arquiteto Costa e Silva é autor também do primeiro Teatro São João do Rio de Janeiro, inaugurado em 1813 e destruído por incêndio. Ficaram gravuras que evocam o nosso São Carlos.
Tivemos já ensejo de citar diversos textos descritivos do Teatro, produzidos e divulgados ao longo dos séculos. Aliás, o salão nobre é aberto ao público em 1796. Recordamos agora um documento datado de 1803 e assinado pelo futuro Dom João VI, então Príncipe Regente, o qual expressamente refere “o luzimento e esplendor a que se tem elevado a benefício do público e grandeza da minha Corte”, assim mesmo!...
Mas já três anos antes, em 1800, Carl Israel Ruders descreve com grandes elogios o Teatro de São Carlos: “de toda a parte se ouve muito bem. Na plateia há três coxias paralelas entre os bancos ficando assim a sala dividida em quatro separações, o que permite entrar e sair sem apertos”. Descreve com grandes elogios os camarotes “adornados exteriormente com belos arabescos e candelabros de cristal, colocados de maneira que o brilho da luz não tira a vista aos espetadores”.
E mais acrescenta Ruders que “os panos de boca, tanto o exterior como o interior, representam assuntos mitológicos. São bem pintados”.
Mas voltamos ao século XIX, seguindo o que citamos na “História do Teatro Português”. Assim, em 1820, o Marquês da Fronteira vê “pôr-se de pé sobre um dos bancos um jovem elegante pelas sua maneiras, duma fisionomia simpática e toilette apurada um pouco calvo apesar da pouca idade, o qual, pedindo silêncio aos que o rodeavam, disse A Liberdade e recitou uma bela ode”... Era nada menos do que Garrett!...
E recordamos ainda diversos escritores da época. Assim, António Feliciano de Castilho recorda as aclamações que saudaram a noticia do regresso da D. João VI do Brasil, anunciada no São Carlos em 27 de abril de 1821. Eça, em “O Primo Basílio”, descreve “figuras obscenas” desenhadas com o charuto nas paredes à entrada da plateia.
E a partir dos primeiros anos do século XX o Teatro de São Carlos acolhe a estreia de dramaturgos como Alfredo Cortez com a “Zilda” ou António Ferro com o “Mar Alto”. Marcou assim certa modernização, passe o termo, do teatro português...
Mas isso veremos mais tarde, pois voltaremos a esta evocação do Teatro de São Carlos.
DUARTE IVO CRUZ