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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

UM FILME SOBRE SOPHIA

 

Muito recentemente evocamos aqui Sophia de Mello Breyner Andresen, a propósito designadamente do Colóquio realizado na Fundação Calouste Gulbenkian por iniciativa da Fundação e do Centro Nacional de Cultura. Assinala-se o centenário da escritora, e os artigos que então publicamos, na sequência aliás de textos já antes divulgados, contêm uma visão pessoal da figura e da obra da escritora. Mais do que isso, constituem de certo modo uma síntese do Colóquio que reuniu para cima de 30 comunicações, inaugurado por Guilherme d´Oliveira Martins.

 

Precisamente, referimos hoje o vasto programa que ao longo do ano evocará Sophia, em colóquios, exposições, debates e até num   concerto evocativo no Teatro Nacional de São Carlos. De tudo isso se irá dando noticia.  E mais se evoca o depoimento de Miguel Sousa Tavares sobre Sophia, sua mãe, publicado no Diário de Notícias e que constitui uma impressionante evocação pessoal-familiar.

 

Mas hoje fazemos referência ao filme-documentário do Manuel Mozos, intitulado precisamente “Sophia na Primeira Pessoa” exibido na Culturgest para estudantes e no Cinema São Jorge para o público em geral.  Não vamos fazer crítica cinematográfica, note-se bem, mas sobretudo dar uma opinião sobre a visão do conteúdo respetivo na abordagem da vida, obra e espólio cultural abordado e divulgado.

 

E nesse aspeto, há que referir a qualidade do filme em si mesmo, e o interesse do debate que se seguiu à exibição. Desde logo, porque deu gosto ver a sala cheia e sentir o interesse do público. E para além disso, há que ressaltar a sequência de depoimentos de Sophia, recolhidos em sucessivas intervenções e entrevistas, filmadas e gravadas ao longo da vida da escritora.

 

Salientamos que esse conjunto de depoimentos documenta a qualidade, inteligência, perspicácia, cultura e sensibilidade de Sophia, e isto ao longo de dezenas de anos e nas mais variadas circunstâncias.

 

E deve-se referir então a recuperação dos documentos, sobretudo tendo em vista o interesse e modernidade dessas sucessivas intervenções: todas revelam, da parte de Sophia, atualidade e sentido crítico que abrange um universo da cultura, na época e hoje.

 

E nesse aspeto, há que elogiar e muito o programa das comemorações do centenário. Envolvem um concerto no Teatro de São Carlos, exposições de fotografias no Centro Cultural de Lagos e no Quartel do Carmo em Lisboa, ciclos de conferências no Porto e novamente em Lisboa: alem da inauguração de um Projeto de Intervenção Artística Sophia/Menez, envolvendo a produção e execução de um monumento designado “Espaço Entre a Palavra e a Cor”, da Galeria Ratton, em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa.

 

Acompanharemos este programa.

 

DUARTE IVO CRUZ

CRÓNICAS LUSO-TROPICAIS

 

3. GILBERTO FREYRE E O LUSO-TROPICALISMO  

 

Tendo o Trópico e a Europa como presenças decisivas na formação, espaço e tempo brasileiro, Tropicalização e Europeização constituem, em sincronia, os dois processos principais que se vêm defrontando no Brasil, existindo uma interpenetração de ambos quanto ao que seja mais particularmente nacional e original na situação brasileira.

 

Entende-se aqui por Trópico não só a ação, sobre a formação brasileira, de uma ecologia tropical preponderantemente física, no sentido climatérico ou geográfico, como a influência que vêm tendo sobre a mesma formação culturas ou civilizações e grupos étnicos de procedência notoriamente tropical: ameríndios, negros, indianos.   

 

Em “O Mundo que o Português Criou”, Freyre posicionava-se luso-tropicalmente no complexo luso-afro-asiático-brasileiro: “mundo transnacional ou supranacional que constituímos, pelas nossas afinidades do sentimento e da cultura, portugueses e luso-descendentes pela “mestiçagem” como ”um elemento (básico) de integração”, sendo a miscibilidade, mais do que a mobilidade, o processo pelo qual os portugueses se compensaram do défice de recursos humanos em face de uma colonização em larga escala e sobre áreas extensíssimas.

 

A uma visão transnacional da língua, em que a língua portuguesa se tornou após a independência do Brasil, que viria a ter como referência o conceito de Fernando Pessoa apontando para uma Pátria abrangente de mais de uma soberania, e mesmo de comunidades não soberanas, adicionar-se-ia uma visão transnacional da língua mais alargada para a área da cultura, atribuindo uma especificidade luso-tropical aos sincretismos que dela sobressaem sobre a definição das fronteiras do Ocidente.

 

Sendo, neste ponto, GF referência incontornável, inicialmente como definidor da brasilidade, depois como reabilitador da imagem dos trópicos, por fim como teórico do luso-tropicalismo, do ibero-tropicalismo e euro-tropicalismo, considerava o Brasil um pluralismo convergente, porque dinamicamente inter-regional, inter-racial e intercultural, tendo-o como uma democracia étnica e racial ainda imperfeita, mas já consideravelmente avançada, em que a mágica da mestiçagem transforma hoje o mundo luso e amanhã transformará o mundo no espaço de todas as raças. 

 

Se ninguém é perfeito, defende que in casu parecemos ser menos imperfeitos.

 

01.11.2019
Joaquim Miguel de Morgado Patrício

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