FELIZ NATAL DE ANO BOM E FUTUROS MELHORES!
Pela sua própria etimologia latina, e na linguagem corrente, profecia quer dizer predição, quase como adivinhar o futuro. Todavia, a figura do profeta, bíblica e não só, desenha-se mais pela sua inspiração divina do que por habilitações de pitonisa. Nesse sentido, a profecia é sobretudo o anúncio ou transmissão de desígnios divinos sobre a vida e a história dos seres humanos. Não tem termo certo, é sempre o início de um percurso de conversão, a partir de uma nova leitura dos sinais dos tempos. Assim também, as narrativas bíblicas, tantas vezes inspiradas ou copiadas de tradições antigas, serão mitos, tal como os seus respetivos originais. Mitos, sim, mas não no sentido de fantasias pretensamente reais. Antes como interrogações sobre a nossa humana condição. Frei Philipe Lefebvre, frade dominicano e professor de teologia e exegese bíblica na Universidade de Friburgo (que é, como outras na Suíça, uma universidade do Estado) realça bem que há pais assassinos na Bíblia, como nos mitos, como na vida real.
Resumindo, a questão não é saber se tal caso aconteceu, mas se a parábola mítica nos faculta uma palavra mais fundamental sobre a condição humana. Respondo que sim e que, por isso mesmo, os autores bíblicos retomaram e utilizaram os mitos por conta própria.
A celebração do Natal de Jesus é, profeticamente, em cada aniversário, o anúncio da glória celestial de Deus que se irá realizando na terra pela boa vontade dos humanos na construção da justiça e da paz. Na verdade, cada festa desse Natal é afinal um apelo, uma vocação, a que tudo façamos para que o novo ano que se aproxima seja, como lhe chamavam os nossos antigos, ANO BOM... e assim também sejam todos os mais em tempos da nossa vida. Eis o que quero acentuar quando dou um jeito especial aos meus votos e desejo Feliz Natal de Ano Bom: peço que este Natal seja nascimento de um Ano Novo Bom e com vista para outros, melhores ainda, que hão de vir! Faço votos de um Feliz Natal de tempos novos!
Talvez por pensar e senti-lo tanto assim este ano, me ocorreu concentrar o meu olhar sobre sinais dos tempos que vivemos. Dizem-nos, diariamente, os noticiários que este mundo se vai cobrindo de dramas da migração de infelizes, e, por outro lado, de greves e reivindicações de tudo e sobre o mais que houver... E à chuva noticiosa vem depois ainda acrescentar-se, mais ou menos conformemente aos variegados indignados em moda, uma invasão de comentários que falam de tudo sem o fôlego requerido por qualquer alma que queira mesmo chegar ao fundo das questões. Ficamos sem perceber porque permanecem tantas perguntas sem resposta capaz.
Dos muitos sinais que por aí se vão intermitentemente acendendo escolhi, para esta breve mensagem de Natal, os muitos afrontamentos que se agitam em redor da distribuição dos rendimentos e, nas avaliações de orçamentos de receitas e despesas públicas, sobre a questão do jurado equilíbrio das contas ou da fugidia sustentabilidade da segurança social. Conflitos que, aliás, surgem num cenário geral de desigualdade económica e social, mesmo em sociedades afluentes ou relativamente abastadas, cujas populações já não padecem situações de grande pobreza e necessidade, violência infligida, esquecimento ou ostracismo. Na verdade, nos países ditos desenvolvidos ou industrializados, as contendas mais comuns e frequentes traduzem sobretudo contradições inerentes ao modelo em voga do chamado capitalismo liberal. A desenfreada promoção do consumismo - fomento de compras muitas vezes supérfluas para aumentar lucros do capital e seus agentes, correndo até o risco da facilitação do crédito ao consumo que já tantos "buracos" financeiros gerou - não tem tido apenas efeitos económicos, pois atinge confusamente a própria racionalidade das opções do comportamento do mesmo homo economicus, e cria fantasiosas visões do mundo, da vida, do futuro, que cativam as mentes e comprometem a liberdade interior de cada um e a boa relação de pessoas e comunidades. A outra face dessa bússola moral e social em que se tornou a prossecução do lucro, é já hoje a generalizada orientação das gentes para o máximo usufruto e conforto dos bens oferecidos nos mercados. Consequentemente, o desejo de encontrar e garantir maior aumento das suas posses, através do crescimento máximo dos seus rendimentos próprios. Só marginalmente, na periferia dos debates próprios do sistema político, social e económico, vem finalmente ocorrer qualquer chamada à responsabilidade pública e coletiva - preferiria chamar-lhe comunitária - na solução de situações puramente humanas de abandono por desleixo. Os cuidados paliativos que tantas organizações civis e muitas pessoas generosamente providenciam são, para além do seu mérito próprio, mais gritos de alerta do que reformas eficazes de um sistema político e social, cuja cultura inspiradora e envolvente temos de rever urgentemente. Para um cristão, por exemplo, o tempo do advento e a celebração do Natal anunciam claramente que o Evangelho de Jesus é o anúncio da Boa Nova aos pobres.
Perante tantas insolúveis questões sobre concórdia, justiça e paz nos sistemas vigentes, impõe-se que saibamos rever o atual modelo económico e social e, inspirados pela profundíssima humanidade do nascimento de Jesus, Deus e Palavra feito carne, e que trabalhemos pelo bem por vir. Bem lembrados ainda das desutilidades, deseconomias e mais desastres que tal sistema vai provocando, sobretudo nas regiões do globo em que se esquecem as pessoas pela ganância do proveito, e se exploram riquezas naturais, sem cuidar dos prejuízos que, em consequência, possamos causar à casa de todos nós. As reformas necessárias a um sério esforço de melhoria da situação global, que inevitavelmente passará pelo estabelecimento da justiça económica e social não são essencialmente problemas técnicos a resolver. Antes radicam, devem radicar, em considerações humanistas e fortaleza moral. É hora de escolhermos, contra o princípio do lucro ou da riqueza como medida de todas as coisas, uma economia humanista em que seja o ser humano a nossa medida e a nossa bússola. Como já disse o Prof. Adriano Moreira, pobres de nós que substituímos o valor pelo lucro.
Façamos votos de que o carinho que reunir, na noite deste Natal, tantas famílias tradicionais - e tantas outras que a emoção do momento ou a cultivada generosidade do amor fraterno conseguir congregar - nos aqueça, a todos nós, o coração. E que esse maravilhoso instante de comunhão não nos deixe esquecer o cumprimento do dever cívico de trabalharmos, com inteligência e vontade, pela realização dessa profecia que nos anuncia ser glória de Deus o anúncio da boa nova aos pobres. E pobres somos todos, sobretudo em tempos tão carenciados de solidariedade e da inteligência e boa vontade necessárias à sua construção.
Mando-vos um abraço a dizer Feliz Natal!
Camilo Maria
Camilo Martins de Oliveira