CINCO POEMAS - A
1
Se hoje amamos é porque muito amámos ontem com e sem razões
Só porque se o amor não for isto de amar mais
De cada vez que se amou
Então o amor não seria esse imenso saber amar
A cada dia que mais não é do que aprender
O quanto amar ontem hoje e sempre
É amar no amor o núcleo lá onde ele
É a pele da alma que nos envolve
Num ar bordado a felicidade e a dor
Permeável e afinal múltiplo de tão fixo
E alimento em nós sua espessura tanta
Qual seara
Nela tu meu tempo
Sempre
2
Procuro dentro do que nome não tem
Uma linguagem que me não deixe perdida
Ao atravessar o espaço que conheço e sinto
Não como aparência
Antes realidade a toda a volta de mim e dentro
De uma oficinal consciência que volve nela para se oferecer ao meu canto
Naquele recanto que se nomeia cheio de uma voz
Que sabe que o poema existe lá
Tão impossível quanto coerente de não ser de ninguém
Mas me persegue sem hiato numa infatigável
Alegria
3
Se o mais desconcertante for o peso da memória
Que o voo carrega
É sem esforço que o apanho nos braços
Habitando-o num género novo de mistério maior
Que visto e logo permuto roupagens de oiro por aves doridas
Sem berço de mãe nem essências a confluir no piar
Ou o entender do fantástico visceral me não coubesse
No embrião das palavras que principiam e são
Afinal virgens e úberes
No vai-vem de um ângulo
4
A noite que digere a noite
Tem uma língua de água com a qual corta
Os muros num sinal anfíbio
De tão bem conhecer mares e pontos cardeais
Tudo tão verosímil como o rio que se inclina
De dentro da ânfora e me submerge com espessura de mar
Nascida escada até onde o ar me colhe
Óvulo é certo
Obsessão afluente
Seguramente
Que não resume tamanho nem conflito
5
Sobre o dorso de um sentimento
Eu quero dizer plátanos vitríolos
Quero dizer que nada é sítio e que o dia também nem sempre
É diurno
Ou a ausência não fosse um glóbulo incapaz de se levantar
E quero dizer contorno
Gineceu da flor
Época
Das pedras que sabem contemplar
A morte num estar
No hálito dos poemas não lidos
Teresa Bracinha Vieira