SAUDADE
António Alçada Baptista: um olhar para a frente e para trás, todos unos e porque o que late é latente, está no muito fundo esta saudade.
António Alçada, António Alfredo da Fonseca Alçada Tavares Baptista faria um outro aniversário ontem, dia 29 de janeiro. Será sempre um privilégio lembrá-lo.
E falávamos também tanto, do reter e do libertar, do devolver à terra e ao céu o que lhes pertence, falávamos dos lugares dos fragmentos e da-nesga-porta-do-meio, que nos escapa tantas vezes, e afinal por onde quase tudo se vê. Sobretudo o amor e a gentileza.
Tentávamos, afinal, por palavras, em diversos campos de tensão, serenar naquele equilíbrio do pólo-a-pólo, que lhes desse uma instância de totalidade, e ali sossegassem as palavras dos pensamentos; e ali sossegássemos longe, bem longe da intranquilidade.
As secretárias do António Alçada eram um mundo aparentemente de caos de papéis e livros e lugar de algumas fotografias. Nessas secretárias, as letras nos papéis rabiscadas por ele, eram todas livros por escrever, assim o senti sempre, num reflexo de muitos reflexos do Autor.
Estão para aí uns livros, estão sim senhora, dizia num sorriso de ternura olhando para os papéis, um dia escrevo-os de rajada. Mentira! Não sei se terei tempo. De resto ando numa fase em que os acontecimentos aborrecem-me, “Les événements m’ennuient”- como dizia o Valéry.
António era também Autor testemunha, desde o palimpsesto ao livro. Ele escrevia num silêncio escutado lá do torreão do exprimir do Escritor e duvidava da mão que escrevia, se acaso se alheava por tempo demais, olhando o rio.
Os recessos, os recantos, recuam-me. Sei que também é assim a natureza do envelhecer e olha que estranho!, não me perturba acontecer-me isto.
Para mim o António foi um horizonte, foi um defronte. Desconhecerei sempre se a sua terna tolerância foi demasiado indulgente às minhas perguntas e aos meus silêncios.
Sei que num 29 de janeiro o ajudei numa limpeza de prateleiras. Os livros voavam e o António dizia-me, a rir como um miúdo
Estou no episódio! Estou no episódio!
Enfim, porque o que late é latente, está no muito fundo esta saudade do António Alçada.
Teresa Bracinha Vieira