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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O SAGRADO E SUAS CONFIGURAÇÕES. 1

 

Como ficou dito em crónicas anteriores, o Sagrado é o referente último de todas as religiões, o mistério da realidade na sua ultimidade. É o Sagrado ou o Mistério pura e simplesmente. É o Inominável, pois transcende sempre tudo quanto se possa pensar ou dizer dele. Nenhuma religião o possui nem mesmo as religiões todas juntas.

 

Na experiência do Sagrado, fonte de sentido último, salvação e felicidade, o Homem está sempre em presença de algo outro e superior, “o tremendo e fascinante”, o Absoluto, inabarcável, inacessível e inefável.

 

Esta superioridade do Sagrado manifesta-se em níveis diferentes: o ontológico – infinita riqueza de ser –, o axiológico – realidade sumamente valiosa. Assim, comporta “uma ruptura de nível que aponta para a plenitude de ser e realidade por excelência” (J. Sahagún Lucas).

 

Sendo o Inominável, procurou-se, ao longo da História, nomeá-lo. Numa obra recente, Después de Dios..., o teólogo José Ignacio González Faus apresentou várias tentativas, com muitos nomes. Os Upanishades referem-se a ele como “O Incondicionado”; as filosofias mais racionalistas designam-no como “O Absoluto”; Santo Tomás de Aquino disse que o seu melhor nome é precisamente “O Inominável”; Tierno Galván, “a partir do seu agnosticismo despreocupado pelo tema”, designa-o por vezes como “O Fundamento”; Karl Rahner, o maior teólogo católico do século XX, fala dele precisamente como “O Mistério”; Rudolf Otto, autor da obra famosa “Das Heilige”, fala dele precisamente como “O Santo”, “O Sagrado”; Platão referia-se a ele como “a ideia do Bem”, mas é necessário notar que Platão chama ideia à verdadeira realidade, contraposta às sombras, sendo assim o Sagrado o Sumo Bem; Aristóteles designou-o como “O Motor Imóvel”, com o sentido de que, no meio de todas as mudanças, é necessário algum “ponto de referência firme”; mesmo o famoso tetragrama hebraico YHVH, letras impronunciáveis, não é um nome próprio, mas “uma resposta evasiva a Moisés”: “sou o que serei”: confia e irás vendo; o Novo Testamento conclui, que “Deus é Amor”, que não é uma definição, pois não diz “Deus é O Amor”. O místico João da Cruz referiu-se-lhe como “a música calada que enamora”.

 

Que concluir? Deus é “esse Mistério indizível que nos envolve. Neste sentido, à pessoa que se sente ou se julga ‘muito religiosa’ é preciso pedir-lhe que renuncie um pouco a Deus, não para negá-lo, mas para deixar Deus ser Deus. Frequentemente, os que mais falam de Deus são os que de modo pior acreditam nEle.” É também neste contexto que deve entender-se o que uma vez ouvi a Jacques Lacan: “Os teólogos não acreditam em Deus, porque falam dele.” Talvez mais decisivo do que falar de Deus seja falar com Deus.

 

De qualquer forma, ao longo da História e sempre, o Sagrado, na medida em que o Homem precisa de nomeá-lo de alguma maneira, foi sendo apresentado de múltiplas formas e em várias configurações, desde o politeísmo ao monismo, passando pelo dualismo, o deísmo, o monoteísmo..., como veremos em próximas crónicas.

 

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN  | 23 FEV 2020