UM ESTUDO SOBRE MIGUEL TORGA
Temos presente uma Fotobiografia da autoria de Clara Rocha sobre Miguel Torga. Para além da análise global deste estudo, enriquecido, como a designação indica, por centenas de fotografias e reproduções de documentos, importa assinalar a comemoração foto-literária dos 25 anos da morte do escritor. E vale a pena recordar que se trata concretamente de um estudo sobre Adolfo Rocha, nome civil, nascido em 1907 e falecido em 1995.
Torga foi e é efetivamente um grande nome da literatura e da cultura portuguesa. Mas será oportuno constar que essa indiscutível e indiscutida genialidade do autor, não fica a dever-se à criação dramatúrgica, independentemente da qualidade literária e de certo modo cénica das poucas peças que escreveu e que, em pelo menos dois casos, reformulou: “Mar” (1941-1958), “Terra Firme” (1941-1947), “Sinfonia” (1947) e “O Paraíso” (1949).
E é interessante desde logo referir, como o livro de Clara Rocha oportunamente destaca, que essa primeira versão do “Mar” foi representada em Londres em 1950, no King's College, por iniciativa de Ruben Andersen Leitão – Ruben A: foi Ruben quem encenou o espetáculo e fez uma adaptação para a BBC, diz-nos o livro de Clara Rocha, que contém fotografias e reproduz uma crítica, no jornal “The Stage”.
E precisamente: num artigo que publiquei em 1965 no então relevante Jornal de Letras e Artes, e que é citado na Bibliografia Passiva (Seletiva) deste estudo, tive ensejo de referir a qualidade de “Mar”, peça que, como na altura escrevi e agora transcrevo, guarda alguns dos mais puros momentos do teatro português contemporâneo. O lirismo admirável da linguagem, o equilíbrio do diálogo, ou a claridade essencial de psicologias e condutas, tudo isto de sobremaneira marca e destaca de forma ineludível esta peça.
E mais acrescentei no artigo que a peça sintetiza a força primacial desta tragédia de pescadores: o combate travado contra o fascínio e obcecação do oceano, que aqui nos surge força viva e consciente, a dominar e enlouquecer os homens, a arrastá-los para uma morte fatal. O mar, nesta peça, é ser dotado de inteligência e vontade própria, é destino irresistível dos pescadores, é inimigo imenso, forte e arguto, que se teme mas se deseja, e sempre acaba por vencer.
O artigo valoriza o “Mar” em relação às restantes peças de Miguel Torga, aliás todas elas descritas e analisadas.
E acrescento que, na História do Teatro Português, que publiquei em 2001 e aqui tenho citado, realço a qualidade desta peça, mas saliento a força telúrica que também surge na “Terra Firme”, salientando aí que ambas as peças mergulham em forças naturais, telúricas e quase panteístas, no meio geográfico e etnográfico e sobretudo psicológico que os títulos sinalizam.
O livro de Clara Rocha representa um estudo notável sobre a pessoa e a obra vasta e global de Adolfo Rocha – Miguel Torga.
E não se pode questionar a relevância de Miguel Torga.
DUARTE IVO CRUZ