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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Acerca do texto ‘Habitações para o maior número’ de Nuno Teotónio Pereira.

 

‘Arquitetura é a amorosa compreensão da terra e da gente.’, Nuno Teotónio Pereira

 

‘The high migration of people from the countryside as well as from other countries further adds to the economic possibility of the city as well as its physical growth. The speed and magnitude of development of the fundamentals of society - housing, health, education, and infrastructure - were realized from Seoul to Tokyo.’, Eui-Sung Yi in Docomomo 50, 2014/1

 

No Colóquio de Urbanismo, que se realizou no Funchal, em 1969, Nuno Teotónio Pereira com o seu texto ‘Habitações para o maior número’ afirma que no panorama urbano, a habitação desmesurada, põe em causa toda a estrutura urbana tradicional e por isso, os aglomerados suburbanos podem ser a prova de um enorme desequilíbrio provocado pela necessidade de se construir habitação para um maior número. Teotónio Pereira explica que, infelizmente, as cidades são cada vez maiores extensões de habitação compacta e monótona - e essa é a imagem que reflete a especulação exaustiva do solo.

 

‘A função habitacional em sentido restrito, isto é, reduzida ao âmbito exclusivo do alojamento familiar e ignorando os equipamentos complementares exigidos pela vida atual, toma uma preponderância patológica, que tanto deforma a estrutura urbana, como impossibilita a criação de um ambiente verdadeiramente citadino.’, Nuno Teotónio Pereira, 1969

 

Segundo Teotónio Pereira, para enfrentar o problema da habitação para maior número, é necessário sim construir, mas não construir somente somatórios exaustivos e repetitivos de habitações, mas conjuntos urbanos equilibradamente organizados, equipados e conectados.

 

Ora, no Conjunto Habitacional de Laveiras (1987-1990), em Caxias, Nuno Teotónio Pereira e Pedro Viana Botelho tentaram concretizar uma solução semi-urbana, semi-rural, muito próxima do chão e que sobretudo não fosse um bairro isolado. Embora toda aquela área circundante estivesse vazia, Teotónio Pereira e Viana Botelho pensaram num traçado urbano não limitado e acima de tudo capaz de criar continuidades. Laveiras foi concebido de maneira a ser um embrião para todo um possível desenvolvimento urbano circundante, que depois efetivamente se deu lugar. A grande preocupação em Laveiras foi revelar e provar que o problema da habitação para o maior número, não se trata apenas de uma questão de quantidade. Para evitar a descentralização das populações e a privação de direitos elementares de cidadania, no que se refere às condições efetivas de inserção territorial, a qualidade urbana desejada, está diretamente relacionada com o combate a determinados problemas, nomeadamente a falta de infra-estruturas (sistemas viários, sanitários, energéticos e de comunicação) e a falta de equipamentos urbanos (relacionados com a educação, saúde, cultura, comércio e serviços). À medida que a imigração urbana aumenta - o mundo contemporâneo assiste, mais do nunca, a um crescimento urbano muito acentuado - acelera-se também a insuficiência de recursos consagrados pela sociedade às necessidades das populações recém-chegadas e que tende a acumular situações muito deficitárias e marginais.

 

No conjunto urbano de Laveiras, o declive acentuado do terreno foi explorado de maneira a permitir a instalação de equipamentos nos pisos baixos semi-enterrados - é o caso, da galeria comercial, ao longo da rua principal. Não ultrapassando os quatro pisos, procurou-se dotar o máximo de habitações com logradouros. Existe sempre um acentuado sentido humanista na arquitetura de Teotónio Pereira, porque tem textura, tem cor, tem luz, e é a três dimensões. A introdução do telhado de uma só água, é uma vontade formal forte e foi informado pela situação de vale e também pelo facto de em geral, as pessoas gostarem de casas com telhado.

 

‘Mas em Laveiras também há uma coisa que eu acho importante, (...) acho que houve uma enorme preocupação e isso é muito patente nos edifícios, o de identificar as casas com uma imagem que as pessoas identifiquem com a imagem das casas, que é: a entrada central corresponde a um telhado e uma chaminé, com as janelas dos lados.’, Pedro Vieira de Almeida

 

A habitação para o maior número, ao ser pensada, deve permitir que as pessoas pertençam a um sítio e tem de ser capaz de dar conforto afetivo. São os lugares, e os factos mais próximos que nos moldam. O indivíduo ao situar-se num lugar específico consegue ir ao encontro da sua identidade. Nuno Teotónio Pereira, num urgente apelo à compreensão do lugar da pessoa humana, na cidade e do mundo, pensa ser indispensável garantir inserção e criar continuidades, complementaridades, aos novos lugares urbanos - de modo a evitar situações precárias, carências e injustiças.

 

As funções habitacionais não se satisfazem unicamente entre as quatro paredes de uma casa: interdependência entre a habitação e os espaços que a envolvem, entre a casa e os equipamentos coletivos é uma característica da estrutura urbana que a evolução social tem acentuado incessantemente. Daí a necessidade da interpenetração de espaços, a dificuldade de demarcar linhas divisórias nítidas. Daí ainda a importância cada vez maior das infra-estruturas e das instalações de interesse geral para a fruição de condições de habitabilidade satisfatórias.’, Nuno Teotónio Pereira, 1969.

 

Ana Ruepp