CRÓNICAS PLURICULTURAIS
42. DAS CANTIGAS DE AMIGO AOS FALSOS AMIGOS
Na Idade Média amigo e amado eram sinónimos.
As cantigas ou cantares de amigo eram cantigas ou cantares de amor.
Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu Amigo!
E ai, Deus, se verrá cedo!
Ondas do mar levado,
Se vistes meu amado!
E ai, Deus, se verrá cedo!
Amigo era o namorado, amiga a namorada.
Por Deus, amiga, pode seer
De vosso amigo, que morre d'amor
E de morrer á já mui gran sabor
Pois que son pode vosso bem aver.
Amor e amizade são hoje dois magnos sentimentos que se diferenciam, no essencial, pelo seu grau de intensidade, tendo muitos a amizade como mais calma e discreta e uma variante do amor.
Sabe-se que o trabalho não preenche em pleno as necessidades espirituais do ser humano.
Há que contar com o amor e a amizade.
Na amizade há os verdadeiros amigos e os falsos.
Entre os últimos incluem-se os amigos de louvaminhas, de adulação untuosa e vil.
Os que fogem em grupo quando a roda da fortuna desanda.
Os que partem quando alguém perde valimento por já não poder fazer favores ou arranjar facilidades.
Amigos dos tempos prósperos que nos ignoram e desprezam nas horas más.
No poema Os Amigos, Camilo Castelo Branco retrata-os assim:
Amigos cento e dez e talvez mais,
Eu já contei! Vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.
Amigos cento e dez tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais,
Um dia adoeci profundamente,
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos,
Que vamos nós (diziam) lá fazer,
Se ele está cego, não nos pode ver…
Que cento e nove impávidos marotos!
13.03.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício