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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Nunca duvidei que a leitura iluminadora situa o tornar acessíveis as incertezas de uma interpretação. 

 

Nunca duvidei que uma tela com luz própria cria um movimento de análise e resposta a muitas interrogações.

 

Nunca duvidei o quanto uma peça musical ativa a precedência íntima e lúcida da imaginação.

 

Nunca duvidei o quanto uma escultura nos pode aportar ao ângulo virtuoso das razões simples e fundamentais.

 

Não duvido que a anatomia do comportamento seja deliberadamente ignorada para que se não detetem as vertigens em voga.

 

Em rigor, vive-se no cerne de rasuras totais ao significado.

 

Registo, o quanto se abandonou a diferença primordial entre criação e o seu reflexo, ou entre criação e seu dependente secundário.

 

Resumem-se ao Jogo da não-vida os sucessos formais, cujos efeitos são corrosivos, pulverizando a vulgarização, o kitsch e as subculturas de massas, sobretudo nas relações de comunicação entre as gentes.

 

A realidade decadente abrange a hipótese do enlouquecer pela erosão da privacidade e poderá ser expectável que os conflitos venham a estar assentes entre credos desacreditados e razões cercadas de trevas.

 

E a memória ainda reivindica as suas raízes num «nós» afetivo? E a arquitetura entre as artes e a eletrónica? E que alerta perante o que é novo numa re-identificação de si próprio? E o nosso cobertor de infância é agora computacional? Virtual o nosso lar? E no circo do não-mundo a mercadoria é amada numa liberdade de lucro?

 

Manequins e maquettes são afinal a moeda autorizada e a nova palavra coincide com o simulacro. Digo.

 

E em verdade, se posso ter algum descanso, ele reside na luta pela ciência interrogativa do espírito crítico, e assim ele seja o pequeno contributo que vá denunciando o reino do espetáculo.

 

Diria que um poema passou a ser tão mudo quanto o acesso à corda de um violino trancado num armário, e, muito por essa razão, se luta, para colocar o pragmatismo ao serviço das ideologias e assim manipular as massas.

 

Referindo-se à pintora Rose Wylie, Ana Ruepp disse: olhar é sempre um ato extraordinário que transforma e que interrompe o mundo.

 

Como é que isso é possível? Pergunta-se para espanto meu.

 

E edifiquei a minha casa no meio dos homens não encontrando outras palavras para esta verdade.

 

A neofesta acede ao corredor das lojas num prazer coletivo de sentir a proximidade mimética com os outros: eis o contributo à felicidade de uma multidão «unificada». O indivíduo procura-se no colectivo onde encontra segurança. Férias em grupos, jantares em grupos, todos com todos, de tal modo que se não sabem perder.

 

Os transes burlescos nas ambiências fun assemelham-se a deambulações turísticas da vida.

 

O despropósito festivo deu lugar à finalidade distrativa. As pessoas falam e falam e falam por sms e telefonam-se, entre outras não-comunicações.

 

As pessoas são o seu próprio pico de audiências acríticas mas prontas a agredir o que não compreendem, antes julgam desenfreadamente o desconhecido, e julgam-se atletas no único género de amor que conhecem, enquanto se autoproclamam heróis da sua vidinha.

 

E eis que esta também é uma sociedade de performance, uma sociedade de época, da aparência, da tirania da beleza, da corrida desenfreada e desumanizada aos resultados.

 

A sociedade do pronto-a-pensar.

 

Teresa Bracinha Vieira