CRÓNICA DA CULTURA
Em Veneza, finalmente os peixes viram a luz do Sol, e nós os vemos, enfim, felizes, no final da sua desesperada espera.
As gôndolas leem agora tão bem o fundo dos canais que já não se perdem sozinhas.
Também há momentos em que o muito pouco ou o nada é tudo o que se pode fazer.
Também há momentos em que a poesia dos instantes tem um voo indecifrável.
Também há momentos em que se recorda o quanto a vida foi passada junto dos outros e não se registou a aventura.
Também há momentos em que o amor se iniciou como razão do viver, e tanto se gostou dele como da vida.
Também há momentos em que muito se ama sem que o digamos.
Também há momentos em que a terra nos escorre das mãos qual parcela de si a esvair-se para outro local.
Também há momentos em que os lares nos falaram da raiz da paz.
Também há momentos em que todos dormimos a mil quilómetros do essencial.
Também há momentos sem horários para as tempestades do não compreender.
Também há momentos em que as praias, suas espumas e as areias são a elegância do nosso trajar.
Também há momentos para o nosso choro de crianças escrever a nossa morada.
Também há momentos para decidir que não me casarei com um homem que não chora.
Também há momentos para te dizer e repetir sem fim, que contigo irei para qualquer mundo do mundo.
Também há momentos em que o momento se surpreendeu, ou não encontrasse no fundo de nós, o maravilhoso.
Também há momentos em que outros e os intelectuais já não veem o sorriso.
Também há momentos de melancolia no cerne da prodigiosa solidão.
Também há momentos em que nos escapa a vida depois da infância, bela, ou daquela que muito nos matou.
Também há momentos em que gostamos de nos perder e tanto desejamos depois que nos protejam como à rosa de Exupéry.
Também há momentos de frutos , tílias, passeios, camas alvas de doçuras, correios, beijos, ciúmes, felicidades infelizes, mãos de costureiras no peito, abrigos, arvores, pássaros e outros bichos, montanhas, pontes, abraços, despedidas, martírios, mortes que não souberam chegar no tempo das piedades, solidariedades, coragens e reencontros, traições, utopias, doenças, artes, civilizações, sobrancerias até nos destinos comuns, sacerdócios sem condição humana, arcanjos sedutores, algumas eternidades, aprenderes, ofícios , milagres, vaidades nas coisas pequenas e humildes nas muito grandes, orfandades Senhor!, e um olhar para a cidade condenada, pois lá
finalmente os peixes viram a luz do Sol, e nós os vemos, enfim, felizes, no final da sua desesperada espera.
As gôndolas leem agora tão bem o fundo dos canais que já não se perdem sozinhas.
Teresa Bracinha Vieira