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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

44. CIÊNCIA, HUMANIDADES E HUMANISMO (I)

 

Há quem defenda que entre os intelectuais atuais os mais felizes são os cientistas, porque a ciência é poderosa e progressiva, não sendo posta em dúvida. 

 

O seu trabalho dá-lhes felicidade porque é reconhecido, não só pelos próprios, mas também pelo público em geral, mesmo quando não compreendido.

 

Contrapõe-se que o mesmo não sucede com os artistas e os homens das humanidades, sendo menos afortunados que os da ciência. 

 

Quando alguém, por exemplo, não compreende um quadro, um filme, um poema, um livro, conclui ser uma má pintura, má poesia, um mau cinema, uma má obra.

 

Mas quando alguém não compreende a teoria da relatividade conclui, com fundamento, que o seu conhecimento e cultura são insuficientes. 

 

Einstein, nesta perspetiva, será admirado e reconhecido por todos, enquanto muitos dos mais proclamados pintores, poetas, cineastas e escritores serão infelizes, esquecidos, desprezados, perseguidos, morrem à fome ou na miséria. 

 

A ser assim, pode pensar-se que apenas a ciência, e a tecnologia a ela associada, interessam à civilização e mundo atual.   

 

É curioso que George Steiner, um dos gurus mais aclamados das humanidades,  tenha elogiado e sacralizado o progresso científico e tecnológico, em fim de vida,  desqualificando as humanidades, ao afirmar:

 

“As ciências não conhecem a hipocrisia, não fazem bluff. Na ciência verdadeira há o certo e o errado, e quem faz batota é obrigado a sair do jogo. Pelo contrário, as chamadas ciência sociais” fazem bluff o tempo todo, estão cheias de mentira, de conversa fiada”.   

     

E acrescenta:  

 

“O progresso e a descoberta estão no interior da dinâmica da ciência. Tive algum treino científico e tentei compreender ao menos uma ínfima parte do que os cientistas fazem. É um mundo novo, intocado. Nas humanidades, mais de 90% daquilo com que lidamos está no passado. Os livros, a música, a reflexão, a arte. É como os ponteiros do relógio a caminharem em direções opostas. Estou tão feliz por presenciar isso” (entrevista ao semanário Expresso, edição 2327, de 03.06.2017).

 

Será assim?     

 

Houve tempos em que os intelectuais das humanidades eram tidos em alta estima, como na antiguidade grega, latina e Renascimento, ombreando com os cientistas, alguns  simultaneamente homens de ciência, artistas e humanistas, de que Leonardo de Vinci é  o magno exemplo, o que desmente, por si só, qualquer tentativa de divinização da ciência em desfavor da secundarização e mero bluff das humanidades, mesmo para quem entenda haver, de momento, um défice de pensamento crítico em todo o mundo.

 

27.03.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício