Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Para minha surpresa, que desde os anos 70 me venho assumindo como neokeynesiano, constato que o COVID19 converteu às minhas teses muitos ultraliberais, alguns, ex-adeptos das teses monetaristas, outros, ex-“supply-sliders”, e outros, ainda, que não sabem o que tudo isso representa, mas que têm como princípio existencial mudarem de ideias sempre que as mesmas não são conciliáveis com os seus interesses pessoais.
Pelos vistos, muitos são aqueles que, quando descobrem que se está confrontado com uma crise insusceptível de ser solucionada com mero recurso aos mecanismos ditados pela “ mão invisível”, optam por suspender, ainda que temporariamente, as suas convicções neo-liberais, adoptando uma postura pró-intervencionismo estatal.
Vem tudo isto a propósito de estarmos confrontados com uma situação que, por ser dramática e por se apresentar insusceptível de ser ultrapassada sem recorrer a uma flexibilização dos critérios de convergência nominal na UEM, impõe, simultaneamente, que sejam dados passos fundamentais no sentido de uma reforma das políticas e das instituições existentes no que se convencionou designar de “ área do euro”.
É preciso completar a União Monetária com a União Económica e com a implementação de uma maior União Política da Europa.
Importa reforçar o Orçamento da UE e passar a haver um Orçamento da UEM.
Importa reforçar os fundos estruturais e os mecanismos de transferência de recursos do “ centro europeu” para as “ periferias europeias”.
Importa criar um Ministério da Economia e das Finanças Europeu.
Importa possibilitar que o BCE passe a poder comprar dívida pública no mercado primário “ a la Roubini”.
Importa que a UEM caminhe no sentido da aceitação da mutualização da dívida.
Importa dar passos no sentido da implementação de um Plano Europeu de Recuperação Económica Pluri-Anual.
Michael Cox, na sua “ International History since 1989”, procurou explicar que entre as teses liberais optimistas de Francis Fukuyama e o radicalismo de Noam Chomsky, existem as contribuições teóricas realistas de Mearsheimer e de Huntington, as quais pretendem atender às especificidades económicas, políticas, sociais e culturais a que os povos estão, necessariamente, confinados.
E se é verdade que o “ realismo” nos leva a admitir que as reformas acima mencionadas não podem ser feitas num dia, sem se entrar em linha de conta com toda a problemática da correlação de forças endógenas e exógenas, também não é menos verdade que alguma transformação tem que existir no momento único que atravessamos.
Talvez uma solução um tanto híbrida.
Talvez a aceitação de algumas das ideias acima mencionadas, que não de todas.
Mas, algo vai ter de acontecer, para que o projecto desenhado por Jean Monet e Robert Schumann, os “ founding fathers” da EUROPA, continue a fazer sentido. Nem mais, nem menos...
Como prometido, dou continuidade à crónica da semana passada, com pensamentos, estórias, contos..., a partir das “Sabedorias do mundo”.
Atendendo à situação de confinamento em casa, resumo, numa segunda parte, dez conselhos do dominicano Frei Betto, que, durante a ditadura brasileira, esteve preso em celas de isolamento. Evidentemente, eles aplicam-se adaptando-os às diferentes situações.
I. A sabedoria de viver (continuação)
4. Paciência inteligente
4.1. “A paciência é um remédio universal para todos os males”. (Provérbio nigeriano).
4.2. “Um adolescente japonês foi ter com um mestre de artes marciais e perguntou-lhe quanto tempo seria necessário para aprender esta arte.
— ‘Dez anos’, disse-lhe o mestre.
— ‘Dez anos? É demais. Nunca terei força para esperar!’.
— ‘Então, vinte anos’, disse-lhe o mestre.” (Conto japonês).
4.3. “Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora consagrava a sua vida a ensinar o budismo zen aos jovens. Apesar da sua idade, dizia-se em voz baixa que era ainda capaz de enfrentar qualquer adversário. Um dia chegou um guerreiro conhecido pela sua total falta de escrúpulos. Era célebre pela sua técnica de provocação: esperava que o seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência rara para aproveitar-se dos erros cometidos, contra-atacava com a rapidez do raio. Este jovem e impaciente guerreiro nunca tinha perdido um combate. Como conhecia a reputação do samurai, tinha vindo para vencê-lo e aumentar a sua glória.
Todos os estudantes se opunham a esta ideia, mas o velho mestre aceitou o desafio. Reuniram-se todos numa praça da cidade e o jovem guerreiro começou a insultar o velho mestre. Atirou-lhe pedras, cuspiu-lhe na cara, gritou dizendo todas as ofensas conhecidas, incluindo ofensas contra os seus antepassados. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. Ao cair da noite, esgotado e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.
Desapontados por verem o mestre aceitar tantos insultos e provocações, os estudantes perguntaram: — ‘Como suportou esta indignidade? Porque é que não se serviu da espada, mesmo sabendo que ia perder o combate, em vez de exibir a sua cobardia diante de nós todos?’ — ‘Se alguém vos oferece um presente e vós não aceitais, a quem pertence o presente?’, perguntou o samurai. — ‘A quem tentou dá-lo‘, respondeu um dos discípulos. — ‘Isso vale também para a inveja, a raiva e os insultos’, disse o mestre. ‘Quando não são aceites, pertencem sempre a quem os leva no coração’.” (Conto japonês).
Aqui, eu lembrei-me do jogador brasileiro Dani Alves, do Barcelona, a quem, há alguns anos, em pleno jogo, quiseram humilhar, atirando bananas para o campo. E ele? Descascou uma banana e comeu-a. Ridicularizou os imbecis e triunfou com inteligência sobre quem, racista, queria humilhá-lo.
5. A morte
5.1. “Que fazes? – ‘Procuro um meio de não morrer.’ – ‘E dá resultado?’- ‘Para já, sim. Até agora deu’.” (Estória da cultura muçulmana).
5.2. “Uma bela manhã, o califa de uma grande cidade viu correr para ele num estado de grande agitação o seu primeiro vizir. Perguntou as razões desta inquietação e o vizir disse-lhe: — ‘Suplico-te, permite-me deixar a cidade hoje mesmo’ — ‘Porquê?’ — ‘Esta manhã, ao atravessar a praça para vir ao palácio, senti-me tocado no ombro. Voltei-me e vi a morte que me olhava fixamente’. — ‘A morte?’ — ‘Sim, a morte. Reconheci-a perfeitamente, toda vestida de preto com um lenço vermelho. Ela está cá e olhou para mim para meter-me medo. Ela anda à procura de mim, estou certo disso. Vou buscar o meu melhor cavalo e poderei chegar esta noite a Samarcanda’. - ‘Era realmente a morte?’ Tens a certeza disso?’ - ‘Absoluta. Vi-a como te estou a ver a ti. Tenho a certeza de que era ela. Deixa-me partir, peço-te.’ O califa que tinha afecto pelo seu vizir, deixou-o partir.
O homem voltou a casa, pôs a sela ao primeiro dos seus cavalos e atravessou a galope uma das portas da cidade, na direcção de Samarcanda. Um pouco mais tarde, o califa, atormentado por um pensamento secreto, decidiu disfarçar-se, como fazia por vezes, e sair do palácio. Sozinho, dirigiu-se à grande praça no meio do barulho do mercado, procurou a morte com os olhos e viu-a, reconheceu-a. O vizir não se tinha enganado. Era da morte que realmente se tratava, alta e magra, toda vestida de preto, o rosto meio dissimulado sob um lenço de algodão vermelho. Ela passava de um grupo a outro no mercado, sem que dessem por ela, batendo com o dedo no ombro de um homem que organizava a sua loja, tocando o braço de uma mulher carregada de menta, evitando uma criança que corria para ela.
O califa dirigiu-se na direcção da morte. Ela reconheceu-o imediatamente, apesar de disfarçado, e inclinou-se em sinal de respeito. — ‘Tenho uma pergunta a pôr-te’, disse-lhe o califa, com voz baixa. — ‘Estou a ouvir-te’. — ‘O meu primeiro vizir é um homem ainda jovem, cheio de saúde, eficaz e honesto. Porque é que esta manhã, quando vinha para o palácio, lhe tocaste e o apavoraste? Porque é que olhaste para ele com ar ameaçador?’
A morte pareceu levemente surpreendida e respondeu ao califa: — ‘Não queria apavorá-lo. Não olhei para ele com ar ameaçador. O que aconteceu simplesmente é que, quando por acaso esbarrámos um no outro no meio da multidão e o reconheci, não pude deixar de manifestar o meu espanto, que ele terá tomado como uma ameaça.’ — ‘Porquê esse espanto?’, perguntou o califa. — ‘Porque, respondeu a morte, não esperava vê-lo aqui. Tenho encontro com ele esta noite, em Samarcanda’.” (Versão de um dos contos mais famosos do mundo, a lembrar a morte inevitável; a morte, que é o impensável que obriga a pensar).
5.3. “Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar; apenas os atravessamos. O nosso objectivo é observar, aprender, crescer, amar. Depois, voltaremos a casa.” (Provérbio aborígene).
5.4 “Onde se encontra o lugar da luz, se aquele que dá a vida se esconde?” (Poema azteca).
5.5. “Quando nascestes, chorastes, mas o mundo rejubilou. Vivei a vossa vida de tal modo que, quando morrerdes, o mundo chore e vós rejubileis.” (Provérbio ameríndio).
5.6. “A morte não passa de um casamento com a eternidade.” (Provérbio iraniano).
II. Dez conselhos de Frei Betto para enfrentar o confinamento forçado pela pandemia
1. Mantenha o corpo e a cabeça juntos. Estar com o corpo em casa e a mente focada lá fora pode causar depressão.
2. Crie rotina. Imponha-se uma agenda de actividades. Exercícios físicos, leituras, limpezas, cozinhar, investigar na net...
3. Não fique todo o santo dia diante da televisão ou do computador. Diversifique as suas ocupações.
4. Use o telefone para ligar a parentes e amigos, não esqueça os mais vulneráveis e sós.
5. Dedique-se a um trabalho manual: reparar coisas, coser, cozinhar...
6. Entretenha-se com jogos. Se está com outras pessoas, estabeleça um momento do dia para jogar xadrez, damas, cartas...
7. Escreva um Diário sobre a quarentena. Colocar no papel ou no computador ideias, apreciações, sentimentos, é profundamente terapêutico.
8. Se houver crianças ou outros adultos em casa, partilhe com elas as tarefas domésticas.
9. Medite. Mesmo que não seja religioso, aprenda a meditar, pois isso limpa a mente, retém a imaginação, evita a ansiedade e alivia tensões.
10. Não se convença de que a pandemia acabará rapidamente ou durará x meses. Aja como se o período de reclusão fosse durar muito tempo. Na prisão, não há nada pior do que o advogado que garante ao cliente que recuperará a liberdade dentro de dois ou três meses.
III.Concelebrar “coronoviricamente”
Aqui, digo eu. Se o leitor ou a leitora são católicos e costumam seguir a Missa pela televisão ou outros meios, saibam que podem, em casa, celebrar a Eucaristia em sentido pleno e comungar. Como explico num texto publicado ontem no jornal SOL.
A fé, como diz a etimologia — fides, fiar-se de, confiar —, dá esperança, confiança. E a oração deve ser uma conversa com Deus, que é Pai-Mãe, falar com Ele como quem fala com um amigo íntimo, com o pai, com a mãe, expor-lhe dúvidas, medos, perplexidades, fazer-lhe perguntas... Jesus na Cruz (estamos na Semana Santa) também rezou perguntando a Deus, no horror da Cruz: “Meu Deus, meu Deus, porque é que me abandonaste?”, mas continuou a confiar: “Nas tuas mãos, Pai, entrego o meu espírito”...
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia Artigo publicado no DN | 5 ABR 2020