CADA ROCA COM SEU FUSO…
UM ESTRANHO RETRATO EUROPEU…
É muito estranho o momento que vivemos. De um lado, temos uma pandemia descontrolada – é disso que verdadeiramente se trata, com situações muito diversas e uma evolução necessariamente assimétrica. De outro, a antevisão de uma crise económica de contornos inéditos. Há muitas comparações, mas não houve outra situação igual que possa ser comparável. Mesmo as maiores epidemias do passado não tiveram uma expressão global como esta – lembremo-nos da peste negra do século XIV ou da pneumónica um século atrás. Ambas foram devastadoras, mas nenhuma global, induzida pela rapidez de uma sociedade caracterizada pela extraordinária mobilidade. Acresce o facto desta pandemia ser enganadora, uma vez que se manifesta de modos muito diversos – ora sem sintomas, ora com manifestações moderadas, ora com uma expressão dramática e fatal. E o certo que a transmissão se faz por todos os portadores dos diferentes tipos de doença. O ciclo do vírus é inexorável. Um assintomático transmite a alguém que vai desenvolver a enfermidade na sua expressão mais mortífera. Trata-se de vírus traiçoeiro, que emigrou do meio animal para o meio humano e iniciou o ciclo de uma nova vida… É esse ciclo que se procura minorar, através do confinamento e da distância social. Mas, como o vírus tem uma incubação relativamente lenta, não sabemos quando e onde se manifesta, nem quem são os seus portadores perigosos. Se é certo que nos deparamos com dezenas de especialistas, ou de sabichões, como diria um conhecido jornalista, a verdade é que apesar das mil explicações, estamos vulneráveis, sem saber se poderemos ser atingidos. E, afinal, apenas pedimos sinceramente que não se inventem mais explicações e teorias. Precisamos de prevenção, prudência, cuidado, coragem e esperança. O Papa Francisco, com especial oportunidade, não nos deu outras palavras senão esperança e coragem… O confinamento em tempos de peste obriga-nos a encontrar novos modo de relacionamento, de forma que não percamos as cadeias de solidariedade, mas que interrompamos a cadeia da doença. E vem à baila a atitude dos governantes europeus. Corremos o risco de ter os terríveis métodos de “todos ao molho e fé em deus” ou de “cada um por si”… E ambas as atitudes só anunciam o desastre. E sejamos ainda claros, desastre também haverá se começarmos a dar ouvidos aos profetas da desgraça à procura de bodes expiatórios… A União Europeia é a nossa única tábua de salvação. A sua existência é uma questão de sobrevivência. Lembremo-nos de 2008. Sem o Banco Central Europeu tudo teria sido muito pior. E agora? Sejamos claros! A epidemia veio num momento em que as lições da última crise ainda não estavam inteiramente tiradas. E agora arriscamo-nos a continuar a assistir à repetição dos erros passados – primado da ilusão, incapacidade de fazer despesas de investimento reprodutivas! A mutualização da dívida, por si só, não é uma panaceia. E se hoje se fala de um novo Plano Marshall, percebamos que só poderemos ter investimento reprodutivo se tivermos planeamento estratégico. Volto ao meu tema de há quinze dias… O acordo de quinta-feira santa é um solução ainda tímida. Melhor que nada, é certo, mas falta muito caminho para andar. Há forças contraditórias e incoerentes. O caso dos Países Baixos é um sintoma, não é um caso isolado. Como sintomas são a rigidez de diversas naturezas da Áustria, da Finlândia, de um lado; da Hungria e da Polónia de outro… Tudo são sintomas de uma União necessária que se deixa arrastar pelo imediatismo, pelo curto prazo e pelo medo de descontentar os arautos do momento. Os melhores generais são os que são capazes de dar orientações, mesmo sabendo que haverá resistências. Urge assumir riscos, para podermos caminhar… Coragem e esperança exigem determinação, mesmo na dúvida… Haverá dúvidas e riscos. Disso não tenhamos dúvidas. Há duas batalhas contraditórias, a de salvar vidas e a de garantir a sobrevivência económica…
Agostinho de Morais