"CAROÇO DE AZEITONA" OU O FASCÍNIO PELA IMENSIDÃO DOS SENTIDOS
Erri De Luca é romancista, tradutor e poeta italiano. Escritor de palavra rigorosa, tornou-se um escritor de culto. Entre outras línguas estudou o hebraico e neste seu livro “Caroço De Azeitona” (ed. Assírio & Alvim), Erri de Luca procura a originalidade da Palavra na profundidade das palavras bíblicas.
Erri de Luca não acredita em Deus mas acredita nos livros, e para ele, os livros que compõem o velho testamento são das coisas mais bonitas que existem mas cuja verdadeira mensagem foi sendo deturpada em traduções e adaptações.
Li este livro como se com ele estivesse a percorrer uma rara noite de percurso bíblico, sendo certo que as passagens quer do Antigo quer do Novo Testamento, me provocaram, pela mão de Erri de Luca, uma frescura muito especial e que me falou da alba de uma viagem ao país dos encontros.
E recordei o quanto me comovi no encontro com a ponte de Mostar. Uma ponte que dizia respeito ao homem e à humanidade. Uma ponte que ali era penhor de uma síntese por explicar. Uma ponte-músculo que ali também aguardava que o mais intruso do mundo a protegesse e interpretasse. Uma ponte para conforto dos presépios do mundo, uma ponte, magnífica construção em pedras brancas, sobre o rio Neretva e que bem registavam os seus prodígios através das forças com que se uniam umas às outras.
Sim, no centro da ponte de Mostar poderia sempre colocar-se a estrelinha com a cauda de ouro.
Até àquela ponte a peregrinação era a viagem e que cruel holofote-cometa a denunciou para abate?
O seu bombardeamento expos a morte no alto, à vista manifesta.
Nunca me atreverei a considerar-me residente na memória da ponte de Mostar, apenas visitante.
Acabei inventando um jeito de ali pedreira por muitos anos.
Em 2004 quando reconstruída a ponte, não me esqueci do mal, mesmo quando um pouco de bem se fez notar. Afinal não sei perdoar já que não admitiria ter sido perdoada pelo projeto falhado de a defender.
Afinal na minha vida existe o limite do irreparável.
Não se carece de ser recenseado para se contarem os filhos mortos. Digo. O sonho é o nascimento é a grande denúncia e que se lhe façam oferendas: que três estrangeiros venham dignos do nascimento e vida dos anseios, ou os futuros da humanidade não fossem eles também absolutamente justos.
«E Deus disse», esteja-se certo que em hebraico é: «E disse Deus». Porque nesta vontade de revelação o dizer é mais importante e urgente do que o próprio facto de ser Deus a falar. (Erri de Luca)
A respiração, aliás, todo o corpo deve acompanhar a viagem de cada um de nós face à interpretação e à assunção. Assume-nos mais como portadores de um coração, se assim for, e se assim for os massacres dos meninos das ruas deste mundo, reconhecem-nos.
Neste livro a precedência do escutar é único modo de leitura das escrituras sagradas.
O desafio proposto: o do fascínio pela imensidão dos sentidos.
É nesse sentido que fala da Bíblia como um caroço de azeitona?
Sim. As palavras que lia de manhã, quando trabalhava como operário, tinha-as como companhia para todo o resto do dia. Remastigava-as no trabalho das obras e fazia como se fosse um caroço de azeitona que me ficava na boca.
Teresa Bracinha Vieira