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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LUIS CERNUDA (I)

Queria fazer poemas que não gerassem linguagem mas que a suprimissem.

 

Quando do meu ângulo abro as portas de um livro e dentro dele passo a viver com um anseio sem nome, aguardo anos que ele me escute e compreenda, e encontre eu a razão que por fim me dirá se nele terei vivido quanto.

 

Depois, o que importa, é que claramente o recordo e a ele recorro, e, então, é como a casa sempre que me dá a mão.

 

 

Assim e por dívida inexcedível a José Bento poeta e tradutor maior, eis esta Antologia Poética de Luis Cernuda, para quem, a poesia foi a única realidade que, como poucos no seu tempo alcançou. Assim se pode ler no prólogo, igualmente escrito pelo tradutor desta livro em edição bilingue, oportuna chancela da Cotovia.

Um ponto de partida para a compreensão da obra de Cernuda era o desejo da proximidade da por si chamada poesia pura.

Desde logo a Mozart as palavras cenurdianas surgiram como gente, sangue e meta: 

A sua música dava forma ao mundo, dava ordem, justiça, nobreza e formusura. Escreveu.

 

Luis Cernuda habitante do mundo mítico da Andaluzia nasceu em Sevilha em 1902. Incorpora-se na famosa Geração de 27, que constituiu um específico período, durante o qual as artes eram tratadas num profundo estilo vanguardista, e deste ciclo veio a ser um dos poetas mais significativos.

 

No seu exílio de Espanha e de muitos caminhos de uma infância profundamente solitária e difícil, conheceu a Inglaterra e os E.U.A. onde foi professor na Universidade de Mount Holyok, tendo vindo a falecer no México em 1963.

 

Muito influenciado por Gustavo Adolfo Bécquer e Pedro Salinas, Baudelaire, Rimbaud, Hölderlin, Mallarmé, Gide, Garcilaso, entre muitos outros, Cernuda, no seu livro, “Ocnos”, produziu dos mais admiráveis poemas em prosa.

 

Um mundo diferente também o despertou quando em 1925, terminado o seu curso de Direito, e vendo-se sem trabalho para viver, o cinema e o jazz entusiasmam-no, enquanto trabalhava nalguns suplementos de revistas, numa profunda antipatia pelo conformismo.

 

A obra de Luis Ceruda, entendo-a como uma razão, à qual sou, e serei a visitante que por ela caminha, a visitante que leva vida na ambição de se aproximar da insubornável busca de Luis Ceruda de uma linguagem que não existe, quer para tratar afetos que não podem ou não sabem ser ditos e que por assim ser - esta e outras realidades - a própria linguagem artística é ultrapassada pelo seu interior metalinguístico.

 

Hay poetas que deslumbran y poetas que alumbran. Li.

 

Para nós a força de acender está com Ceruda: um dos mais solitários escritores espanhóis que incessantemente transportou dentro de si uma multidão que, enfim, o tornou alma tão triste, tão água, fogo, terra, ar, e beijo, aquele mesmo que unge lutador e moribundo, o despido e o comprometido.

 

Na afirmação da sua verdade, o mesmo pensamento que produziu os mais arrebatadores poemas de amor -

 

 “Libertad no conozco sino la libertad de estar preso en alguien
cuyo nombre no puedo oír sin escalofrío”

 

- produziu também os mais desamparados.

 

“Morir parece fácil,
La vida es lo difícil:
Ya no sé sino usarla
En ti, con este inútil
Trabajo de quererte

que tú no necesitas”

 

Ou ainda o tão eloquentemente objetivado poema “País” traduzido por José Bento:

 

Somos uma sociedade atrasada
que somente se põe em dia nos
símbolos externos. 

 

E palpo respeitar a senha dos livros de Luis Ceruda, que numa trajetória de vida nada superficial, reconheceu que nem sempre soube ou sequer pôde criar a distância entre o poeta criador e o homem que sofre.

Destino?, ou a mais alta verdade?

De novo, apenas me aproximo.

E ávida volto ao poeta que afirma entender melhor os homens que na lenda estão mortos -

(…) quem vai do manancial latente

Ao rio que sem alento desagua.

- qual desencanto, ou antecipação da desolação das quimeras, seu último livro de poemas.

                                                         

Teresa Bracinha Vieira