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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

UM ESPAÇO DE DIÁLOGO

 

Comecei a frequentar o Centro Nacional de Cultura nos anos 1967-68, quando estava nos primeiros anos da Faculdade de Letras de Lisboa. O CNC complementava os lugares onde era possível, para quem fazia parte da contestação estudantil ao regime, ouvir falar de temas proibidos, discuti-los, expor de forma mais ou menos livre aquilo que fazia parte da vida política e cultural da época, trazido pelas revistas a que se tinha acesso («Esprit», «Temps modernes», «Tel Quel»), pelo cinema novo francês (Truffaut, Resnais e sobretudo Godard), numa época em que a França, isto é, Paris ainda era o centro do mundo.

No CNC era possível ouvir falar de forma quase sempre desassombrada, e isto apesar da vizinhança da PIDE na mesma rua António Maria Cardoso, das teorias de vanguarda, da pintura, dos filmes que acabavam de estrear, das situações que na altura dominavam as conversas, de que a guerra do Vietnam ocupava a maior preocupação; também se falava da Igreja, na sua vertente progressista; mas o que fazia parte igualmente das sessões era a literatura que começava a fugir a um cânone neo-realista a chegar ao seu esgotamento, e a abertura para novas formas de escrever e pensar a criação portuguesa na poesia e no romance, tal como na teoria, tendo Eduardo Prado Coelho dado a conhecer essa nova visão que se polarizava no estruturalismo em conferências que ali fez.

Muitas vezes, terminadas as sessões, as conversas prosseguiam na sequência dos assuntos que nos levavam ao CNC: e ali se falava da situação universitária, já então dominada pelo ressurgir da contestação que tinha como exemplo o que se passara nos USA, em Berkeley, a partir das doutrinas de Marcuse, e do que teve lugar em 1968 com a ocupação da Sorbonne. Tudo isto fazia parte desse contexto que influenciou a geração de que eu fazia parte, e que nos levou a envolver-nos nas eleições de 1969, as primeiras do consulado marcelista em que, no início, se criou uma ilusão de abertura logo desmentida pelos factos. Foi aí que conhecemos melhor António Alçada Baptista e João Bénard da Costa, tendo sido o João Bénard que convidou alguns desses jovens que andavam entre a contestação estudantil e a militância na Comissão Democrática Eleitoral (que ia do PC para a esquerda) e na CEUD (monárquica e socialista), a integrar a redacção de «O Tempo e o Modo», revista que, na sua primeira fase, se podia considerar a expressão ideológica de muitos dos membros do CNC, que iam dos monárquicos aos católicos progressistas. António Alçada talvez desconfiasse dessa abertura promovida por João Bénard e lembro-me da que terá sido uma das primeiras reuniões, passada a fase pós-eleitoral que pusera fim à esperança de uma verdadeira renovação do regime por parte do sucessor de Salazar, em que Alçada pôs o lugar à disposição, tendo passado a direcção da revista para João Bénard. Fui um dos que entrei; e nesse primeiro momento da revista ainda coincidiram Jaime Gama, Alfredo Barroso, José Luís Nunes, do lado à direita do PC, com Amadeu Lopes Sabino, Arnaldo Matos, Luís Matoso, Sebastião Lima Rego, do lado à sua esquerda; rapidamente os radicais tomaram o

poder, o João Bénard cansou-se e afastou-se, a Helena Vaz da Silva, que era uma presença luminosa no meio das discussões inflamadas que muitas vezes tinham lugar, seguiu o mesmo caminho e, a partir da nova fórmula tipográfica, o caminho seguido foi o do corte com os «moderados» que viriam a formar o PS. Julgo que estes conflitos também se reflectiram no ambiente vivido no CNC onde as ideias mais radicais tiveram expressão nos debates que ali se promoviam, embora nunca tenham tomado o poder, como sucedeu na revista.

Estudar a história do CNC, em conclusão, é acompanhar a vida politica e cultural durante a Ditadura no pós-guerra, com todos os conflitos e entendimentos que a percorreram, mas tendo em conta que nunca a moderação e o espírito de diálogo, em que a Cultura tinha sempre o primeiro lugar, deram lugar aos excessos que, já no fim da Ditadura mas sobretudo no pós-25 de abril, dominaram a cena portuguesa.

 

Nuno Júdice

LUIS CERNUDA (II)

 

Considero que un poema va más allá de la literatura y se extiende a la experiencia vital del poeta, en la voz interior.

El poeta es un hombre ansioso de eternidad, y la poesía salva de la muerte:

Ya no podré decirte cuánto llevo luchando para que mi palabra no se muera silenciosa conmigo…

(extrato de uma entrevista a Luis Cernuda)

No seu esforço de depuração, Cernuda abandona a rima e evita o que chamou de linguagem pomposa, procurando um tom mais coloquial e permanecendo sempre constante ao seu único e sagrado desejo: a poesia.

José Bento alerta-nos que sempre Cernuda quis permanecer para lá de tudo o que constituiu a sua vida e talvez por aí também possamos chegar ao seu iluminado poema A un poeta futuro.


E continua a sua entrevista da qual só temos alguns rascunhos:

Por un lado, sentía que debía apoyarme en los poetas y lectores del futuro pues no me sentía comprendido por mis colegas contemporáneos. Lo expreso ya en el primer verso:

“No conozco a los hombres”. Considero que la gente está deshumanizada, con ese ocio atareado, esa prisa errante.


E ouso no meu postal para ti:

Se eu não souber Luis Cernuda, como dominei o medo, e a vida tiver sido o que quase fui, certa de que aprendi algo por que envelheça, e mesmo que as palavras muito se me desmaiem, nelas, habituei-me a crer – por te interrogar - que posso por elas ser espelho, se aguço a minha consciência num enxame de lembranças já sem mim e eu futuro: eu, sem pressa, ou não tivesse amado muitas verdades: eu, que as chamei teimosamente. Tua.


O entendimento e a compreensão para Cernuda surgem na procura de ele se entender na hora da escrita. Julgo mesmo que se sentiu sempre condenado a saber que a sua possibilidade de vencer seria através da sobrevivência da sua obra, já que para ele o poeta é como ave-fénix, renascendo a cada leitura que lhe façam de seus versos. Digo.


E assim no poema

 

A Um Poeta Futuro

 

Eu não conheço os homens. Há já anos

Que os procuro e lhes fujo, em vão.

Não os entendo? Ou entendo-os porventura,

Demasiado?

(…) Não compreendo os rios.

(…) A fonte, que é promessa, somente o mar a cumpre

(…) Não compreendo os homens. Mas algo em mim responde

Que te compreenderia, como compreendo

Os animais, as folhas e as pedras

(…) não me preocupa ser desconhecido

Quero só o meu braço sobre outro braço amigo

(…) pressinto neste humano afastamento

Quanto meus hão-de ser os homens do futuro

(…) Escuta-me e compreende (…) meus sonhos e desejos

Terão razão por fim

 

Por tudo o que deste Poeta tenho lido, nunca lhe notei uma estratégia vaidosa para imaginar futuros de glória. Antes o sinto a procurar um leitor que o entenda na consciência das palavras que escreve, e que saiba um dia esse leitor, ordenar a poesia através de uma nova medida, aquela que leva o poema para lá da literatura.

 

E numa folha da entrevista a Luis Cernuda, entrevista na qual se confessa só e em profundo desalento, ainda encontro estas palavras:

 

Siento que en esta etapa madura he aceptado el sufrimiento y me he dado cuenta de que siempre, a pesar de todo, hay que celebrar el mundo.

Além, Luis, além, onde os lilases dormem.

 

Teresa Bracinha Vieira