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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MANUEL CINTRA

 

Deixou-nos, presumivelmente, num fim-de-semana. Tinha 64 anos quando partiu. Vivia sozinho no Bairro Alto. Estava sozinho quando nos deixou. Uns dias depois foi encontrado sem vida na sua casa.

Como sublinhou a poeta e sua amiga Maria Quintans “Ele era um grande poeta, mas foi muito marginalizado porque não alinhava com o sistema”. Todavia “a sua incontornável e apaixonada estrada foi sempre a poesia”.

Dos poetas que fazem do azar uma espécie de sorte, dizia Manuel Cintra:

“Algumas pedras os escutam”.

Filho do linguista Luís Filipe Lindley Cintra viu a sua estreia como poeta na coleção da Editorial Presença por sugestão de Ruy Belo.

Viveu também o cinema como poucos. Foi programador da Cinemateca. Foi tradutor e jornalista e Actor.

 

“NÃO SEI NUNCA POR ONDE”

 

Livro a fazer-nos companhia e sempre como Manuel Cintra dizia:

Sempre numa nova manobra. A evitar o acidente. Ou a vivê-lo a fundo”

A sua amiga Raquel Nobre Guerra lembra-o assim:

“Não era leve não era cool, não se observava na simpatia de todos, vendia poemas na rua (…) pedia dinheiros, tinha uma página de poesia, tinha o número de telefone na página de poesia, tinha gatos e cães falava deles como de amigos, lia poemas em toda a parte, incomodava, fazia tropelias, agia sobre os outros como quem via qualquer coisa. (…) Tinha sempre uma ponta de febre (…) Era quase tudo o que pomos de parte na vida real para depois nos refastelarmos com a ideia romântica disso.”

Parece-nos que cada vez mais, tudo o que se passa numa vida a inventariar e a compreender, está numa eflorescência passageira que só tem o sentido de permitir à humanidade desempenhar o seu papel, e, cada vez mais a decadência universal é uma desagregação definitiva, mas organizada por essa mesma humanidade que se julga a metade sã de tudo nesse mesmo papel. Não sei mesmo se nesta metade não está a autojustificação dos intelectuais que deste modo julgam afastar-se dos logros.

Mas eis

Eis

Um poema de Manuel Cintra


Nada me pertence, nada

se afoga nesta terra deserta de cansaço
Nada é culpa, nada é nascido, tudo cria
embriões para que embriões possam nascer
Eu sou nada e se acaso me afogo
é porque não existo, como os meus amigos
como a arte de imaginar

E a natureza prende-me, se amo é por vir

de um céu imenso onde forças estranhas
me inventaram, e aos meus amigos, e a todo o tanto
que não existe sobre a terra coberta de tudos.

Mesmo deus que não existe me forjou

para a natureza que não existe, a minha
de ser minúsculo e gigante
e não existir

 

 Teresa Bracinha Vieira