A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
LIX - VIAGENS, VIAJANTES E O FATOR LÍNGUA (I)
D. Dinis, em plena Idade Média, ao mandar plantar o pinhal de Leiria, queria matéria prima para uma marinha forte e eficaz, nomeando almirante mor do reino o genovês Manuel Pessanha, ato tido pelos historiadores como um dos seus feitos fundamentais, daí saindo madeira para as futuras viagens marítimas. Fernando Pessoa chamou-lhe “plantador de naus”. Um estratega, que para além da fundação da universidade portuguesa, decretou o uso do português nos documentos públicos, mandando traduzir obras valiosas do hebraico, árabe e outros idiomas. Nas viagens por mar não iam só os seus protagonistas, viajando consigo outros viageiros que os ultrapassavam em longevidade, como a língua, a cultura e a religião, sendo dos três o mais relevante a língua, na sua qualidade de companheira e intérprete constante dos outros dois.
A língua “era a companheira do Império”, na opinião de António de Nebrija, atribuindo tal função ao castelhano, ao publicar, em 1492, a sua “Grammatica Castellana”, o que pode ser extensivo à língua que os navegadores portugueses transportavam, neste caso a portuguesa.
No mesmo sentido se pronunciou o primeiro gramático português Fernão de Oliveira, na sua “Gramática da Linguagem Portuguesa”, em 1536, mantendo-se seguidor da linha imperialista de Nebrija, ao defender que os portugueses deviam atuar como os gregos e os romanos, que tinham assegurado a coesão do Império devido à difusão obrigatória das suas línguas. Duarte Nunes de Leão, na obra “Ortografia e Origem da Língua Portuguesa” (1576), na última quarta parte do século XVI, associando às navegações, descobrimentos e conquistas dos portugueses a difusão e utilização língua portuguesa, escrevia que ela “tão puramente se fala em muitas cidades de África que ao nosso jugo estão sujeitas, como no mesmo Portugal, e em muitas províncias da Etiópia, da Pérsia e da Índia, onde temos cidades e colónias, nos Sionitas, nos Malaios, nos Maluqueses, Léqueos, e nos Brasis, e nas muitas e grandes ilhas do Mar Oceano e tantas outras partes”. Também as gramáticas de Pero de Magalhães Gândavo (1574), Amaro Roboredo (1619) e de P. Bento Pereira (1666), desempenharam um papel crucial na fixação do nosso idioma.
Com a língua chegou às antigas colónias portuguesas da América, África e Ásia, toda uma matriz de cultura lusa, que iria, ao longo dos séculos, em contacto e mistura com o elemento local, criar culturas variadas e individualizadas, sem prejuízo dos seus traços de origem, que se desdobrariam posteriormente em afetos, afinidades, cooperação, permutas e conflitos.
Para além do poderio militar e naval dos portugueses na era de quinhentos, conhecedores, inclusive, de armas de fogo, inicialmente desconhecidas para os povos que inicialmente descobriram, colonizaram e dominaram, também o português contribuiu decisivamente como língua de conhecimento, comunicação, afirmação e unidade desses mesmos povos, com especial incidência em África e na América.
Numa análise dos elementos substantivos da cultura africana e indígena do Brasil, conclui-se, desde logo, serem compostas por elementos folclóricos (danças, canções e os trajes de cada região), em conjugação com uma visão peculiar do homem e da natureza, em que o plano do humano e do natural se articulam numa harmonia animista de índole ecológica.
Atento a natureza oral de tais culturas, pode-se dizer que o seu ponto fraco e perigo de não resistência residia predominantemente nessa mesma oralidade, operando as línguas pela palavra falada, instantânea e momentaneamente dita, ao invés da que era falada e escrita, fixa em livros, que influencia quem a fala e lê, com natural tendência para ser imitada e divulgada como uma linguagem organizada.
31.07.2020
Joaquim Miguel de Morgado Patrício