Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

30 BOAS RAZÕES PARA PORTUGAL

 

(VIII) ÍNCLITA GERAÇÃO E A BATALHA

 

«Ínclita Geração, Altos Infantes», eis como Camões, no canto IV de “Os Lusíada” refere a descendência de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, extraordinária plêiade constituída por: D. Duarte, o Eloquente, autor do «Leal Conselheiro», filósofo e sábio governante, que sucedeu a seu pai, o rei da Boa Memória (1433-1438); D. Pedro, Duque de Coimbra, considerado, justamente, um dos Príncipes europeus mais cultos da sua época, regente em nome de D. Afonso V e morto tragicamente em Alfarrobeira (1449); D. Henrique, Duque de Viseu, grande impulsionador das navegações; D. Isabel, duquesa de Borgonha, mulher de Filipe, o Bom, mãe de Carlos o Temerário e administradora da coisa pública respeitada e influente; D. João, Infante de Portugal, mestre da Ordem de Santiago e condestável do reino; e D. Fernando, o Infante Santo, que faleceu, em cheiro de santidade, no cativeiro de Fez. Deve ainda acrescentar-se, fora desta Geração, D. Afonso, filho bastardo de D. João I e de Inês Perez, que casou com D. Beatriz filha de Nuno Álvares Pereira, e seria o primeiro Duque de Bragança. Há uma notável complementaridade no seio da Ínclita Geração, devendo salientar-se a figura de D. João I, como autêntico refundador do Reino, criador de uma realidade política nova ligada à grande frente marítima atlântica, mas também às suas ramificações mediterrânicas. Se cuidarmos bem da análise dos acontecimentos, depressa descobrimos que D. Duarte, D. Henrique e D. Pedro articularam inteligentemente ações. A leitura da célebre Carta de Bruges (1426), enviada por D. Pedro a seu irmão D. Duarte, ainda príncipe herdeiro, além de revelar a defesa do que mais tarde se designaria como «fixação», por contraponto ao transporte», apresenta-nos o que poderíamos designar como um projeto nacional – com um Administração moderna, uma economia adequada à inovação, uma universidade capaz de seguir o que de mais avançado outras faziam e uma procura de novos modos de organizar, funcionar e agir. Dizia o Infante das Sete Partidas: «O governo do Estado deve basear-se nas quatro virtudes cardeais (fortaleza, justiça, temperança e prudência) e, sob esse ponto de vista, a situação de Portugal não é satisfatória. A força reside em parte na população; é pois preciso evitar o despovoamento, diminuindo os tributos que pesam sobre o povo. (…) A justiça deve dar a cada qual aquilo que lhe é devido, e dar-lho sem delonga. É principalmente deste último ponto de vista que as coisas deixam a desejar: o grande mal está na lentidão da justiça…». Estando por esclarecer qual a real influência das informações de D. Pedro, recolhidas no périplo europeu, certo é que quer o Livro de Marco Polo quer as misteriosas informações geográficas de Fra Mauro devem ser referidos. A ideia fundamental de D. Pedro era a de termos de ser europeus, de estar no núcleo mais dinâmico da Europa, de ligar quem fica e quem parte, para melhor nos projetarmos para fora da Europa. A lição essencial da nossa cultura tem a ver, pois, com a capacidade de prever, de planear e de persistir. Sempre que a esquecemos, por otimismo ou pessimismo, falhámos. D. Henrique foi profundamente marcante e cioso dos seus domínios, era duque de Viseu, senhor da Covilhã, governador da Ordem de Cristo, senhor dos arquipélagos da Madeira e dos Açores e do barlavento algarvio, detentor do monopólio das saboarias, da pesca do atum, da produção do pastel ou da pesca do coral. Não seria ainda a Índia o objetivo, mas D. Henrique estaria a pensar na Terra Santa, preocupado com o seu poderio e a sua influência, mas também com a sua vocação de cruzado do novo tempo, pensando na libertação da Terra Santa. A atitude perante o desastre de Tânger deve ser lida a esta luz. Dotado de uma inteligência superior, D. Henrique ligava razões diversas – políticas, económicas, políticas e religiosas. Além de Navegador é um príncipe preocupado com o seu senhorio e com a sua influência política e um político que sabia influenciar as demais figuras da corte, através de uma simpatia que o colocou sempre acima das divergências que dividiam a família real. D. Henrique movimentou-se intensamente por todo o reino, e os períodos de maior frequência nas deslocações, «coincidem com a sua mais intensa ação expansionista: 1437-1441 e 1443-1445. Fez do Algarve o seu laboratório de nova governança. Em ambos os períodos, correu de Lagos a Viseu, cidades gémeas no seu entender. Na primeira, assistia à partida e chegada das naus e à repartição das mercadorias; em Viseu, arrecadava o quinto e demais tributos que lhe cabiam. Aquando do conflito trágico, que culminou na batalha de Alfarrobeira, D. Henrique procurou contemporizar, sem sucesso, mas é sob a sua influência que o corpo de D. Pedro irá para a Batalha, não podendo esquecer-se que, com interferência do Rei, ver-se-á reconhecido pelo Papa como diretor das navegações, conquistas, ocupações e apropriações de todas as terras, portos, ilhas e mares do continente africano e mesmo dos ainda a ocupar da Guiné para sul sem fixação de quaisquer limites. Pode dizer-se que se trata de um período único na história portuguesa. Fernão Lopes, o grande cronista, é um dos nossos grandes prosadores, que nos apresenta com uma vitalidade extraordinária o desenvolvimento de uma nação que anuncia mudanças civilizacionais com repercussões extraordinárias. Prepara-se a primeira globalização e inicia-se o diálogo entre civilizações diversas que abre caminhos complexos e contraditórios para uma humanidade que começa a conhecer-se como um todo de diferenças e complementaridades… E o Mosteiro de Santa Maria da Vitória ou da Batalha, erigido onde se feriu a grande batalha de Aljubarrota, alberga os túmulos dos protagonistas maiores deste novo tempo.

 

GOM


>> 30 Boas Razões para Portugal no Facebook

 

CINQUENTENÁRIO DA MORTE DE ALMADA NEGREIROS

 

Assinalamos aqui os 50 anos da morte de Almada Negreiros (1893-1970). Importa desde já destacar o relacionamento pessoal-familiar decorrente de uma longa amizade de família em que desde sempre participei. E que de certo modo reforcei através de contactos especificamente destinados a acompanhar toda uma vasta série de artigos e de textos publicados na imprensa e em livros, que ao longo de décadas fui escrevendo sobre o teatro de Almada, e em que tive o gosto e o proveito da sua informação e apreciação.

 

De tal forma que na minha “História do Teatro Português” dediquei a Almada um conjunto de referências, em capítulo autónomo, a partir de temas que Almada introduz em diversos aspetos da sua vasta e variada criação artística, e que, no que respeita ao teatro, representam uma expressão-síntese da sua obviamente também vasta e variada dramaturgia.

 

Refiro então, especificamente, dois temas basilares na coerência e continuidade dessa dramaturgia. São eles “A Tragédia da Unidade” e “1+1=1”. Insisto: trata-se de expressões que em si mesmas, dispersas que sejam ao longo da variada obra do autor (e aqui referimo-nos sobretudo ao teatro) constituem como uma síntese abrangente desse vasto e notabilíssimo conjunto de peças e exercícios de espetáculo teatral.

 

Esclareça-se entretanto que nem todas as peças referidas chegaram até nós: assim, entre textos publicados e textos evocados, temos um conjunto de 15 títulos, que enunciamos com a indicação da respetiva “sobrevivência”:

 

“O Moinho” (1912) que desapareceu, “23, 2º andar” (1912) de que restam algumas falas, “Pensão de Família”, “A Civilizada”, “Os Outros” (este de 1923), “S.O.S” (1928-1929), “O Mito de Psique” (1949), “Protagonistas” (1930), que se perderam.

 

 Na íntegra, ficou “Antes de Começar” (1919), “Pierrot e Arlequim” (1924), “Portugal” (1924), “Deseja-se Mulher” (1931) de que se conhece uma versão em inglês traduzida por David Lay, “Galileu, Leonardo e Eu” (1965) e “Aqui Cáucaso” (1965).

 

No ponto de visita estilístico, pode-se dizer que esta obra, no seu vasto conjunto, concilia a modernidade indiscutível da criação artística global de Almada com a adaptação de estilos estético-literários diversos. Independentemente do estilo e do linguajar teatral dominante, o que mais se nota neste conjunto heterogéneo será o sentido de espetáculo que, esse sim, liga toda esta dramaturgia: e vale então a pena referir que esse “sentido do espetáculo”(e agora pomos a expressão entre aspas) constitui característica global e constante da vastíssima e diversificadíssima obra do autor.

 

Aliás, basta ter presente o sentido de comunicabilidade cénica da sua obra plástica, poética, literária, dramática: Almada Negreiros é sempre Almada Negreiros tanto como artista criador como grande e bom amigo e conversador...

 

Ora, tal como escrevi na “História do Teatro Português” acima citada, o teatro surge como uma espécie de síntese da sua criação artística.

 

Aí é referido Almada como artista imenso, aventureiro do espírito, descobridor e inventor esteta, para quem a síntese dramatúrgica é corolário lógico da sua intuição e saber. A arte plástica dá-lhe o senso dos volumes, cores e posições relativas; a arte rítmica, o poema, o segredo do verbo, a música das falas, o mistério do lirismo subjacente. E o que falta para criar teatro, busca-o no talento do artista, na sua sensibilidade intelectual. (fim de citação).

 

Acrescento agora que o grande tema de unificação desta obra pode ser identificado precisamente na expressão paradoxal de 1+1=1. Veremos a concretização desde lema na obra dramática e dramatúrgica de Almada Negreiros.

 

DUARTE IVO CRUZ